Ninguém está acima da lei

Ex-presidentes não têm imunidade executiva em casos criminais, diz tribunal dos EUA

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7 de fevereiro de 2024, 10h41

Na decisão do caso United States v. Trump, um colegiado de três juízas do Tribunal Federal de Recursos do Distrito de Colúmbia declarou, na terça-feira (6/2), que a Constituição, a jurisprudência e as leis em geral não garantem a ex-presidentes imunidade executiva (ou absoluta) contra processos criminais.

Donald Trump

O ex-presidente Donald Trump não conta com proteção especial contra ações criminais

“Não há justificativa funcional para ir contra interesses públicos vitais. Para o propósito desse processo criminal [em que o ex-presidente Donald Trump é julgado por suas tentativas de subverter o resultado das eleições de 2020], o ex-presidente Trump se tornou o cidadão Trump, com direito à ampla defesa, como qualquer outro réu”.

“Qualquer imunidade executiva que pode ter protegido Trump enquanto era presidente não o protege mais contra essa ação penal”, diz a decisão.

“Concluímos que preocupações com a política pública, especialmente iluminadas pela história e a estrutura do governo, nos obriga a rejeitar a reivindicação de imunidade nesse caso e, portanto, determinar o prosseguimento do processo”.

A corte também rejeitou a alegação específica de Trump de que teria direito à “imunidade categórica”  contra responsabilização criminal “por seus atos e ações oficiais, ainda no exercício da presidência. Tal argumento “não é fundamentado em precedente, na história e no texto e estrutura da Constituição”, escreveram as juízas.

“A Suprema Corte tem sustentado consistentemente que mesmo presidentes em exercício do cargo não estão imunes a responder a intimações emitidas por promotores estaduais ou procuradores federais”.

O tribunal de recursos confirmou decisão, de 1º de dezembro de 2023, de um tribunal federal de primeira instância, que também rejeitou a alegação de imunidade presidencial.

“Ex-presidentes não têm direito a condições especiais em responsabilização criminal, porque não há fundamento na lei e na história para isso. Seria uma traição aos interesses públicos garantir a Trump imunidade executiva contra ação criminal, por alegadamente tentar usurpar o funcionamento do governo”.

Na esfera civil
No entanto, a Suprema Corte já explicou que um ex-presidente tem imunidade absoluta contra responsabilização civil por seus atos oficiais. “Por definição, isso inclui qualquer conduta que se enquadre no perímetro externo de suas responsabilidades oficiais. Mas presidentes e ex-presidentes podem ser responsabilizados por sua conduta privada”, diz a decisão.

Sempre que considerou a questão da imunidade presidencial, a Suprema Corte teve o cuidado de observar que suas decisões sobre responsabilidade civil não são transferidas para processos criminais. Isso foi definido de forma a incluir qualquer conduta que se enquadre no perímetro externo da responsabilidade oficial da autoridade pública.

“Se aceitássemos o pedido do ex-presidente Trump, iríamos estender a estrutura da imunidade contra responsabilidade civil a processos criminais e decidir, pela primeira vez, que um ex-presidente é categoricamente imune a processo criminal, por qualquer conduta que se enquadre no perímetro externo de suas responsabilidades executivas”.

Doutrina da separação dos poderes
Em sua defesa, o ex-presidente Trump alegou que a estrutura constitucional da separação de poderes significa que “nem um procurador federal, nem um promotor estadual, nem uma corte federal ou estadual podem se envolver em um julgamento de atos oficiais que são atribuídos ao presidente apenas”.

“Um precedente estabeleceu que o presidente dos Estados Unidos é a única pessoa que, sozinho, compõe um poder do governo”, diz a decisão, que explica:

“De acordo com a separação dos poderes estabelecida pela Constituição, o presidente é investido de “poder executivo, o que lhe atribui a obrigação de fazer com que as leis sejam fielmente executadas e as responsabilidades de supervisão e política de máxima discricionaridade e responsabilidade. O papel constitucional do presidente existe lado a lado com o dever do Congresso de aprovar leis e o dever do judiciário de explicar a lei”.

“No entanto, é uma lei estabelecida a que diz que a doutrina da separação dos poderes não barra todo o exercício da jurisdição sobre o presidente dos Estados Unidos. A doutrina da separação dos poderes não pode sustentar um privilégio presidencial absoluto, não qualificado, de imunidade a processo judicial sob todas as circunstâncias”.

Segundo a decisão, os atos discricionários do presidente, derivados de seus poderes políticos, não podem ser julgados pelas cortes. Mas suas “funções vinculadas” a atos legislativos, que podem restringir a discricionaridade do presidente, podem. As juízas citam um precedente da Suprema Corte que explica:

“Nenhuma pessoa neste país é tão alta que está acima da lei. Nenhuma autoridade da lei pode desafiar essa lei impunemente. Todas as autoridades do governo, da mais alta à mais baixa, são criaturas da lei e são obrigadas a obedecê-la. É o único poder supremo em nosso sistema de governo e todo homem que, por aceitar cargo no governo, participa de suas funções, é apenas o mais obrigado a se submeter a essa supremacia e a observar as limitações que ela impõe ao exercício da autoridade que a lei confere”.

A decisão diz que a conclusão de que a doutrina da separação dos poderes não atribui imunidade presidencial contra responsabilização criminal é reforçada por doutrinas análogas de imunidade para legisladores e juízes:

“Legisladores e juízes têm imunidade absoluta contra ações civis, por qualquer conduta oficial. Legisladores tem uma imunidade constitucional contra processo criminal relacionado à Cláusula da Expressão e do Debate. No entanto, legisladores e juízes podem ser processados criminalmente, de acordo com leis aplicáveis, por seus atos oficiais consistentes com a doutrina da separação dos poderes.

O ex-presidente Donald Trump irá, agora, recorrer à Suprema Corte. Se a corte decidir julgar o caso, criará uma situação embaraçosa para os três ministros nomeados por Trump, se eles concordarem com os argumentos dos tribunais inferiores.

Segundo especialistas, é possível que a Suprema Corte não aceite julgar o caso e, assim, não se saberá quem foi a favor ou contra (a não ser que haja algum voto dissidente). Nesse caso, irá prevalecer a decisão do Tribunal Federal de Recursos. E Trump terá de responder a todos os processos criminais contra ele, em andamento.

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