Primazia x recência

Alegações iniciais são mais importantes em um julgamento do que as finais, afirma professor de Harvard

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27 de abril de 2024, 8h54

O julgamento do ex-presidente Donald Trump no caso de suborno da ex-atriz de filmes pornográficos Stormy Daniels começou na semana passada com uma seleção complicada de 12 jurados que, entre centenas de candidatos, prometem ser “justos e imparciais”, sem opinião pré-formada sobre a culpa ou inocência do réu.

Donald Trump

Julgamentpo do ex-presidente Donald Trump começou na semana passada

Idealmente, os jurados só devem formar uma opinião no decorrer de todo o julgamento, que deve durar pelo menos oito semanas, depois de ouvirem as “importantes” alegações finais do promotor e do advogado de defesa.

Porém, essa é uma importância que cabe bem nos filmes em que há julgamento no enredo — e as alegações finais têm seu lugar de destaque no roteiro. Na vida real, as alegações iniciais são, na verdade, a parte mais importante de um julgamento, segundo o professor da Faculdade de Direito de Harvard Ronald Sullivan Jr., que ensina a matéria há mais de duas décadas.

De acordo com o professor, pesquisas de psicólogos acadêmicos revelaram que de 65% a 75% dos jurados — ou seja, oito ou nove entre 12 — formam uma opinião sobre o caso ao ouvirem as alegações iniciais. Daí para a frente, ficam “pescando”, na apresentação dos fatos, provas e testemunhos, alguns elementos que comprovem a própria teoria.

No final das contas, sete ou oito deles vão para a sala de deliberações apegados à opinião que formaram durante as alegações iniciais — mesmo que ela tenha sofrido alguns abalos. Em outras palavras, as alegações finais podem exercer algum efeito na mente dos jurados — mas não em todos, nem decisivamente.

O professor explica que esse é um fenômeno conhecido pelos promotores e advogados de defesa experientes, que se baseia em duas teorias sobre o funcionamento da mente dos jurados (como das pessoas em geral), quando processam um elenco de informações — e que tem a ver com os conceitos psicológicos de “primazia e recência”.

Primazia x Recência

Para esclarecer esses conceitos, em um artigo para o The Conversation, o professor se refere ao site VeryWell Mind, que dá uma explicação sobre o “efeito da primazia versus o da recência”.

De acordo com esse site, o efeito da primazia se refere à tendência das pessoas de se lembrarem de informações contidas no início de uma lista, em contraste com informações recebidas no meio ou no fim da lista.

Em julgamentos, elas se referem às primeiras informações recebidas pelos jurados — isto é, nas alegações iniciais —, em contraste com as que recebem na apresentação de fatos, provas, testemunhos e alegações finais.

O efeito da recência, por sua vez, refere-se à tendência das pessoas de se recordarem de informações contidas no final da lista — ou seja, as informações mais recentes. Em julgamentos, refere-se às informações recebidas nas alegações finais, portanto.

O efeito da primazia tende a persistir por duas razões: 1) as primeiras informações recebidas são armazenadas na memória de longo prazo, que são mais duradouras; 2) durante a apresentação de um elenco de informações, o jurado costuma ruminar as informações recebidas nas alegações iniciais, o que as fortalece em sua mente.

Esse entendimento é corroborado por estudos em que os participantes foram proibidos de ruminar as informações recebidas ou não tiveram tempo para fazê-lo, pela sequência rápida da apresentação dos itens. Nesse caso, o efeito da primazia desaparece. Mas esse não é o caso de julgamentos.

As informações mais recentes recebidas pelos jurados nas alegações finais, em contraste, são armazenadas na memória de curto prazo. E, portanto, não há tempo para os jurados pensarem sobre elas repetidamente e formular sua própria teoria. Assim, perdem força.

Teoria da venda no elevador

A teoria é a de que, em alegações iniciais, o promotor — e o advogado de defesa — tem 30 segundos para conquistar os jurados. Isto é, com algumas frases impactantes, ele deve despertar a atenção e o interesse deles e lhes imprimir a ideia de que seu caso é forte e, portanto, merece a consideração de que o réu é culpado ou inocente.

Nos Estados Unidos, essa teoria é chamada de elevator pitch, que significa uma tentativa de venda no elevador — ou seja, mais ou menos o tempo que um vendedor teria para vender seu produto a um possível cliente no percurso de um elevador. Se o interesse do cliente for despertado, ele vai querer saber mais sobre o produto.

Segundo o professor Ronald Sullivan Jr., nos EUA os promotores e advogados abrem as alegações iniciais dizendo “esse caso é sobre…”, e, então, entram nos detalhes específicos. Um promotor pode, em um caso de homicídio, abrir suas alegações assim:

“Senhoras e senhores membros do júri, esse caso é sobre o assassinato de uma mulher, jovem e inocente, testemunhado por cidadãos responsáveis, que identificaram apenas uma pessoa com motivo para matá-la: o réu”.

Um advogado de defesa irá, em contraste, abrir suas alegações iniciais com declarações completamente opostas às do promotor, tais como:

“Senhoras e senhores membros do júri, esse caso é sobre um ex-amante ciumento, que atirou em uma mulher indefesa, a sangue-frio, e fugiu do país, depois de fabricar indícios que fizeram a responsabilidade por seu crime recair sobre meu cliente”.

Uma das duas declarações vai criar uma primeira impressão mais forte na mente de cada jurado. Segundo o professor, os estudos mostram que, depois que o promotor e o advogado terminam suas alegações iniciais, uma opinião vai persistir na mente de pelo menos dois terços dos jurados.

Os estudos mostram, especificamente, que quando o promotor ou o advogado de defesa consegue conectar o júri com sua teoria, os jurados vão processar todas as demais etapas do julgamento (apresentação de fatos, provas, testemunhos, alegações finais) através do prisma de sua própria teoria — a que formaram nas alegações iniciais.

Primeiro julgamento criminal de Trump

Trump enfrenta 34 acusações de fraudes contábeis para acobertar o suborno de US$ 130 mil pago à ex-atriz de filmes pornográficos com o objetivo de silenciá-la sobre relações sexuais que tiveram no passado. A intenção seria impedir que vazasse uma história que iria prejudicar a candidatura de Trump nas eleições de 2016.

As alegações iniciais foram feitas na segunda-feira (22/4), depois de um processo de seleção do júri que demorou cinco dias, na semana anterior. O juiz, o promotor e o advogado de defesa selecionaram 12 jurados (e mais seis reservas), entre centenas de candidatos, com muita dificuldade, em vista da popularidade e Trump e de seus casos criminais.

Eles buscavam jurados que pudessem ser “justos e imparciais”, o que implica a seleção de candidatos que chegam ao julgamento sem uma opinião formada. E que vão formar uma opinião, para levar à sala de deliberações, pelo que virem e ouvirem durante todo o julgamento.

Mas, se as teorias do professor de Direito da Harvard são válidas, esse ideal de um júri sem opinião formada já diminuiu substancialmente no primeiro dia de julgamento, que deverá durar de seis a oito semanas, segundo as previsões.

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