Poderes fazendo as pazes

Lula defende harmonia entre Executivo e Judiciário e revisão de política de drogas

Autor

13 de setembro de 2022, 9h30

*Este texto integra uma série de reportagens sobre as propostas dos principais candidatos à Presidência da República para o Judiciário, o Ministério Público, as polícias, a advocacia pública, a legislação penal e o sistema penitenciário. Para ler as outras reportagens, conforme elas forem publicadas, clique aqui.

Em contraposição ao presidente Jair Bolsonaro (PL) — que elegeu o Supremo Tribunal Federal e seus ministros como seus maiores inimigos —, o principal concorrente dele ao Palácio do Planalto, o ex-presidente Lula (PT), defende a retomada das relações harmoniosas entre Executivo e Judiciário.

Reprodução de vídeo/Lula/Twitter
Lula diz que MP deve defender direitos e garantias fundamentais de cidadãos
Reprodução de vídeo/Lula/Twitter

"O Supremo Tribunal Federal é o guardião da Constituição Federal. A principal questão será retomar o respeito institucional e a harmonia entre os poderes, dever do chefe de governo que não tem sido observado pelo atual mandatário", afirmou Lula à ConJur.

Jair Bolsonaro fez dos ataques ao STF uma estratégia para galvanizar seus apoiadores. As investidas têm duas origens. A primeira está nas decisões que declararam que estados e municípios têm competência para impor medidas sanitárias contra a Covid-19, como as de isolamento social. A segunda está nos inquéritos que apuram a propagação de fake news e atos antidemocráticos, bem como o financiamento dessas atividades, por bolsonaristas. Há ainda um terceiro foco de ataques contra o Judiciário, mais especificamente, em face do Tribunal Superior Eleitoral e seus magistrados, relativo ao descrédito das urnas eletrônicas.

Líder nas pesquisas de intenção de voto — com a preferência de 45% dos eleitores, segundo Datafolha divulgado na sexta-feira (9/9) —, Lula destaca o "papel central" que o Judiciário cumpre no país.

"É necessário que seja estabelecido diálogo permanente com os atores do Judiciário, sempre com respeito a sua independência, para estimular o aperfeiçoamento, em todos os níveis do sistema de justiça, da prevalência da cidadania e da soberania democrática".

O ex-presidente diz que pretende debater com integrantes do sistema de Justiça formas reduzir a litigiosidade e ampliar a oferta de meios alternativos de resolução de conflitos.

Outro objetivo do petista é discutir o aperfeiçoamento dos mecanismos da participação social, com o objetivo de conferir maior transparência, segurança jurídica, eficiência na prestação dos serviços e democratização das ações do Judiciário.

Com a permanência, desde 2013, da crise política, a atividade passou a ser cada vez mais judicializada. Dessa maneira, vem cabendo ao Supremo dar a palavra final em quase todas as discussões relevantes do país.

Na visão de Lula, "a judicialização da política é a externalização de um conflito que tem sido potencializado pela ausência de diálogo do Poder Executivo com os demais poderes e com a sociedade civil".

Para mudar esse cenário e fazer as instituições voltarem a funcionar normalmente, o ex-presidente declara estar comprometido em viabilizar estratégias e espaços de retomada do diálogo e da escuta ativa com movimentos sociais, organizações da sociedade civil e representações populares, "compreendendo-os como protagonistas na reconstrução do Brasil".

Vale lembrar que Lula foi vítima de atuação ilegal da Justiça na operação "lava jato", conforme declarado pelo STF. O ex-juiz Sergio Moro condenou-o por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá. Com a confirmação da sentença pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (PR, SC e RS), o petista foi preso e impedido de participar das eleições de 2018, das quais era favorito. Ele foi condenado pelos mesmos delitos no processo do sítio de Atibaia (SP), pela juíza Gabriela Hardt, substituta de Moro na 13ª Vara Federal em Curitiba.

Em 2021, o Supremo declarou a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para processar e julgar os casos do tríplex e do sítio, além de dois processos envolvendo o Instituto Lula. Os ministros entenderam que os crimes atribuídos a Lula pelo Ministério Público Federal do Paraná não têm conexão com a Petrobras e, por isso, não devem ficar no estado.

Além disso, a Corte declarou a suspeição de Sergio Moro para julgar o ex-presidente Lula no caso do tríplex do Guarujá. Depois, o ministro Gilmar Mendes estendeu a suspeição de Moro às ações contra o ex-presidente nos casos do sítio de Atibaia e do Instituto Lula.

Com as decisões, as condenações de Lula nos casos do tríplex e do sítio foram anuladas. O petista recuperou todos os seus direitos políticos, se tornando novamente elegível.

Lista tríplice para PGR
Em entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo, no fim de agosto, Lula foi questionado se respeitará a lista tríplice para a escolha do procurador-geral da República caso seja eleito para um terceiro mandato em outubro. O petista não se comprometeu a adotar ou deixar de adotar a prática, dizendo que, antes de tomar uma decisão, irá debater com o Ministério Público.

"Não quero procurador leal a mim. O procurador tem que ser leal ao povo brasileiro. Ele tem que ser leal à instituição. Agora, pode ficar certa de que se eu ganhar as eleições, antes da posse, eu vou ter várias reuniões com o Ministério Público para discutir os critérios que eu acho que são importantes para eles e para o Brasil", disse Lula.

Foi Lula quem iniciou, em 2003, a prática de indicar para PGR o mais votado em eleição da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). Por meio desse sistema, o petista nomeou Claudio Fonteles, Antonio Fernando de Souza e Roberto Gurgel. Dilma Rousseff (PT) seguiu a tradição ao indicar Rodrigo Janot para dois mandatos como PGR, mesmo com as investigações e processos da "lava jato" contra o PT.

Michel Temer (MDB) escolheu Raquel Dodge, a segunda mais votada da lista tríplice. E Jair Bolsonaro ignorou a eleição da ANPR e nomeou Augusto Aras para comandar o Ministério Público Federal. Em 2021, ele foi reconduzido a mais um mandato.

Lula disse à ConJur que irá discutir uma proposta de cooperação com o Ministério Público que "resgate a promoção de mecanismos voltados aos princípios e aos direitos inerentes ao Estado Democrático e Social de Direito, previstos na Constituição Federal do Brasil".

"O Ministério Público precisa olhar para o projeto de modernização institucional inaugurado pela Carta de 1988. Uma instituição de defesa da Constituição Federal e da população brasileira. Como parte de um Estado comprometido com direitos e proteção dos interesses do povo, do meio ambiente e dos demais direitos sociais", avalia.

Já a advocacia pública, de acordo com o petista, terá papel importante na reconstrução da rede de proteção social e da capacidade do Estado ser indutor do desenvolvimento sustentável e da redução das desigualdades. Além disso, destaca, será aliada na estratégia de redução de litigiosidade, em cooperação com os demais órgãos do sistema de Justiça.

Política de drogas
No campo da legislação penal, Lula defende uma nova política sobre drogas, que seja "intersetorial e focada na redução de riscos, na prevenção, tratamento e assistência ao usuário".

"O atual modelo bélico de combate ao tráfico será substituído por estratégias de enfrentamento e desarticulação das organizações criminosas, baseadas em conhecimento e informação, com o fortalecimento da investigação e da inteligência".

De autoria de comissão mista do Senado e promulgada em seu primeiro mandato, a Lei de Drogas (Lei 11.343/2006) visou atenuar a punição a usuários. Dessa forma, a pena de detenção de seis meses a dois anos para usuários, prevista na norma anterior, a Lei 6.368/1976, foi substituída por advertência sobre os efeitos dos entorpecentes, prestação de serviços à comunidade e obrigação de comparecer a programa ou curso educativo (artigo 28). Além disso, a lei de 2006 ampliou o uso de medidas cautelares.

Por outro lado, a Lei de Drogas endureceu a punição para o crime de tráfico (artigo 33). A pena mínima passou de três para cinco anos de prisão, e as reparações subiram de 50 a 360 dias-multa para 500 a 1.500 dias-multa. E desde 1990, com a Lei 8.072/1990, tráfico de drogas é considerado crime hediondo (embora o Supremo Tribunal Federal tenha reconhecido em 2016 que o tráfico privilegiado, estabelecido no artigo 33, parágrafo 4º, da Lei de Drogas, não tem essa natureza).

No Brasil, o tráfico de drogas é o crime que mais leva gente para as penitenciárias: 219,4 mil dos 749 mil detentos que o país tinha no fim de 2021, o equivalente a 29% dos encarcerados, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional, órgão do Ministério da Justiça. Desde a edição da nova Lei de Drogas, esse número explodiu: em 2005, eram 31.520 detidos por esse crime, 9% da população carcerária do país, que então contava com 361.402 pessoas. Isso ocorreu tanto pelo aumento das penas para tráfico quanto pelo exagerado número de usuários enquadrados como produtores ou vendedores.

O STF discute a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal. Três ministros já votaram a favor da tese: Gilmar Mendes manifestou-se pela extensão da medida a todos entorpecentes; Edson Fachin e Luís Roberto Barroso limitaram-se à liberação da maconha. O julgamento foi interrompido em 2015 por pedido de vista do ministro Teori Zavascki — que morreu no começo de 2017 em acidente aéreo — e não retomado desde então.

Lula ainda afirma que irá combater a "política atual de genocídio e a perseguição à juventude negra" — o que alguns especialistas apontam ser a principal função da guerra às drogas —, incluindo o superencarceramento, e a violência policial.

Em relação ao sistema penitenciário, o petista diz querer construir um "pacto nacional de racionalização do encarceramento" em conjunto com o Legislativo e o Judiciário. Ele também visa definir diretrizes de gestão federais para o sistema carcerário. E reorganizar o Programa Nacional de Atenção à Pessoa Egressa, de forma a tornar mais eficiente a reintegração social dos que deixam a prisão.

Segurança pública
O ex-presidente também diz que a legislação penal, em geral, merece uma atualização, embora não detalhe que normas precisem ser reformadas, fora a Lei de Drogas e a Lei 13.675/2018 — que criou o Sistema Único de Segurança Pública. Lula afirma que é preciso fortalecer mecanismos e instrumentos que propiciem efetiva integração da política de segurança da União com estados e municípios.

"As políticas de segurança pública contemplarão ações de atenção às vítimas e priorizarão a prevenção, a investigação e o processamento de crimes e violências contra mulheres, juventude negra e população LGBTQIA+. É fundamental uma política coordenada e integrada nacionalmente para a redução de homicídios envolvendo investimento, tecnologia, enfrentamento do crime organizado e das milícias, além de políticas públicas específicas para as populações vulnerabilizadas pela criminalidade", diz o programa de governo de Lula.

Nessa linha, o petista sugere a modernização das instituições de segurança, das carreiras policiais, dos mecanismos de fiscalização e supervisão da atividade policial e do aprimoramento das suas relações com o sistema de Justiça Criminal.

Com relação às polícias, o foco de Lula está na valorização dos profissionais de segurança pública. Para isso, pretende implementar canais de escuta e diálogo com policiais, programas de atenção biopsicossocial e ações de promoção e garantia do respeito das suas identidades e diversidades.

O ex-presidente também advoga pela melhoria da qualificação técnica dos policiais. Isso será alcançado, conforme o petista, pela reformulação dos processos de seleção, formação e capacitação continuada, bem como pela atualização de doutrinas e pela padronização de procedimentos operacionais, sempre promovendo a defesa dos direitos humanos dos policiais.

Autores

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!