Prática Trabalhista

Retrospectiva 2023 e os desafios do Direito do Trabalho do futuro

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

21 de dezembro de 2023, 8h00

Ao longo de 2023, diversas foram as temáticas abordadas nesta coluna, sendo inúmeros os assuntos sensíveis às relações trabalhistas. Dito isso, por indicação de você, leitor(a), para o artigo da semana na Coluna Prática Trabalhista, desta ConJur [1], encerrando um ano de tantas mudanças e novidades, faremos uma retrospectiva de alguns temas de destaque e relevância, razão pela qual agradecemos o contato.

De início, impende destacar que, logo no início do ano de 2023, o tema abordado foi a polêmica envolvendo o reconhecimento do vínculo de emprego entre os motoristas de aplicativos e a plataforma Uber [2], cujo assunto enfrentou as formas de trabalho advindas com as inovações tecnológicas.

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Desde então, diversos foram os julgamentos proclamados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pela Suprema Corte em processos de vínculo de emprego desses trabalhadores e as plataformas digitais, de sorte que caberá ao Plenário do STF julgar, em 2024, a Reclamação Constitucional (RCL) 64.018 sobre o liame empregatício de trabalhadores por aplicativos [3].

Aliás, vale lembrar também que, ao longo do corrente ano, o Pretório Excelso acabou por chancelar a denominada “pejotização” [4] de profissionais liberais, ao julgar a RCL 57.917, na qual reconheceu a legalidade da contratação de um médico como pessoa jurídica.

Outra temática de suma importância foi a polêmica em torno do grupo econômico e a suspensão nacional das execuções (Tema 1.232 da Tabela de Repercussão Geral) [5]. De acordo com a proposta da tese do relator, ministro Dias Toffoli, para que a empresa possa ser incluída na fase de execução, a partir do reconhecimento do grupo econômico, se fará necessária a prévia instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ), previsto nos artigos 133 a 137 do Código de Processo Civil, com as inovações advindas com a Lei 13.467/2017, que introduziu o artigo 855-A na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) [6].

De mais a mais, outro assunto relevante foi a tarifação dos danos extrapatrimoniais junto ao Supremo Tribunal Federal [7], de sorte que, a partir do referido julgamento, conquanto os dispositivos introduzidos pela Lei nº 13.467/2017 tenham sido considerados inconstitucionais, eles continuarão a servir de balizas para a fixação das indenizações aos casos concretos.

Outrossim, o Plenário da Suprema Corte também emitiu juízo de valor acerca da Lei 13.103/2015 (Lei do Motorista) [8], trazendo uma série de alterações relativas à jornada de trabalho, tempo de espera para carga e descarga e fracionamento do intervalo. Entretanto, até a presente data, não houve pronunciamento quanto aos eventuais efeitos modulatórios da decisão.

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De outro norte, ainda no ano de 2023, numa mudança emblemática de posicionamento, o Supremo Tribunal Federal autorizou a cobrança da chamada contribuição assistencial, como fonte de receita sindical, com o objetivo de patrocinar as atividades assistenciais do sindicato [9]. No entanto, esta temática também deixou algumas dúvidas em razão da ausência de modulação e muitas incertezas quanto ao exercício do direito de oposição.

Noutro giro, a reclamação constitucional, como instrumento estratégico da advocacia trabalhista em Brasília, foi, por certo, um dos temas mais recorrentes junto à Suprema Corte em 2023, tanto que a maioria dos ministros do STF, ao menos uma vez e sobretudo decisão monocrática, já derrubou alguma decisão da Justiça do Trabalho no que tange aos processos envolvendo o reconhecimento de liames empregatícios [10].

É fato que essas decisões proferidas pelo Supremo em matéria trabalhista trouxeram divergências de entendimentos até mesmo entre Ministras do Tribunal Superior do Trabalho, havendo antagonismos sobre a posição da Corte Suprema com relação às novas formas de trabalho [11].

De um lado, a Ministra Maria Cristina Peduzzi entende que o Supremo Tribunal Federal tem sido sensível na compreensão das novas formas de trabalho, ponderando que “a economia é, hoje, digital. É muito importante nós compreendermos que existem outros mecanismos de proteção do trabalho humano e de implementação do princípio da dignidade da pessoa humana fora da CLT”; lado outro, a ministra Delaíde Arantes critica as decisões do Pretório Excelso e entende que essas deliberações caminham em sentido contrário a Constituiçã.

A ministra Delaíde ainda destacou o seguinte: “Como essas decisões têm sido na perspectiva do setor econômico, e não na perspectiva do Direito Social, está havendo esse desencontro de posições, o que desafia um diálogo entre os tribunais e a sociedade. (…) O STF está decidindo na contramão da Constituição Federal, de quem é guardião, na contramão das normas e tratados internacionais, e não está observando a proteção social, o Direito Social e o Direito do Trabalho.”

Indubitavelmente, os avanços advindos das novas tecnologias impactam diretamente nas atuais formas de trabalho e, por conseguinte, trazem uma releitura do próprio Direito do Trabalho, sendo oportunas aqui as reflexões do saudoso ministro do TST Pedro Paulo Teixeira Manus e da professora da PUC-SP doutora Suely Ester Giyelman [12]:

“O Direito do Trabalho deve reconhecer tais mudanças e apresentar soluções jurídicas próprias para cada nova realidade contratual, pela impossibilidade do modelo tradicional atender as novas exigências.

A propósito, Amauri Mascaro Nascimento afirma que é necessário conceber um sistema contratual diferenciado, pois o modelo anterior atendia a um tipo de trabalho em tempo integral, no estabelecimento do empregador, e sob sua fiscalização. Continua dizendo que não há fundamento fático nem jurídico para aplicar a realidades diversas um modelo contratual inadequado. É preciso que o direito se atualize, disciplinando corretamente as novas realidades.”

Destarte, o futuro do trabalho, sem dúvidas, é uma preocupação de toda a sociedade. Tanto é verdade que o Tribunal Superior do Trabalho e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) deram início a um canal de cooperação entre as instituições visando justamente compelir dados estatísticos sobre o futuro do trabalho [13].

Em arremate, é forçoso lembrar que o direito, como ciência, não é estático, tampouco rígido em sua interpretação e aplicação, de modo que se torna imprescindível compreender as mudanças provenientes da “Gig Economy” nas relações de trabalho. E para o ano de 2024, certamente muitas discussões ainda estão por vir, em particular com protagonismo da Suprema Corte no campo trabalhista, de modo que deixamos aqui a seguinte reflexão para você, leitor(a): caberá ao Poder Judiciário (TST ou STF) solucionar tais controvérsias por meio de suas decisões, ou, quiçá, terá o Poder Legislativo a iniciativa de elaborar normas para estas novas formas de trabalho?

 

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[1] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

[2] Disponível em https://www.conjur.com.br/2023-jan-26/pratica-trabalhista-tst-uber-motoristas-terao-direitos-trabalhistas-2023/. Acesso em 18.12.2023.

[3] Disponível em https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=521493&ori=1. Acesso em 18.12.2023.

[4] Disponível em https://www.conjur.com.br/2023-jun-22/pratica-trabalhista-stf-chancela-pejotizacao-outras-formas-alternativas-trabalho/. Acesso em 18.12.2023.

[5] Disponível em https://www.conjur.com.br/2023-jun-01/pratica-trabalhista-grupo-economico-suspensao-nacional-execucoes-trabalhistas/. Acesso em 18.12.2023.

[6]Disponível em https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=6422105&numeroProcesso=1387795&classeProcesso=RE&numeroTema=1232. Acesso em 18.12.2023.

[7]Disponível em  https://www.conjur.com.br/2023-jun-29/pratica-trabalhista-stf-tarifacao-danos-extrapatrimoniais/. Acesso em 18.12.2023.

[8] Disponível em https://www.conjur.com.br/2023-jul-20/pratica-trabalhista-lei-motorista-impactos-decisao-supremo-adi-5322/. Acesso em 18.12.2023

[9] Disponível em https://www.conjur.com.br/2023-out-12/pratica-trabalhista-contribuicao-assistencial-retroatividade-direito-oposicao/. Acesso em 18.12.2023.

[10] Disponível em https://www.conjur.com.br/2023-out-26/pratica-trabalhista-stf-jt-vinculos-empregos-reclamacao-constitucional/. Acesso em 18.12.2023.

[11] Disponível em https://www.migalhas.com.br/quentes/397983/ministras-do-tst-divergem-sobre-posicao-do-stf-envolvendo-trabalho. Acesso em 18.12.2023.

[12] Disponível em https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/167892/2019_manus_pedro_futuro_relacoes.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em 18.12.2023.

[13] Disponível em https://www.tst.jus.br/-/tst-e-ibge-alinham-a.tua%C3%A7%C3%A3o-institucional-para-produzir-d.ados-sobre-futuro-do-trabalho. Acesso em 18.12.2023.

Autores

  • é professor sócio consultor de Chiode e Minicucci Advogados | Littler Global. Parecerista e advogado na Área Empresarial Trabalhista Estratégica. Atuação especializada nos Tribunais (TRTs, TST e STF). Docente da pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Coordenador Trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Ceilo Laboral.

  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito, pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho, da USP.

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