Combate às instituições

Lavajatismo e explosão de exposição geraram ódio ao STF, diz pesquisadora

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28 de abril de 2024, 9h53

Com a expansão de suas competências conferida pela Constituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal foi ganhando força no jogo político e, consequentemente, aumentando a sua exposição. Mas o fato de o STF ter virado o inimigo número um dos bolsonaristas se deve ao movimento contra a corte iniciado por lavajatistas e à tática de ataque às instituições comum a movimentos de extrema-direita no mundo todo.

Grazielle Albuquerque no lançamento do livro em Belém, em novembro de 2023

É isso o que afirma a pesquisadora e professora Grazielle Albuquerque, autora do livro Da lei aos desejos: o agendamento estratégico do Supremo Tribunal Federal (Amanuense).

A explosão de visibilidade da corte — e da Justiça em geral — ocorreu com o julgamento, a partir de 2012, da Ação Penal 470, o processo do “mensalão”, e, posteriormente, com a “lava jato”, diz Grazielle à revista eletrônica Consultor Jurídico. Assim, surgiu a figura do “juiz-herói”, e as pessoas passaram a ter magistrados de que gostam e os que odeiam.

“O Judiciário, e isso vai além do Supremo, se pensarmos a ‘lava jato’, passou a se ancorar na opinião pública de uma maneira complicada, tendo em mente que é um poder contramajoritário. Do ponto de vista de indicadores de pesquisa, de análise de cenários, ‘mensalão’ e ‘lava jato’ impactam ao tornar os magistrados mais conhecidos de maneira exponencial, ao romper uma fronteira de conhecimento que estava mais atrelada a jornalistas e formadores de opinião. O protagonismo do Judiciário com rosto, nome e personalidade, e não apenas como uma imagem de um tribunal, surge com esses marcos”, avalia a pesquisadora.

O lavajatismo surfou nos movimentos populares ocorridos a partir de 2013 e estimulou um cenário de preferência ou ódio a magistrados, ressalta Grazielle. “Lembro de estar acompanhando uma manifestação pró-‘lava jato’ em dezembro de 2016, na Avenida Paulista, e lá ver os primeiros cartazes contra o Supremo. Ali havia uma disputa por uma ideia de Justiça. Outras pesquisas que olham as redes sociais dos agentes públicos envolvidos na ‘lava jato’ mostram isso.”

Há outros fatores, porém, que fizeram o STF virar o inimigo número um dos bolsonaristas. No mundo inteiro, a extrema-direita se caracteriza pelo ataque às instituições. Não são críticas republicanas, que visam a melhorar o funcionamento do tribunal, mas ataques feitos com o objetivo de destruir o órgão ou torná-lo conivente, opina a professora.

“Também é necessário pensar que os ataques aos sistemas eleitorais são globais, mas no Brasil a Justiça Eleitoral é a principal árbitra do pleito, e o presidente do TSE é ministro do Supremo”, aponta Grazielle.

No ataque de bolsonaristas às sedes dos Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro de 2023, o prédio do Supremo foi o que sofreu os maiores danos.

Aumento de poder

A Constituição de 1988 manteve a forma de organização do Supremo do regime militar. Por outro lado, a ampliação de competências, bem como do rol de legitimados a questionar a constitucionalidade de normas, aumentou o poder do STF. Com isso, passou a caber à corte resolver impasses entre o Poder Executivo e o Legislativo e dar respostas à população em tempos de crise.

Na década de 1990, o Supremo era um “ilustre desconhecido”, mas precisava se afirmar em relação ao Executivo e ao Legislativo, afirma Grazielle no livro. Os movimentos políticos fizeram com que a comunicação da corte ganhasse um impulso. “Até mesmo pelas demandas impostas pelo contexto, com eventos políticos como o caso Collor — que levou a um pico de cobertura do tribunal —, era preciso que a comunicação da instituição respondesse de forma adequada às novas demandas.”

Os holofotes tornaram a se voltar para o Supremo nos anos 2000, com as acusações de irregularidades no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (Grande São Paulo e litoral paulista) e a CPI do Judiciário. Nesse cenário, ressalta a pesquisadora na obra, a corte teve de “trabalhar na prestação de contas do Judiciário, responder a questões relativas à transparência e à accountability, que eram demandas que recaíam na Justiça a partir da virada dos anos 1990 para os anos 2000”.

Dessa maneira, o STF “passa a ser agendado, ocupando a agenda midiática e pública”. Ao mesmo tempo, o tribunal passa a atuar politicamente no campo da comunicação, pautando assuntos estrategicamente.

“Ao longo de todo esse processo, o que se pode dizer é que o Supremo olha para fora na hora de se comunicar, responde ao contexto. Assim, ao tentar se agendar, sua estratégia é também baseada na conjuntura. Essa não só é a conclusão de maior enlevo da pesquisa, mas ela representa teórica e analiticamente a aproximação possível entre o agendamento e a abordagem estratégica”, argumenta a pesquisadora no livro.

À ConJur, Grazielle dá um exemplo de como funciona o “agendamento estratégico” de uma corte:

“A comunicação de um tribunal vai atender a um tempo histórico. Vamos pensar no TSE hoje, em todo o seu empenho no combate à desinformação, sua atuação junto às big techs, as repostas rápidas em uma linguagem própria das redes. Eis o agendamento estratégico. Costuma-se olhar muito para a comunicação do Executivo e do Legislativo. Não faltam trabalhos e um olhar mais acurado para a comunicação das campanhas políticas etc. Mas e a Justiça? Como ela se comunica? Não é só o Xandão (ministro Alexandre de Moraes), o personagem tal, o meme do momento… Existe uma lógica e um estrutura por trás. Então, o olhar para a assessoria, pensando não nela isoladamente, mas em um esquema ligado à cobertura e ao contexto histórico, nos ajuda a ver a preocupação do STF, e não somente dele, em trabalhar sua imagem”.

Profissionalização da comunicação

Grazielle Albuquerque destaca no livro que a assessoria de imprensa do Supremo foi profissionalizada quando o jornalista Irineu Tamanini assumiu o seu comando, em 1995. Ele tinha sido assessor do Tribunal Superior Eleitoral no pleito de 1989, o primeiro para presidente da República desde 1960, e havia auxiliado o ministro Sidney Sanches no julgamento do impeachment de Fernando Collor de Mello. Sob o comando de Tamanini, foram implantadas medidas como a cobertura das sessões e o envio de releases. E houve a criação do comitê de imprensa do STF.

Nos anos 2000, teve destaque a gestão de Renato Parente na assessoria de imprensa da corte. Ele foi contratado após chefiar a comunicação do TRT-2 durante o escândalo envolvendo o juiz Nicolau dos Santos Neto, o Lalau. No Supremo, teve de lidar com as demandas decorrentes da CPI do Judiciário, de 1999, e das discussões envolvendo a reforma da Justiça, de 2004.

A TV Justiça e a Rádio Justiça, criadas durante a presidência de Marco Aurélio no Supremo, são o resultado de uma ampliação da estratégia de comunicação da corte, que deixou de se dirigir apenas aos jornalistas e passou a buscar um contato mais direto com a população, em busca de transparência e prestação de contas, destaca a professora.

Com esses meios e a cobertura online — que se popularizava em veículos como a ConJur e, posteriormente, nas redes sociais —, o STF passou a ter sua imagem mais exposta. Hoje, os julgamentos da corte e as declarações de ministros reverberam tanto quanto os atos dos representantes do Executivo e do Legislativo.

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