Estratégias falidas

Trump dá uma amostra do que é um cliente difícil para advogados de defesa

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7 de maio de 2024, 10h31

Já no 12o dia de julgamento de um de seus quatro processos criminais, o ex-presidente Donald Trump tem se queixado a pessoas mais próximas de que seu principal advogado, Todd Blanche, “não vem seguindo rigorosamente suas instruções”, de acordo com o New York Times.

Donald Trump tem se queixado da atuação de seus defensores

Uma das queixas é a de que o advogado não tem sido agressivo o suficiente com as testemunhas e com o juiz, como não foi no processo de seleção do júri. Trump se referia ao julgamento do caso suborno da ex-atriz pornô Stormy Daniels e da ex-modelo da Playboy Karen McDougal, para silenciá-las, antes das eleições de 2016, sobre seus affairs extraconjugais.

O ex-promotor federal Glenn Kirschner escreveu, em um artigo para a MSNBC, que vez ou outra observou réus tentarem microgerenciar seus casos e acabarem atropelando seus advogados de defesa. “Essa abordagem é sempre uma receita para o desastre”, ele diz. “No caso de Trump, ele não é apenas seu pior inimigo. Ele é também seu pior advogado”.

Apesar de advogados criminalistas terem de discutir com o cliente as estratégias e táticas de defesa em um julgamento, é o advogado que, no final das contas, deve tomar as decisões estratégicas e táticas e manter o controle das iniciativas da defesa, ele diz.

O réu deve ter uma participação decisiva na tomada de algumas decisões, no entanto. Isso ocorre, por exemplo, quando o réu tem de decidir se se declara “culpado” ou “não culpado” na audiência preliminar, se aceita ou não um acordo de admissão de culpa com o promotor e, finalmente, se quer testemunhar ou não em seu próprio julgamento.

Porém, todas as decisões estratégicas — como se ele deve ou não inquirir e com que agressividade uma testemunha do promotor; se deve ou não apresentar certas provas (tais como registros contábeis, registros telefônicos, mensagens de texto, e-mails, fotos, etc.); que testemunhas deve chamar para a defesa — competem ao advogado de defesa, não ao cliente, diz Kirschner.

“Já vi advogados de defesa lidarem com clientes difíceis, obstinados ou autoritários. Já vi alguns advogados enfrentarem seus clientes e se recusarem a atender suas demandas táticas imprudentes. Os advogados mais seguros dirão ao cliente: ‘Eu tomo as decisões táticas e as tomarei em seu melhor interesse. Sei como julgar casos criminais; você não’. Também vi advogados de defesa inseguros, que deixavam o réu tomar as decisões — e o resultado foi desastroso”, ele escreveu.

Um bom exemplo de má intervenção de Trump em sua própria defesa é o fato de ele não permitir a seus advogados admitir que teve relações ou encontros com Stormy Daniels e Karen McDougal — apesar de já estar claro que as subornou para ocultar suas histórias.

“Isso coloca Trump contra essas duas mulheres aos olhos dos jurados. Ao não permitir que seus advogados admitam que ele possa ter tido relações sexuais com essas mulheres, Trump forçará o júri a acreditar nele ou nelas”, analisa o ex-promotor.

“Isso é um problema para Trump, que tem a fama de mentiroso compulsivo. Em contraste, pelo menos Karen McDougal parecerá uma testemunha digna de crédito para os jurados. Em uma entrevista para a CNN, por exemplo, ela evitou criticar Trump. Apenas relatou o relacionamento de dez meses que tiveram, com uma emoção genuína ao descrever o amor que sentia por ele e que ele parecia corresponder. Ela se mostrou uma comunicadora atenciosa e circunspecta”.

Segundo o ex-promotor, há uma estratégia frequentemente usada — e que funciona — quando o caso é de um relacionamento íntimo que termina em processo criminal, é defender um argumento tal como: “Meu cliente pode ter violado as regras sociais, mas não violou as regras jurídicas”.

“Em outras palavras, admita o relacionamento, mas dispute a prática do crime. Quando o antigo candidato presidencial John Edwards foi julgado por usar fundos de campanha para ocultar um caso extraconjugal, seus advogados adoptaram essa estratégia, argumentando que ele “cometeu muitos pecados, mas nenhum crime”.

Como advogados de defesa devem escolher suas batalhas, uma tática mais inteligente seria a de admitir que os relacionamentos com as duas mulheres aconteceram, mas contestar vigorosamente que os pagamentos tenham qualquer coisa a ver com a eleição de 2016. Mas Trump eliminou obstinadamente essa opção”, diz Kirschner.

“Agora, se os jurados acreditarem nos testemunhos de Karen McDougal e Stormy Daniels, a falta de credibilidade de Trump irá repercutir em outros pontos alegados pela defesa no julgamento”.

“Há um antigo ditado que diz: ‘Um réu que representa a si mesmo tem um tolo como cliente’. O que Trump está fazendo é uma versão desse ditado: um réu que se recusa a deixar seu advogado fazer o que ele sabe fazer bem corre o risco de afundar sua própria defesa”, escreveu o ex-promotor.

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