Opinião

Caso Moro: a difícil arte de construir um precedente

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8 de abril de 2024, 16h21

A Ação de Investigação Judicial Eleitoral contra o senador Sergio Moro caminha a passos largos para entrar na calçada da fama dos processos eleitorais brasileiros, fincando-se como um precedente importante que servirá de paradigma para julgamentos futuros.

Trata-se de um processo bastante complexo, pleno de nuances, provas, debates e inquietações, mas ele possui uma espinha dorsal da qual todos os elementos subsidiários acabam derivando.

Trata-se da discussão acerca do limite de gastos realizados na fase de pré-campanha eleitoral e de como tais gastos devem ser compreendidos nos casos em que o candidato acaba se lançando há um cargo e adiante termina concorrendo a outro.

Sobre o tema, um dos votos até agora proferidos no julgamento, simplificadamente, considerou que se há despesa realizada na fase de pré-campanha para um cargo e ao final o candidato acaba concorrendo a outro cargo, não haveria irregularidade, pois o concorrente agiu de boa fé.

De outra banda, o segundo voto proferido compreende que os gastos para um cargo importarão ilícito eleitoral quando o candidato acaba concorrendo a outro cargo menos disputado porque, neste caso, haveria um desequilíbrio entre os concorrentes.

Fatos não evidentes

Me parece que os fatos não são completamente autoevidentes ou bastantes por si só para produzir resultados tão cartesianos como exposto nos votos apresentados. Algumas anotações são indispensáveis para que a questão norteadora possa ser respondida a contento.

Sergio Moro

Em primeiro lugar, o fato de um candidato lançar-se a um cargo e acabar concorrendo a outro não gera conclusões fechadas, sendo necessário mergulhar no caso para verificar a existência do ilícito.

Aliás, é importante frisar, desde logo, que a ilicitude digna de nota no processo eleitoral é aquela que possui gravidade suficiente para corromper a normalidade e legitimidade das eleições, por exemplo, desequilibrando a igualdade entre os players.

A fim de auxiliar na busca de respostas para essa dúvida acerca da licitude do comportamento há que se verificar quais os cargos envolvidos na querela. Não é suficiente apontar a ocorrência de downgrade (escolha de cargo que demandaria mais votos, por exemplo), é preciso que se perscrute a natureza do cargo.

Assim, o candidato que se apresenta como pretenso concorrente à presidência e acaba disputando uma eleição de deputado, governador ou senador estará realizando uma mudança de uma eleição nacional, em que é preciso fazer campanha e obter votos em todas as unidades da Federação, para uma eleição concentrada em um único estado.

Essa hipótese em tudo difere daqueles casos em que o candidato faz pré-campanha para um cargo majoritário e acaba concorrendo a um cargo proporcional dentro do mesmo estado, do Distrito Federal ou município.

Nessa hipótese, os votos em disputa são os mesmos, mas um ocupante de cargo proporcional precisa de muito menos sufrágios do que aquele que eleito a um cargo majoritário. Por conta disso, os gastos são muito diversos, sendo obviamente menores as despesas dos deputados e vereadores do que a de governador, senador e prefeito.

Nesse cenário, gastar na pré-campanha como se fosse candidato a prefeito, e, ao fim, candidatar-se a vereança produzirá uma vantagem competitiva abusiva e que desequilibra de forma gravosa a igualdade potencial dos concorrentes que participam daquela eleição.

Essa linha de ideias, entretanto, não se aplica ao primeiro bloco de casos. Ali, para que esteja consensuada a existência de irregularidades é preciso que haja um mapeamento dos gastos empreendidos na fase de pré-campanha.

Dito de outro modo, não é suficiente verificar a existência de gastos vultosos, é preciso que se aponte quanto foi efetivamente utilizado no estado onde a candidatura ao final foi registrada. É impossível que se considere que gastos empreendidos Brasil adentro possam, por si só, desequilibrar uma eleição de senador no Paraná, por exemplo.

Resposta para esta inquietação dependerá do cálculo de despesas efetivamente ali ocorridas e diante desse dado, e a sua confrontação frente aos limites de gastos autorizados para aquele cargo.

À guisa de exemplo: suponhamos que um pré-candidato à presidência gastou R$ 44 milhões em sua pré-campanha, desse montante R$ 2 milhões foram aplicados no Rio Grande do Sul. Ao final, o pré-candidato não consegue viabilizar sua candidatura presidencial e decide concorrer ao governo gaúcho, onde os gastos de campanha para o cargo estão limitados a R$ 11 milhões.

Nesse caso, ainda que o gasto de pré-campanha seja o quádruplo do que é possível para o cargo de governador não há conduta abusiva, pois apenas uma parte menor foi direcionada efetivamente ao estado.

Entendimento diverso significaria anuir com a concepção de que atos de pré-campanha no Acre e no Rio Grande do Norte possuem força para influir no pleito estadual do Rio Grande do Sul, o que certamente é uma falácia.

Diante de tudo, fica claro que a existência do ilícito eleitoral apto a gerar uma cassação de mandato no caso de pré-candidatura a um cargo e candidatura efetiva a outro exige uma comparação entre os valores gastos e os limites do possível dentro da mesma circunscrição nas duas fases da eleição (pré-campanha e campanha), apenas com estes dados será possível afiançar a existência de gravidade e se a normalidade e regularidade da disputa foi corrompida.

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