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TI sugeriu que fundo com recursos da leniência da J&F fosse além do cronograma

 

7 de fevereiro de 2024, 20h43

Em 2019, a Transparência Internacional (TI) — que se apresenta como ONG, sediada em Berlim — propôs que os recursos do acordo de leniência do grupo empresarial J&F formassem um fundo patrimonial perene, a ser mantido mesmo após os 25 anos de pagamentos estipulados no cronograma.

Procuradores da “lava jato” durante cerimônia em que receberam prêmio da TI por “combate à corrupção”, em 2016

Isso não estava pactuado com a empresa. A sugestão foi incluída em um “guia de boas práticas para promover a reparação de danos à sociedade”, lançado pela TI.

A ideia era que, após o fim dos pagamentos da J&F, em 2042, o fundo fosse transferido para o “controle independente da sociedade”. Ao fim e ao cabo, a iniciativa acabou não indo adiante. Caso fosse, sobraria um saldo de R$ 2,3 bilhões que ninguém sabe ao certo com quem ficaria.

Na segunda-feira (5/2), o ministro Dias Toffoli determinou medidas para investigar a TI pela possível apropriação indevida de recursos do acordo firmado entre a J&F e a finada “lava jato” em junho de 2017.

Fundo eterno
No documento, a instituição citou o “princípio da perenidade” para justificar a construção de um “legado permanente à sociedade brasileira”.

O acordo de leniência da J&F previa o pagamento de R$ 10,3 bilhões, dos quais R$ 2,3 bilhões seriam destinados a projetos sociais nas áreas de educação, saúde, meio ambiente e fomento à pesquisa e à cultura. Havia a previsão de implementação de uma auditoria independente na execução de tais projetos.

O pacto estabelecia um cronograma de desembolsos. Entre dezembro de 2017 e o fim de 2019, a empresa deveria fazer cinco pagamentos semestrais, cada um no valor de R$ 11 milhões. O restante do saldo devedor deveria ser coberto por 22 parcelas anuais, entre 2020 e 2041.

Pela proposta da TI, os investimentos em projetos sociais seriam ampliados de forma progressiva: partiriam de R$ 5,5 milhões no ano de 2019 e chegariam à media anual de R$ 50 milhões em 2028.

A aplicação de recursos seria estabilizada nesse patamar entre 2029 e 2041. Com isso, o saldo estimado, ao final dos pagamentos da J&F, seria de quase R$ 2 bilhões. Pelos juros da época, isso “produziria remuneração aproximada de R$ 60 milhões ao ano”.

A partir de 2042, com a conclusão das obrigações do acordo, teria início a fase de “operação independente da iniciativa”. Mas as tabelas apresentadas pela TI não estabeleceram valores para essa etapa.

Segundo o guia, “a TI propôs e acordou-se uma vedação a que a entidade submeta projetos para financiamento no âmbito desse acordo de leniência, enquanto mantiver qualquer tipo de influência sobre a governança dos recursos”.

Passos seguintes
Mais tarde, o Comitê de Supervisão Independente (CSI) do acordo de leniência apresentou uma proposta de “modelo de governança do investimento social”, com um organograma inchado.

A estrutura previa a criação de um órgão deliberativo, um conselho fiscal, um “conselho consultivo plural” e sete diretorias, todas subordinadas a uma diretoria-geral.

Em abril de 2019, um despacho do MPF, assinado por oito procuradores, trouxe um alerta para a J&F. Caso decidisse “pela execução direta dos projetos sociais”, sem enviar valores ao Fundo de Direitos Difusos (FDD), a empresa deveria “necessariamente atender às melhores práticas de governança e controle recomendadas pela TI”.

Do contrário, se a execução dos projetos não demonstrasse “alto nível de eficiência e ótimos resultados”, o MPF poderia reter os valores gastos pela empresa, “total ou parcialmente”.

Contexto
Em dezembro de 2017, a TI assinou um memorando para cooperar com soluções relacionadas à forma de gestão e execução dos recursos do acordo. O documento previa o auxílio da TI na apresentação de um projeto de investimento na “prevenção” e no “controle social” da corrupção, para priorizar o fortalecimento e a capacitação de organizações e projetos com maior potencial de impacto.

Em sua decisão, Toffoli indicou que, em março de 2018, foram iniciadas negociações para garantir que o valor obtido por meio do acordo fosse repassado à TI. A instituição passaria a atuar na administração e aplicação dos recursos.

Em entrevista à GloboNews na segunda-feira, o diretor-executivo da TI no Brasil, Bruno Brandão, negou que a ONG tenha recebido ou mesmo administrado recursos do acordo.

Como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, seis meses antes da assinatura do acordo, a TI propôs ao MPF o estabelecimento de uma “orientação geral” para destinar parte dos recursos de pactos do tipo a projetos de “prevenção e controle social da corrupção”.

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