Retrospectiva 2020

Ataque de Bretas contra advocacia foi destaque do Judiciário em setembro

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29 de dezembro de 2020, 9h00

O mês de setembro pareceu ter começado bem para o juiz federal da 7ª Vara do Rio, Marcelo Bretas: ele ganhou as manchetes ao coordenar o maior bote já registrado contra a advocacia brasileira, determinando o cumprimento de mandados de busca e apreensão contra mais de 70 alvos.

No entanto, em cobertura extensa, a ConJur apontou ilegalidades gritantes, que depois ajudaram a subsidiar uma reclamação protocolada por diversas seccionais da OAB no Supremo Tribunal Federal. O ministro Gilmar Mendes concordou com a fundamentação apontada e mandou suspender os processos no início de outubro.

No mesmo dia do bote, foi ao ar entrevista exclusiva com o advogado Cristiano Zanin, um dos alvos da operação, que se tornou o vídeo mais assistido do canal da ConJur no YouTube. Na entrevista, Zanin denuncia as principais ilegalidades da decisão de Bretas.

A produção de notícias denunciando os abusos continuou ao longo de todo o mês. As reportagens mostraram que, com mandados genéricos e sem a devida especificação e individualização, foram ordenadas buscas em 33 endereços residenciais de advogados, com claro intuito de intimidação dos profissionais.

Reprodução/Instagram
Além disso, Bretas invadiu a competência do Superior Tribunal de Justiça ao determinar o cumprimento de mandados na casa de três desembargadores: um deles com mandato no TRE de Alagoas; outro, do TRF-2, casado com uma advogada; e ainda uma terceira, do TRF-3, também casada com um advogado. O bote motivou manifestações de repúdio no meio jurídico.

O ataque ainda tem erros de competência, já que a Fecomercio é uma entidade privada e deveria ser investigada pela Justiça Estadual; e de imputação de crimes, já que seus dirigentes não podem ser acusados de corrupção nem peculato. Em outra vertente há quem entenda que, por pretender investigar ministros do STJ e do Tribunal de Contas da União, a competência seria do STF.

Causou estranheza também o fato de Bretas ter aceitado a denúncia contra parte dos alvos praticamente ao mesmo tempo em que ordenou o cumprimento de mandados de busca e apreensão. O Ministério Público Federal do Rio alega que as duas frentes foram abertas porque a investigação ainda está em curso.

O ataque se baseia na delação do ex-presidente da Fecomercio do Rio de Janeiro Orlando Diniz. O empresário já foi preso duas vezes e vinha tentando acordo de delação desde 2018 — que só foi homologado, segundo a revista Época, depois que ele concordou acusar grandes escritórios de advocacia. Trechos vazados da delação mostram que o empresário foi dirigido pelo Ministério Público Federal do Rio no processo. 

Além de tudo, Bretas tentou bloquear quantias exorbitantes dos escritórios e dos advogados. Em investigação de supostos desvios de R$ 151 milhões, os bloqueios determinados pelo juiz ultrapassaram R$ 1 bilhão. Até o relator para a independência do judiciário da Organização das Nações Unidas chegou a cobrar explicações do governo brasileiro sobre a investida, no mês seguinte.

Também foi em setembro que o juiz federal foi condenado à pena de censura pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) por ter participado de atos eleitorais ao lado do presidente Jair Bolsonaro e do prefeito do Rio de Janeiro Marcelo Crivella.

Veja as principais notícias do mês na coluna Resumo da Semana:

5/9Confirmação do afastamento de Witzel pelo STJ foi destaque
12/9Maior ataque contra a advocacia brasileira foi o destaque da semana
19/9Condenação de Bretas por participar de atos ao lado de Bolsonaro foi destaque
26/9Antecipação da aposentadoria de Celso de Mello foi destaque

Tânia Rego / Agência Brasil
Witzel afastado
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça confirmou, no início do mês, o afastamento de Wilson Witzel (PSC) do cargo de governador do Rio de Janeiro, determinado pelo ministro Benedito Gonçalves. A decisão foi bastante controversa.

Witzel tinha sido afastado do cargo por 180 dias em liminar monocrática. Na decisão,  Benedito Gonçalves afirmou que a medida — tomada antes de ouvir o político — era necessária para impedir que ele use a máquina estatal para seguir praticando crimes e dilapidando os cofres públicos. 

A defesa de Witzel  — comandada pelos escritórios Podval Advogados Associados e Bucchianeri Advocacia —, por sua vez, nega as acusações e afirma que não esperava que "algo tão drástico" como o afastamento fosse determinado sem se dar "a mínima oportunidade de a defesa se manifestar".

As críticas se basearam, principalmente, no fato de que o afastamento não poderia ter sido determinado antes do recebimento da denúncia, conforme preconiza a Lei 8.038.

Entrevista do mês
Em entrevista exclusiva à ConJur no dia do bote contra a advocacia, o advogado Cristiano Zanin afirmou que o principal alvo da operação, na verdade, foi "o estado democrático de direito. O que aconteceu hoje foi um dos maiores ataques à advocacia que tivemos notícia em nosso país".

Spacca
"Não é a primeira vez que a "lava jato" tenta nos intimidar e fazer com que deixemos a defesa do ex-presidente Lula", prosseguiu. "A "lava jato" não gosta do exercício da garantia constitucional do direito de defesa".
Ainda segundo ele, "tudo aquilo que está dito na denúncia é absolutamente inverídico, é uma falácia, é uma inverdade". 

"O fato é que nós fizemos um contrato com uma entidade privada, prestamos todos os serviços, que podem ser vistos no sistema do nosso escritório. Diante dessa situação, eu penso que a única justificativa para isso que aconteceu é realmente uma tentativa de fazer com que os advogados desistam de utilizar suas prerrogativas e desistam da própria advocacia."

Veja outras entrevistas de setembro:

*Gustavo Binenbojm, professor da Uerj: "Judiciário tem feito por merecer o título de censor máximo do país"

*Fernando Haddad, ex-prefeito de SP: Reconhecer os abusos da "lava jato" fará bem à Justiça; e Supremo é poder contramajoritário e não pode ser submetido à opinião pública

*Ligia Fonseca Ferreira, professora da Unifesp: Obra de Luiz Gama é tão fascinante quanto a vida do abolicionista

*Valdir Simão, ex-CGU: "O que está em curso é um claro processo de desprestígio das carreiras públicas"

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