Prática Trabalhista

STF x JT: vínculos de empregos na reclamação constitucional

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

26 de outubro de 2023, 8h00

Conforme já abordado nesta coluna anteriormente [1], o manejo da reclamação constitucional como um instrumento estratégico da advocacia tem sido cada vez mais debatido na Justiça do Trabalho.

De acordo com uma pesquisa feita no acervo processual do Supremo Tribunal Federal, das 4.781 reclamações que foram protocoladas no STF apenas neste ano, 2.566 são marcadas como "Direito do Trabalho" e "Processo do Trabalho" [2].

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Aliás, outro dado interessante é de que, dos 11 ministros que compõem o Supremo, oito já proferiram ao menos uma decisão monocrática derrubando decisões da Justiça do Trabalho em casos versando sobre o reconhecimento do vínculo de emprego na terceirização e na pejotização [3].

Já de acordo com o ranking de assuntos mais recorrentes na Justiça do Trabalho até setembro de 2023, o reconhecimento de relação de emprego aparece na 16ª posição, com um total de 152.550 processos [4]

Nesse sentido, em razão do crescente número de reclamações constitucionais no Pretório Excelso, algumas questões merecem respostas: há efetiva divergência de posicionamento entre a Justiça do Trabalho e o Supremo nas questões que envolvem vínculo de emprego? Por qual motivo diversas decisões trabalhistas estão sendo derrubadas na Suprema Corte? Por que os entendimentos se encontram tão divergentes a respeito do vínculo de emprego? E, mais, há uma delimitação do cabimento da reclamação constitucional?

Por certo, este assunto é polêmico, tanto que o assunto foi indicado por você, leitor(a), para o artigo desta semana na coluna Prática Trabalhista desta ConJur [5], razão pela qual agradecemos o contato.

De início, vale lembrar que o manuseio da reclamação constitucional visa a garantir a observância dos entendimentos exarados pelo Supremo, sendo oportunos os ensinamentos do professor e procurador do Trabalho Élisson Miessa[6]:

"É cabível a reclamação constitucional para garantir decisão do STF proferida em controle concentrado, por força do art. 988, III, do CPC/15, sendo um desdobramento do inciso II do mesmo dispositivo.
(…). Divergência existe acerca do cabimento da reclamação com base nos fundamentos determinantes da decisão proferida ação de controle concentrado. Melhor explicando.
Não há dúvidas de que o dispositivo da ação de controle concentrado forma coisa julgada quanto ao dispositivo atacado na ação. Desse modo, reconhecida a sua inconstitucionalidade, ele é retirado do mundo jurídico (salvo se modulados seus efeitos), de modo que sendo aplicado será cabível a reclamação.
Já os fundamentos determinantes (ratio decidendi) que levaram a Corte Suprema a proferir tal decisão não fazem coisa julgada, o que faz com que o C. STF, entenda, atualmente, que a decisão em controle concentrado não serve para legitimar o ajuizamento de reclamações para atacar outras leis ainda não declaradas inconstitucionais pelo tribunal, ainda que tenham o mesmo conteúdo da norma atacada na decisão já proferida no controle concentrado".
Contudo, o CPC/15 deverá fazer com que o E.STF revisite o tema, alterando seu entendimento. É que o novel código reconhece como precedente obrigatório as decisões proferidas em controle concentrado de constitucionalidade (CPC/15, art. 927, I), o que significa que seus fundamentos determinantes são de observância obrigatória, inclusive para os processos futuros."

De um lado, o STF tem reiteradamente cassado diversas decisões de reconhecimento de vínculo em situações envolvendo assuntos sensíveis, como pejotização, terceirização, advogado associado, médicos, motorista de aplicativo, entre outros. Vale dizer, na prática, a corte suprema tem chancelado o fenômeno de outras formas alternativas de trabalho, que não a típica relação de emprego regida pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)[7].

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Lado outro, a Justiça do Trabalho tem se pronunciando contra o esvaziamento da sua competência, eis que cabe a ela, precipuamente, definir e discutir as questões atinentes ao reconhecimento do vínculo de emprego.

Neste cenário, certo é que já houve, inclusive, pleito de parte do procurador geral da República (PGR) para a instauração de incidente de assunção de competência perante a Suprema Corte, sobretudo para que ocorra a uniformização da jurisprudência a respeito das reclamações constitucionais em que a Justiça do Trabalho reconheça fraude no liame empregatício[8]. Isto porque os posicionamentos divergentes sobre a mesma temática, sem dúvidas, causam injustificada insegurança jurídica.

A propósito, um estudo feito pelos pesquisadores do Núcleo de Extensão e Pesquisa "O Trabalho além do Direito do Trabalho" [9], vinculado à Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo), concluiu que as recentes reclamações no STF, que desmantelam as decisões da Justiça do Trabalho, têm causado uma corrosão no Direito do Trabalho.

Ora, dado o aumento significativo de reclamações constitucionais, é forçoso concluir que este potente instrumento estratégico da advocacia não seja realmente banalizado, sob pena de perder a sua finalidade.

Dessarte, a reclamação constitucional tem por objetivo garantir a segurança jurídica ao jurisdicionado, vez que, por meio dela, se faz possível estabilizar as decisões judiciais, assim como preservar os julgamentos dos tribunais superiores.

É importante lembrar também que na reclamação constitucional, quando o parâmetro de constitucionalidade for um julgamento proferido em recurso extraordinário com repercussão geral, só poderá ser admitida após o esgotamento das instâncias ordinárias, conforme decidiu a corte suprema em decisão monocrática do ministro Edson Fachin na Reclamação 53.685 [10].

Em seu voto o ministro destacou:

"(…) Nos termos do art. 988, 5º, II, do CPC, é inadmissível a reclamação proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias."

Portanto, é forçoso lembrar que este instrumento não pode ser utilizado como sucedâneo recursal. Por isso, conquanto se deva ter respeito aos precedentes obrigatórios emanados pelo Supremo, a reclamação constitucional não deve ser admitida caso, para sua aceitação, haja o prévio reexame de fatos e de provas, como também quando não houver estrita correlação com o paradigma de controle de constitucionalidade.

Em arremate, as temáticas atualmente decididas em sede de reclamação constitucional têm impactado fortemente as relações trabalhistas, e, justamente por isso, considerando o seu aumento excepcional neste ano de 2023, torna-se fundamental o estudo aprofundado deste instrumento.

___________

[1] Disponível em https://www.conjur.com.br/2023-ago-24/pratica-trabalhista-reclamacao-constitucional-instrumento-estrategico. Acesso em 24.10.2023.

[2] Disponível em https://www.jota.info/stf/do-supremo/stf-ja-recebeu-2-566-reclamacoes-sobre-direito-do-trabalho-em-2023-diz-gilmar-mendes-19102023. Acesso em 24.10.2023.

[3] Disponível em https://www.jota.info/stf/do-supremo/stf-e-justica-do-trabalho-divergem-em-casos-sobre-vinculo-de-emprego-30082023. Acesso em 24.10.2023.

[4] Disponível em https://www.tst.jus.br/web/estatistica/jt/assuntos-mais-recorrentes . Acesso em 24.10.2023.

[5] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

[6] Manual dos recursos trabalhistas: teoria e prática – 4 ed. rev. atual. e ampl – Salvador: Ed. Juspodivum, 2020. Página 687 e 688.

[7] Disponível em https://www.conjur.com.br/2023-jun-22/pratica-trabalhista-stf-chancela-pejotizacao-outras-formas-alternativas-trabalho. Acesso em 24.10.2023.

[8] Disponível em https://www.jota.info/stf/do-supremo/pgr-pede-que-stf-delimite-cabimento-de-reclamacoes-contra-decisoes-trabalhistas-26092023. Acesso em 24.10.2023.

[9] Disponível em https://images.jota.info/wp-content/uploads/2023/10/pesquisa-anamatra-usp-1-2.pdf. Acesso em 24.10.2023.

[10] Disponível em https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6415457. Acesso em 24.10.2023.

Autores

  • é professor sócio consultor de Chiode e Minicucci Advogados | Littler Global. Parecerista e advogado na Área Empresarial Trabalhista Estratégica. Atuação especializada nos Tribunais (TRTs, TST e STF). Docente da pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Coordenador Trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Ceilo Laboral.

  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito, pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho, da USP.

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