Revelações da correição

13ª Vara de Curitiba enterrou inquérito do MP-SP sobre danos a acionistas da Petrobras

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4 de maio de 2024, 13h50

O relatório da inspeção feita pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na 13ª Vara Federal de Curitiba, onde tramitam os processos remanescentes da “lava jato”, revelou que a finada força-tarefa da capital paranaense deu fim a um inquérito civil do Ministério Público de São Paulo, voltado a investigar prejuízos a acionistas minoritários da Petrobras.

Logo da Petrobras na fachada do Edise, o edifício-sede da Petrobras no Rio de Janeiro

Investigação do MP-SP foi enviada à “lava jato” e, lá, arquivada por prescrição

O inquérito em questão foi instaurado em dezembro de 2015 pela pela 7ª Promotoria de Justiça de Falência do Estado de São Paulo. Mas, a pedido da estatal e com respaldo da Procuradoria-Geral da República, foi encaminhado para a “lava jato” e acabou arquivado por prescrição.

Embora o Ministério Público Federal alegue que um acordo firmado com a empresa contemplava o ressarcimento desses acionistas, a correição concluiu que essa versão é frágil. Um dos argumentos é que o acordo foi restritivo e deu poderes para a “lava jato” gerir os valores como bem entendesse.

Histórico

Após os momentos iniciais da “lava jato”, em 2014, com identificação de possíveis crimes praticados por empregados da empresa, acionistas minoritários da Petrobras passaram a procurar órgãos do MP.

Eles pediram a investigação das condutas e o ajuizamento de uma ação civil pública (ACP) voltada a indenizá-los pelos danos causados no mercado à época.

No final do ano seguinte, o inquérito civil se tornou realidade. Ele foi instaurado por provocação do promotor Valter Foleto Santin e conduzido pelo promotor Eronides Aparecido Rodrigues dos Santos.

Este último determinou uma série de medidas, dentre elas um pedido de informações à cúpula da Petrobras, além da comunicação à 13ª Vara Federal de Curitiba e aos integrantes da “lava jato”.

No início de 2017, a Petrobras alegou à PGR que havia conflito de atribuições entre o MPF e o MP-SP. Segundo a empresa, o MP paulista estava avançando sobre investigações já feitas pelo MPF na “lava jato”.

Logo depois, a força-tarefa curitibana enviou um ofício, assinado pelo procurador Paulo Roberto Galvão de Carvalho, no qual comunicou a existência de três procedimentos investigatórios, em trâmite no Paraná, que contemplavam os mesmos fatos investigados pelo MP-SP.

Todos esses casos informados foram inicialmente instaurados em outras unidades do MPF — do Distrito Federal, de Goiás, do Rio de Janeiro, do Rio Grande do Sul e de São Paulo — e enviados à “lava jato” por suposta conexão.

Com essas informações, a PGR encaminhou o inquérito civil do MP-SP à “lava jato” e atribuiu à força-tarefa a condução de todas as apurações sobre prejuízos causados aos acionistas minoritários da Petrobras.

Mas, após a concentração das investigações na força-tarefa curitibana, não houve avanço. Em 2020, o inquérito civil foi arquivado por prescrição.

Conclusões do relatório

De acordo com o relatório da correição da Corregedoria Nacional de Justiça, há indícios de uma “atuação aderente da força-tarefa aos interesses da Petrobras”, já que algumas acusações de atos ilícitos não foram apuradas.

Segundo o órgão do CNJ, o MPF aderiu à iniciativa da estatal e abortou os esforços da investigação do MP-SP.

Um trecho do documento sugere, com base em análise dos autos, “escassez de impulsos investigativos em todos os procedimentos”, com sucessivas prorrogações e eventual arquivamento.

Ouvido durante a inspeção, o antigo procurador-chefe da “lava jato”, Deltan Dallagnol, disse não se recordar do inquérito civil instaurado pelo MP-SP nem saber do seu destino.

Dallagnol ressaltou que a força-tarefa tinha atribuição criminal e cível. Também apontou que vários ofícios do MPF faziam apurações em conjunto nos mesmos autos de fatos cíveis e criminais.

Acordo

Segundo o deputado cassado, o acordo de assunção de compromissos firmado entre o MPF e a Petrobras era “resultado das apurações criminais com repercussões cíveis”.

Ou seja, o acordo teria sido o meio usado para resolver as questões cíveis. Mas o relatório da correição traz diversos argumentos para defender a fragilidade dessa versão.

Um deles é que o MPF não apurou o valor dos prejuízos supostamente sofridos pelos acionistas minoritários da Petrobras — nem no inquérito civil, nem nas ações penais.

O documento também indica que a definição dos valores devidos pela Petrobras se baseou apenas no cálculo feito por autoridades dos EUA, relacionado à conduta da empresa no país norte-americano.

Outro ponto é que, no acordo, a Petrobras não reconhece responsabilidade por qualquer alegação de dano sofrido “por quem quer que seja”.

Além disso, o acordo cível foi homologado pela 13ª Vara Federal de Curitiba, que é criminal. A própria juíza Gabriela Hardt, substituta na vara à época, reconheceu que isso era inadequado em relação a acordos de leniência, similares ao acordo de assunção.

O relatório ainda destaca que o acordo entre a força-tarefa e a Petrobras previu um critério de ressarcimento restritivo aos acionistas — seja porque o limitou a beneficiários específicos, seja porque trouxe um marco prescricional que não existiria em uma ACP.

Uma das cláusulas estabelecia que 50% dos valores a serem pagos pela estatal deveriam ser destinados a eventuais condenações ou acordos apenas com acionistas que tivessem investido no mercado brasileiro e ajuizado ação de reparação (incluindo arbitragens) até outubro de 2017.

Por fim, o relatório diz que o foco do acordo não foi ressarcir os acionistas, mas sim constituir uma fundação privada. A cláusula que restringia a reparação, comemorada pela Petrobras como uma vitória, colocava a “lava jato” como gestora dos valores e responsável por autorizar os pagamentos.

Na prática, isso abria a possibilidade — prevista em outra cláusula — de redirecionamento de todo o dinheiro para uma fundação privada.

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