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Denúncia anônima não justifica busca domiciliar sem mandado, reafirma STJ

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8 de fevereiro de 2023, 16h42

O ingresso em domicílio alheio depende, para sua validade e regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de relativização do direito fundamental em questão.

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Ministro  Reynaldo Soares da Fonseca reitera entendimento sobre busca domiciliar ilegal e absolve condenado por tráfico
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Esse foi o entendimento do ministro Reynaldo Soares da Fonseca, do Superior Tribunal de Justiça, para anular provas colhidas em invasão irregular de domicílio contra um homem condenado à pena de 5 anos, 7 meses e 15 dias de reclusão, regime inicial fechado, e 562 dias-multa por tráfico de drogas. 

A defesa alegou que o réu sofreu contrangimento ilegal por conta da busca domiciliar que foi realizada sem autorização judicial e sem o consentimento do morador, baseada apenas em denúncia anônima.

Também sustentou que o caráter permanente do crime de tráfico de drogas não é suficiente para legitimar a entrada no domicílio, uma vez que o flagrante deve ser visualizado antes, e não depois, da ação policial.

Ao analisar o caso, o ministro deu razão à defesa. "Como é de conhecimento, o Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo —a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno — quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito", registrou. 

O ministro citou a extensa jurisprudência que existe sobre o tema e lembrou que segundo os autos a busca teria sido motivada por denúncia anônima. "Com efeito, não consta notícia de que a busca domiciliar foi ensejada por prévia investigação, monitoramento ou campanas no local. Dessa forma, não está configurado o elemento "fundadas razões" a autorizar o ingresso no domicílio em questão", resumiu. 

Diante disso, o magistrado anulou as provas, absolveu o réu e ordenou que ele seja colocado em liberdade, salvo se por outro motivo estiver preso. Atuaram no caso os advogados Aureo Tupinamba Filho e Michel Saliba.

Jurisprudência vasta
A análise da legalidade da invasão de domicílio por policiais militares é tema constante na pauta das turmas criminais do STJ. Caso após caso, elas vêm delineando os limites de identificação de fundadas razões para ingressar na casa de alguém sem mandado judicial.

No precedente mais incisivo, a 6ª Turma decidiu que a invasão só pode ocorrer sem mandado judicial e perante a autorização do morador se ela for filmada e, se possível, registrada em papel. A 5ª Turma também adotou a tese. Nesse ponto, a ordem foi anulada por decisão monocrática do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, em dezembro de 2021.

Além disso, em outras situações, o STJ entendeu ilícita a invasão nas hipóteses em que a abordagem é motivada por denúncia anônima, pela fama de traficante do suspeito, por tráfico praticado na calçada, por atitude suspeita e nervosismocão farejadorperseguição a carro ou apreensão de grande quantidade de drogas.

Também anulou as provas quando a busca domiciliar se deu após informação dada por vizinhos e depois de o suspeito fugir da própria casa ou fugir de ronda policial. Em outro caso, entendeu ilícita a apreensão feita após autorização dos avós do suspeito para ingresso dos policiais na residência.

O STJ também definiu que o ingresso de policiais na casa para cumprir mandado de prisão não autoriza busca por drogas. Da mesma forma, a suspeita de que uma pessoa poderia ter cometido o crime de homicídio em data anterior não serve de fundada razão para que a polícia invada o domicílio de alguém.

Por outro lado, é lícita quando há autorização do morador ou em situações já julgadas, como quando ninguém mora no local, se há denúncia de disparo de arma de fogo na residência ou flagrante de posse de arma na frente da casa, se é feita para encontrar arma usada em outro crime — ainda que por fim não a encontre —, se ocorrer em diligência de suspeita de roubo ou se o policial, de fora da casa, sente cheiro de maconha, por exemplo.

HC 170.674

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