Prática Trabalhista

Nova contribuição assistencial: retroatividade x direito de oposição

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

12 de outubro de 2023, 8h00

Conforme abordado nesta coluna no dia 21/9/2023 [1], após uma modificação paradigmática de julgamento, o Supremo Tribunal Federal autorizou, doravante, a cobrança da chamada contribuição assistencial, como uma nova fonte de receita sindical, destinada a custear as atividades assistenciais dos sindicatos, principalmente no curso de negociações coletivas.

Spacca
De início, a respeito do tema, oportunos são os ensinamentos de Francílio Bibio Trindade de Carvalho sobre as receitas sindicais [2]:

"É cediço que as entidades sindicais, para atuarem em defesa dos direitos e interesses da categoria e de seus associados, têm custos com os quais arcar, daí a necessidade de recursos ou receitas para os aludidos fins. (…). Dessa feita, podemos constatar que o sistema normativo brasileiro (em especial a CLT e a CF/88) prevê, como tipos de receita sindical, a contribuição sindical obrigatória / facultativa (anual, popularmente conhecida como imposto sindical), a contribuição confederativa, a contribuição ou taxa assistencial e a mensalidade sindical. Além dessas fontes, as entidades podem se beneficiar de outras receitas, tais como doações, multas e alienação patrimonial".

Acontece que depois da decisão do Pretório Excelso no Tema 935 da Tabela de Repercussão Geral [3] surgiram inúmeras problemáticas, de ordem prática, traduzidas nos seguintes questionamentos: é possível realizar a cobrança retroativa da contribuição assistencial pelos últimos 5 anos? Como será exercido o direito de oposição dos trabalhadores frente a essa nova fonte de custeio? E, mais, a decisão proferida pela Suprema Corte trouxe efetiva segurança para trabalhadores e empresas?

Spacca
Por certo, este assunto é extremamente sensível, tanto que o assunto foi indicado por você, leitor(a), para o artigo desta semana na coluna Prática Trabalhista, desta ConJur [4], razão pela qual agradecemos o contato.

Com efeito, o artigo 611-B da Consolidação das Leis do Trabalho estabelece em seu artigo XXVI que será ilícito o objeto de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho que suprima ou reduza a "liberdade de associação profissional ou sindical do trabalhador, inclusive o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho".

Impende destacar, porém, que o Supremo Tribunal Federal não adentrou no debate acerca do novo dispositivo celetista que trata do direito à oposição individual e por escrito, e, sendo assim, a princípio, não haveria que se falar em desconto salarial sem prévia autorização.

Isso porque o Tema 935 da Tabela de Repercussão Geral do STF teve por leading case o ARE 1.018.459, cujo julgamento se deu em 3/3/2017, antes, portanto, da existência da própria Lei da Reforma Trabalhista que inseriu no texto celetário, via Lei nº 13.467/2017, o citado inciso XXVI do artigo 611-B.

Neste cenário, se é verdade que, por um lado, o trabalhador poderá propor uma ação trabalhista por entender que o desconto, se vier a ser feito, foi realizado indevidamente, de igual modo se a empresa não efetuar o desconto, até para manter o bom clima organização juntamente com os seus funcionários, correrá o risco de sofrer eventual ação coletiva pelo sindicato da categoria.

Aliás, a temática é tão pulsante nos dias de hoje que, após o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal que chancelou a constitucionalidade da nova cobrança, as centrais sindicais elaboraram, em conjunto, um documento contendo esclarecimentos sobre a contribuição assistencial e orientações aos sindicatos para evitar transtornos futuros [5].

Entrementes, diversas entidades sindicais já demonstraram a sua preocupação, inclusive com a emissão de uma nota de esclarecimentos sobre os impactos desta emblemática decisão da Corte Suprema. Isto para evitar a propagação de fake news, sanando, ainda que neste momento inicial, as dúvidas existentes sobre a cobrança de valores em razão das modificações recentes e a existência de posicionamentos divergentes quanto ao assunto [6].

É forçoso lembrar que, do ponto de vista internacional, a Convenção nº 87 da Organização Internacional do Trabalho [7], a qual não foi ratificada pelo Brasil, dispõe sobre a liberdade sindical e a proteção ao direito de sindicalização, de forma a ampliar esta autonomia. Sob esta perspectiva, de acordo com os dados do Ministério do Trabalho e Emprego, a contribuição sindical às entidades patronais e laborais despencou 98% nos últimos cinco anos [8].

Como já dito, em que pese o Supremo Tribunal Federal não tenha se debruçado especificamente sobre o inciso XXVI do artigo 611-B da Consolidação das Leis do Trabalho, a atual diretriz jurisprudencial é no sentido de que as contribuições assistenciais poderão ser estendidas a trabalhadores não filiados, desde que definidas em acordo ou convenção coletiva de trabalho, devendo ser assegurado e permitido o direito de oposição do trabalhador.

Porém, à luz do julgamento proferido pelo STF, podem sobrevirem incontáveis incertezas quanto à forma como deverá ser feita tal oposição. Isso porque há quem defenda que ela somente será realizada em assembleia, individual ou coletivamente. Contudo, na ausência de previsão específica nos instrumentos coletivos de trabalho, parece-nos, s.m.j, que será exercitada de forma individual, sem maiores exigências, bastando uma simples declaração para sua formalização perante a empresa que comunicará ao sindicato.

Frise-se que, para o exercício do direito de oposição, a depender dos critérios que vierem a serem estabelecidos por futuros acordos e convenções coletivas de trabalho, sobretudo se estiverem em desconformidade com as garantias constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade, isso poderá ser discutido na Justiça do Trabalho, razão pela qual as empresas, como entes responsáveis pela retenção e repasse das contribuições assistenciais, devem estar respaldadas juridicamente para justificarem suas decisões seja perante os seus próprios empregados, seja frente aos respectivos sindicatos. 

E este respaldo jurídico, que poderá se dar via opinião legal e/ou parecer técnico, ou, ainda, via decisão judicial, também deve ser obtido para se evitar possível cobrança retroativa desta nova fonte de custeio sindical, pois, como é cediço, a declaração da constitucionalidade da contribuição assistencial tem efeitos ex tunc, haja vista a ausência de modulação da decisão do STF.

Uma alternativa, aliás, aos indesejados efeitos deletérios retroativos, com o objetivo de evitar uma cobrança pelos últimos cinco anos, seria a aprovação, via assembleia, do pagamento da contribuição assistencial com efeitos futuros, ou seja, prospectivos à decisão do Supremo, evitando ainda mais insegurança jurídica, até porque é sabido que muitos foram os postos de trabalho que foram extintos e/ou criados ao longo de todo esse período nas empresas.

A título de exemplo, há normas coletivas estipulando a cobrança de contribuição assistencial e/ou pagamento da referida taxa, logo após a decisão da Suprema Corte, assim como a cobrança retroativa [9], o que possibilitaria o ajuizamento de ação anulatória por parte do Ministério Público do Trabalho questionando os instrumentos normativos, visando coibir práticas abusivas.

Nesse diapasão, após sindicatos terem se manifestado publicamente favoráveis à cobrança de valores retroativos, a Força Sindical se pronunciou em sentido contrário, de modo a entender que a taxa retroativa não se revela razoável [10]. Em nota, ponderou: "A questão da retroatividade precisa ser analisada com muita cautela e não nos parece razoável que se autorize a cobrança de contribuição dos últimos 05 anos, onerando sobremaneira os trabalhadores representados e gerando um debate ao nosso ver desnecessário diante do atual contexto"[11].

Em arremate, sem a pretensão de esgotar a temática, é fundamental que a exista bastante prudência, e, sobretudo, uma reflexão cuidadosa sobre os aspectos econômicos da decisão. Afinal, a ausência de modulação do Tema 935 da Tabela de Repercussão Geral pelo STF já está a incitar a propositura de ações judiciais para a cobrança retroativa dos últimos 5 anos da contribuição assistencial, sem levar em consideração que ainda não há balizas claras acerca dos critérios para o pleno exercício do direito de oposição, ainda mais para fatos passados em que muitos empregados tiveram seus contratos já encerrados.

 


[2] Direito coletivo do trabalho. – Leme-SP: Mizuno, 2023. Página 213 e 214.

[4] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

[6]Disponível em https://www.cremerj.org.br/informes/exibe/5827. Acesso em 9.10.2023.

Autores

  • é professor sócio consultor de Chiode e Minicucci Advogados | Littler Global. Parecerista e advogado na Área Empresarial Trabalhista Estratégica. Atuação especializada nos Tribunais (TRTs, TST e STF). Docente da pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Coordenador Trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Ceilo Laboral.

  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito, pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho, da USP.

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