Dilema americano

Suprema Corte decide se dispositivos da Constituição são autoexecutáveis

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14 de janeiro de 2024, 8h24

Na próxima terça-feira (16/1), a Suprema Corte dos Estados Unidos promoverá a audiência de sustentação oral de um processo em que terá de decidir se dispositivos da Constituição são autoexecutáveis ou se precisam ser regulamentados pelo Congresso para ter efeito. Em jogo, um dispositivo de 233 anos e outro de 156 — da 5ª e 14ª Emendas, respectivamente.

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Na audiência do caso Devillier v. Texas, em que a corte vai julgar um caso de desapropriação de terra por utilidade pública, sem a devida indenização, as discussões entre ministros e advogados, e os comentários que fizerem, serão indicações de seus votos na decisão desse processo em particular.

Porém, mais do que isso, será uma prévia de um caso mais polêmico. Em Trump v. Anderson, a corte vai reexaminar uma decisão do Tribunal Superior do Colorado que considerou o ex-presidente Donald Trump desqualificado para ocupar cargo público — ou inelegível — por ter se engajado em insurreição contra os Estados Unidos ao promover a invasão do Congresso em 6 de janeiro de 2021.

Os dois casos envolvem dispositivos constitucionais, que tanto o Texas quanto Trump argumentam que precisam ser regulamentados pelo Congresso para ter efeito. Se a maioria dos ministros da corte concordar com Devillier, provavelmente concordarão com Trump. O inverso será provavelmente verdadeiro.

O governo texano construiu uma barragem de concreto para impedir que as águas de enchentes provocadas por tempestades invadissem um trecho de uma rodovia (a Interstate 10). A obra criou uma grande represa na propriedade do fazendeiro Richie Devillier (e de outros proprietários rurais). O autor da ação alega que o Estado o desapropriou de boa parte de suas terras sem lhe pagar “a justa compensação”.

A 5ª Emenda, que fundamenta as alegações de Devillier, estabelece que nenhuma pessoa “pode ser privada de sua vida, liberdade ou propriedade sem o devido processo legal; nem pode ter sua propriedade desapropriada para uso público sem justa compensação”. A emenda também trata do direito da pessoa a julgamento por grand jury, a não ser julgada duas vezes pelo mesmo crime e a ficar calada para não se autoincriminar.

Falta de autorização
O estado do Texas alega que respeita os direitos à propriedade, que os protege e paga uma indenização justa por desapropriações. No entanto, o Congresso nunca autorizou indivíduos a processar os estados (ou seja, nunca regulamentou o que a 5ª Emenda diz) e, portanto, não há recurso federal para cidadãos quando o estado declara que cumprir o que a 5ª Emenda diz sobre desapropriação é opcional.

Também há nas alegações referência à Seção 1 da 14ª Emenda, que, tal como a 5ª Emenda, estabelece que “nenhum estado pode privar qualquer pessoa de sua vida, liberdade ou propriedade sem o devido processo legal”.

No caso de Trump, o dispositivo envolvido é a Seção 3 da 14ª Emenda da Constituição, segundo o qual ninguém pode ocupar cargo público se houver se engajado em insurreição ou rebelião contra os Estados Unidos depois de haver anteriormente prestado o juramento de apoiar a Constituição como membro do Congresso, oficial dos Estados Unidos, membro de qualquer Legislativo estadual, oficial executivo ou judicial de qualquer estado.

A 14ª Emenda tem uma particularidade que a diferencia da 5ª Emenda, e que pode dar margem para discussões. A Seção 5 da 14ª Emenda estabelece: “O Congresso deve ter o poder de executar, por legislação apropriada, os dispositivos deste artigo”.

Nesse caso, além da Seção 3 (desqualificação para cargo público), o Congresso teria de regulamentar a Seção 1 (direito à vida, à liberdade e à propriedade etc.), a Seção 2 (número de deputados por estado etc.) e a Seção 4 (dívida pública). Mas os legisladores dificilmente legislam alguma coisa.

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