muito além da sua missão

Juiz invalida resolução do CNJ e mantém internação em hospital de custódia

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5 de março de 2024, 13h48

A pretexto de instituir a política antimanicomial do Judiciário e fixar procedimentos e diretizes para implementar a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência e a Lei Antimanicomial no processo penal e na execução das medidas de segurança, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi além das suas missões constitucionais para atuar no campo jurisdicional, se contrapôs ao ordenamento jurídico vigente e estabeleceu, alterou e extinguiu direitos e obrigações não previstos pelo Legislativo.

HCTP II de Franco da Rocha (SP), um dos três hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico do estado

Com esse entendimento, a 5ª Vara das Execuções Criminais do Foro Central Criminal da Barra Funda, em São Paulo, determinou o prosseguimento da execução de uma medida de segurança de internação, pois considerou inconstitucional um trecho da Resolução 487/2023 do CNJ que determinava o fechamento dos hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico (HCTPs).

A decisão é de setembro de 2023. A resolução em questão, publicada em fevereiro do último ano, previa a interdição parcial de “estabelecimentos, alas ou instituições congêneres de custódia e tratamento psiquiátrico no Brasil” em até seis meses, proibia novas internações nesses locais e estipulava sua interdição total e seu fechamento em até um ano.

No caso analisado pela 5ª Vara, foi imposta a um homem uma medida de segurança de internação pelo prazo mínimo de dois anos, devido a uma tentativa de homicídio.

Poderes do CNJ

O juiz Paulo Eduardo de Almeida Sorci indicou que o estado de São Paulo tinha, até agosto do último ano, 1.096 pacientes em seus três HCTPs, o que significa mais de um terço de todos os internados definitivamente no Brasil.

Mesmo assim, nenhum profissional paulista que atua na área — dentre diretores dos hospitais, psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais, promotores, juízes, advogados ou outros — foi ouvido pelo CNJ a respeito da elaboração da Resolução 487/2023.

Na visão do magistrado, o CNJ “emitiu inequívoco comando de revogação de leis federais” — no caso, o Código Penal, o Código de Processo Penal, a Lei de Execução Penal e a Lei Antimanicomial.

Ele explicou que o poder regulamentar do CNJ é limitado e não é legislativo. Por isso, o Conselho não pode criar uma regra “que inove a ordem jurídica”.

O órgão também não pode “ingressar no campo exclusivamente jurisdicional”, ou seja, interferir na atividade principal do juiz, que é a jurisdição.

Sorci entendeu que a resolução foi rotulada como uma política do Judiciário, mas afetou a independência dos juízes.

Outro ponto ressaltado foi que nenhum juiz ou tribunal jamais proferiu qualquer decisão quanto ao fechamento dos HCTPs.

Sem relação com a legislação

Base Nacional de Dados do Poder Judiciário aponta avalanche de erros

Juiz entendeu que CNJ não poderia ter determinado fechamento dos HTCPs

Para Sorci, a resolução possui diversas considerações “inexatas”. Um exemplo disso é que a Convenção Internacional dos Direitos das PcD, internalizada no Brasil por meio de decreto, não proíbe internações psiquiátricas involuntárias.

O mesmo vale para a Lei Antimanicomial, que reafirmou a necessidade de laudo médico com os motivos das internações, em qualquer modalidade — o que inclui as voluntárias, as involuntárias a pedido de terceiro e as compulsórias por determinação da Justiça.

A mesma norma diz que qualquer internação só será indicada quando “os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes”.

A lei ainda proíbe a internação em instituições asilares, que são aquelas sem estrutura adequada para oferecer assistência integral à pessoa com transtornos mentais, como serviços médicos, psicológicos, ocupacionais, de lazer, assistência social etc.

Segundo o juiz, em São Paulo, os HCTPs estão estruturados e oferecem todos esses serviços, além de oficinas de trabalho, artes e campanhas afirmativas, como as de combate à violência e a doenças.

“Nenhum centro de assistência psicossocial do estado é dotado da mesma estrutura existente nos HCTPs de São Paulo”, assinalou.

Estão internados nos HCTPs de São Paulo apenas “os pacientes agudos para os quais os recursos extra-hospitalares se mostraram insuficientes”.

Por fim, Sorci concluiu que a análise ideal sobre a conformidade da resolução com o ordenamento jurídico brasileiro deve ser feita no próprio Legislativo. Já existe na Câmara um projeto de decreto legislativo, de autoria do deputado federal Kim Kataguiri (União-SP), que prevê a interrupção da Resolução 487/2023.

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Processo 0013524-11.2023.8.26.0050

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