falta de transparência

Toffoli ordena medidas para investigar papel da TI no acordo de leniência da J&F

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5 de fevereiro de 2024, 12h12

Por constatar indícios de que os recursos do acordo de leniência do grupo empresarial J&F eram destinados a uma instituição privada com sede em Berlim, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, determinou, nesta segunda-feira (5/2), medidas para investigar a possível apropriação indevida de recursos públicos por parte da Transparência Internacional (TI), que se apresenta como ONG, e seus responsáveis.

Procuradores da “lava jato” durante cerimônia em que receberam prêmio da TI por “combate à corrupção”, em 2016

O magistrado ordenou que a Procuradoria-Geral da República encaminhe diversos documentos relacionados ao caso, como os autos do procedimento investigatório instaurado em 2021 no órgão sobre condutas relacionadas à TI, praticadas por membros do Ministério Público Federal que atuaram na “lava jato” e outras operações.

A PGR também deverá encaminhar o procedimento administrativo que foi instaurado no mesmo ano pela Corregedoria do MPF para averiguar se integrantes da “lava jato” cumpriram regras gerais relativas a negociações internacionais.

Outro processo administrativo a ser encaminhado é o de 2017 que acompanha o cumprimento do acordo de leniência firmado entre o MPF e a J&F.

Toffoli também quer acesso ao memorando de 2020 no qual a PGR solicitou à 5ª Câmara de Coordenação e Revisão (CCR) do MPF — que lida com casos de corrupção — providências quanto ao controle de validade do acordo.

O relator ainda ordenou o envio da cópia integral dos autos ao Tribunal de Contas da União (TCU) e à Controladoria-Geral da União (CGU), que também poderão pedir acesso ao material assim que disponibilizado.

Histórico
O caso tem origem em uma petição apresentada pelo deputado federal Rui Falcão (PT-SP). Ele atribuiu a procuradores do MPF a prática de infrações penais, atos de improbidade administrativa, faltas disciplinares e violações dos deveres éticos e funcionais.

Falcão indicou que o MPF atuou, ao menos desde 2014, em parceria com a TI para desenvolver ações apontadas de forma genérica como “combate à corrupção”. Segundo ele, a TI foi cúmplice dos abusos cometidos pela “lava jato”.

Em março de 2018, foram iniciadas negociações para garantir que o valor obtido por meio do acordo de leniência da J&F fosse repassado à TI. A instituição passaria a atuar na administração e aplicação dos recursos.

O acordo da J&F foi assinado e homologado em 2017, mas sofreu diferentes aditamentos até 2020. O pacto previa o pagamento de R$ 10,3 bilhões, dos quais R$ 2,3 bilhões seriam destinados a projetos sociais nas áreas de educação, saúde, meio ambiente e fomento à pesquisa e à cultura. Havia previsão de implementação de uma auditoria independente na execução de tais projetos.

A TI assinou um memorando para cooperar com soluções relacionadas à forma de gestão e execução desses recursos. O documento dizia que não haveria qualquer tipo de remuneração e que era proibida a transferência de recursos para a TI.

O memorando ainda previa o auxílio da TI na apresentação de um projeto de investimento na “prevenção” e no “controle social” da corrupção, para priorizar o fortalecimento e a capacitação de organizações e projetos com maior potencial de impacto.

Ministro Dias Toffoli, relator do caso no STF

De acordo com Falcão, o MPF, sob o pretexto de combater a corrupção, concedeu à TI, de forma ilegal, poderes de gestão e execução sobre recursos públicos, sem fiscalização e controle do Estado.

A PGR instaurou procedimento para apurar as acusações e o caso chegou ao Superior Tribunal de Justiça. O ministro Humberto Martins decidiu enviar os autos a Toffoli, relator de outro caso que analisa a atuação da “lava jato” e sua relação com organismos internacionais de combate à corrupção.

Fundamentação
No STF, o ministro constatou “fatos gravíssimos e que não passaram pelo crivo do Poder Judiciário e do TCU”.

Ele ressaltou trecho da correspondência enviada pela TI ao MPF, no qual a instituição diz que se dedicaria a ações com “grande impacto na provisão de recursos financeiros às organizações e redes de organizações que realizam o controle social da corrupção no país”.

Toffoli lembrou que, em 2019, o ministro Alexandre de Moraes, também do STF, suspendeu um acordo, celebrado pela “lava jato”, que previa a criação de um fundo com R$ 2,5 bilhões recuperados da Petrobras. A decisão registrou que era “duvidosa a legalidade de previsão da criação e constituição de fundação privada para gerir recursos derivados de pagamento de multa às autoridades brasileiras”.

Outro documento citado por Toffoli foi uma manifestação de 2020 do então procurador-geral da República, Augusto Aras. Na ocasião, o PGR considerou “evidente” que uma organização privada administraria a aplicação dos R$ 2,3 bilhões previstos no acordo da J&F, sem fiscalização ou controle estatal.

“Segundo apontam as cláusulas do acordo, ao invés da destinação dos recursos, a rigor do Tesouro Nacional, ser orientada pelas normas legais e orçamentárias, destinava-se a uma instituição privada, ainda mais alienígena e com sede em Berlim”, ressaltou o relator.

Para o ministro, ficou clara a conexão do caso com outros em andamento em seu gabinete — tanto a reclamação apontada por Martins quanto a petição na qual Toffoli recentemente suspendeu o pagamento do acordo de leniência da empreiteira Odebrecht.

A notícia-crime de Falcão foi apresentada pelos advogados Marco Aurélio de Carvalho e Fernando Hideo Lacerda. Em nota, eles disseram que receberam a decisão de Toffoli com alegria e satisfação: “Seguiremos, em benefício do interesse público e da soberania nacional, acompanhando atentamente o andamento da apuração dos crimes e atos de improbidade administrativa, bem como da reparação dos danos ao erário”.

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