Retrospectiva 2023

STF proferiu no ano mais de 11 mil decisões em matéria tributária

Autores

  • Hamilton Dias de Souza

    é advogado sócio fundador da Advocacia Dias de Souza e da Dias de Souza Advogados Associados e mestre e especialista em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

  • Daniel Corrêa Szelbracikowski

    é sócio da Advocacia Dias de Souza mestre em Direito Constitucional pelo IDP e especialista em Direito Tributário pelo Ibet.

  • Pedro Júlio Sales D'Araújo

    é doutor em Direito Econômico Financeiro e Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) mestre e bacharel pela Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) especialista em Direito Tributário pela FGV-SP ex-assessor de ministro do Supremo Tribunal Federal pesquisador visitante bolsista na Westfälische Wilhelms-Universität Münster (Alemanha) e advogado.

20 de dezembro de 2023, 11h19

Continuação da parte 1

Em agosto, o STF reconheceu a existência de repercussão geral no RE 1.362.742 (Tema 1258), no qual se discute a “possibilidade de manutenção dos créditos de ICMS relativos às operações internas anteriores à operação interestadual com combustíveis derivados de petróleo imune ao imposto devido ao estado de origem”. O mérito ainda está pendente de apreciação. A definição da controvérsia será importante para o setor de distribuição de combustíveis por acomodar a regra da não cumulatividade à imunidade prevista no artigo 155, § 2º, inciso X, alínea b, da CF. Isso, porque o estorno de eventuais créditos de ICMS decorrentes das operações no Estado de origem, quando da saída interestadual, implica o encarecimento dos combustíveis no Estado de destino, uma vez que tais mercadorias serão ali integralmente tributadas.

Ao longo de setembro, STF também apreciou diversas controvérsias tributárias, com destaque para o julgamento dos embargos no RE 816.830 (Tema 801), no qual a Corte acolheu parcialmente a pretensão da Fazenda Nacional e do Senar para, sem efeitos modificativos, declarar que a menção à natureza da exação ao Senar como contribuição social representava um obiter dictum. Embora a Fazenda pretenda, com isso, reabrir a discussão relativa à natureza jurídica da contribuição, isso não nos parece juridicamente correto. Isso, porque o ministro Dias Toffoli afastou, no julgamento dos aclaratórios, a pretensão do Fisco “de que seja reconhecido que a contribuição em referência tem natureza de contribuição de interesse de categoria profissional ou econômica” e a natureza de contribuição social da exação foi reconhecida também no supracitado tema 651, apreciado em março deste ano pelo Tribunal, seguindo-se precedentes históricos do STF (RE 138.284). Assim, eventual decisão posterior do STF em sentido diverso geraria indesejável alteração de jurisprudência.

Importante também o julgamento do RE 1.452.421 (Tema nº 1.279), no qual o Tribunal reconheceu a existência de repercussão geral e reafirmou a jurisprudência para assentar que “em vista da modulação de efeitos no RE 574.706/PR, não se viabiliza o pedido de repetição do indébito ou de compensação do tributo declarado inconstitucional, se o fato gerador do tributo ocorreu antes do marco temporal fixado pelo Supremo Tribunal Federal, ressalvadas as ações judiciais e os procedimentos administrativos protocolados até 15.3.2017”. Trata-se de um dos diversos reflexos do julgamento do Tema 69, que ainda repercute com a proliferação de questionamentos quanto ao alcance e efeitos do paradigma e à forma de cálculo das restituições.

Ainda em setembro, o STF declarou, na ADI 7.374, a inconstitucionalidade de norma estadual sergipana que fixava alíquota reduzida de ICMS para a cerveja produzida com um percentual de 0,35% de suco de laranja, em contraposição à alíquota fixada para as demais bebidas fermentadas. Além de entender ser um regime favorecido, que merecia autorização do Confaz, sob pena de recrudescimento da guerra fiscal, a Corte afirmou que o regime privilegiava “os estabelecimentos atuantes na produção da cerveja com a utilização de laranja localizados em Sergipe, conferindo-se tratamento tributário distinto em razão da origem das mercadorias, o que ofende os princípios constitucionais tributários da isonomia e da não discriminação em razão da procedência ou destino dos bens e serviços”.

No mesmo mês, o STF, na ADI 4.784, julgou “constitucional a cobrança do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) sobre a franquia postal”. Isso, porque a cobrança de ISS, no contrato de franquia, “é intrínseca a unidade contratual desse feixe de obrigações, sem que se possa propor um fracionamento entre as obrigações de dar e as de fazer”. O Tribunal também julgou a ADI 5.764, na qual se discute a validade do subitem 9.01 da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar n. 116/2023, que ampliou a cobrança de ISSQN para abranger locações em apart-hotéis, hotéis-residência e/ou equiparados. Na oportunidade foi declarada a constitucionalidade do dispositivo impugnado, por compreender que “uma vez identificado o liame funcional atinente ao alojamento temporário no bojo de um fazer, a meu sentir, não se mostra correto estressar as peculiaridades desse contrato no afã de equipará-lo a uma locação com o intuito precípuo de desqualificar a atividade comercial como um serviço apto a ensejar o fato gerador do ISSQN”, o que coaduna com nossas considerações sobre o julgamento da ADI 5.869.

Para finalizar setembro, o STF reconheceu a repercussão geral de dois novos temas, que terão o mérito analisado em momento posterior. São eles o RE 722.528 (Tema 1.280), no qual se discute a “(im)possibilidade da cobrança de PIS/Cofins das entidades de previdência complementar” e o RE 1.455.643 (Tema 1.274), no qual se discute a “constitucionalidade da incidência de contribuição previdenciária a cargo da empregada sobre o salário-maternidade pago pela Previdência Social”.

Em outubro o STF decidiu, no RE 590.186 (Tema 104), que “é constitucional a incidência do IOF sobre operações de crédito correspondentes a mútuo de recursos financeiros entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física, não se restringindo às operações realizadas por instituições financeiras”. Ao legitimar a incidência do IOF sobre o mútuo praticado por pessoas jurídicas e físicas não financeiras, a decisão alargou o campo constitucional de incidência do IOF para abarcar operações distintas das relacionadas ao controle típico da política monetária e de crédito, câmbio, seguro e transferência de valores. Ao menos o STF ressalvou a situação dos contratos de “conta corrente”, quando se observa a reunião de caixas de empresas do mesmo grupo em um caixa único, cujo exame, para fins de equiparação, ou não, a contratos de mútuo deverá ser feito nos casos concretos pelas instâncias de origem.

Em novembro, o Tribunal concluiu o julgamento da ADI 5.586 e declarou a constitucionalidade do art. 11 da Lei n. 13.254/2016 que excluiu a aplicação do Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT) aos detentores de cargos eletivos e aos ocupantes de funções públicas de direção, bem como seus parentes até o segundo grau. A decisão ignorou eventuais particularidades a serem observadas em casos concretos nos quais parentes de políticos possam não ter qualquer relação com a atividade pública que se pretende proteger. Para esses cenários, a aplicação irrestrita da vedação contraria a isonomia, justamente por vedar o acesso ao regime especial em razão de uma condição objetiva que possa não guardar qualquer relação com o propósito da norma.

No mesmo mês, o STF finalizou o julgamento do RE 704.815 (Tema 633) e decidiu que “a imunidade a que se refere o artigo 155, § 2º, X, “a”, CF/88, não alcança, nas operações de exportação, o aproveitamento de créditos de ICMS decorrentes de aquisições de bens destinados ao ativo fixo e uso e consumo da empresa, que depende de lei complementar para sua efetivação”. O STF julgou também as ADIs 2.325, 2.383 e 2.571, nas quais declarou a constitucionalidade de dispositivo de lei que restringiu o aproveitamento de créditos de ICMS derivados de operações com mercadorias destinadas a ativo permanente, energia elétrica e comunicações. À luz do que fixado no RE n. 601.967/RS (Tema nº 346/RG), a Corte entendeu que “o contribuinte apenas poderá usufruir dos créditos de ICMS quando houver autorização da legislação complementar”, de modo que “o diferimento da compensação de créditos de ICMS de bens adquiridos para uso e consumo do próprio estabelecimento não viola o princípio da não cumulatividade”, o que vai ao encontro da jurisprudência do Tribunal.

Ainda em novembro, o STF reconheceu a existência de repercussão geral no RE 1.417.155 (Tema 1.282), no qual se discute “a constitucionalidade das taxas de prevenção e combate a incêndios, busca, salvamento e resgate instituídas por estados-membros”, e no ARE 1.460.254 (Tema n. 1.284), para reafirmar a jurisprudência no sentido de que “a cobrança do ICMS-Difal de empresas optantes do Simples Nacional deve ter fundamento em lei estadual em sentido estrito”.

Próximo do encerramento do ano, talvez um dos julgamentos mais aguardados foi concluído com a análise das ADIs 7.066, 7.070 e 7.078. O Plenário, por maioria, definiu que a cobrança do Difal, no exercício de 2022, somente poderá ser feita em relação aos fatos ocorridos após 90 dias contados da edição da LC 190/2022. Afirmou-se que a edição da legislação complementar em 2022 seria desimportante para aplicação do princípio da anterioridade, uma vez que a cobrança teria sido instituída por meio de leis estaduais ainda no ano de 2021, sendo esse o marco para observância do que estabelecido nos artigo 150, III, “b” e “c” da CF/88.

Ainda assim, afirmou que o legislador complementar poderia prever o momento para produção dos efeitos da disposição, razão pela qual seria constitucional a projeção no tempo prevista no artigo 3º da LC 190/2022. A conjugação desse entendimento com as razões de decidir do Tema 1.094, no sentido de que as leis estaduais editadas antes da lei complementar seriam válidas, mas teriam a eficácia suspensa, representa a superação da jurisprudência histórica que vedava o fenômeno da constitucionalidade superveniente, a desconsideração da não surpresa enquanto garantia constitucional dos contribuintes e, o que é mais grave, o afastamento de regra constitucional expressa no artigo 150, III, “c”, que se reporta ao que disposto na alínea “b” do mesmo dispositivo para vedar a cobrança de tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou. Com todo o respeito que o STF merece, parece-nos ter havido uma preocupação exacerbada com as metas fiscais do setor público, em detrimento de direitos e garantias mínimas do contribuinte que, em um Estado de direito, jamais poderiam ser negligenciadas.

Por fim, em dezembro, foi retomado o julgamento da ADI 7.400 em que se discute a legitimidade da taxa de mineração do estado de Mato Grosso, com a formação de maioria pela inconstitucionalidade da cobrança e fixação das seguintes teses: “1. O Estado-membro é competente para a instituição de taxa pelo exercício regular do poder de polícia sobre as atividades de pesquisa, lavra, exploração ou aproveitamento, de recursos minerários, realizada no Estado. 2. É inconstitucional a instituição de taxa de polícia que exceda flagrante e desproporcionalmente os custos da atividade estatal de fiscalização”.

Se confirmado o resultado, a decisão representará uma nova guinada na jurisprudência da Corte a respeito do tema, que, em 2022, veio a se pronunciar pela constitucionalidade de taxas similares de outros Estados. Este é um caso que, de fato, merecia reexame, pois os julgamentos de 2022 romperam com a doutrina até então existente na Corte a respeito de taxas de fiscalização, cujo fato gerador é a contraprestação pela atividade estatal, não a lucratividade do particular.

Autores

  • é sócio fundador dos escritórios Dias de Souza Advogados Associados e Advocacia Dias de Souza, mestre e especialista em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

  • é sócio do escritório Advocacia Dias de Souza, mestre em Direito Constitucional pelo IDP e especialista em Direito Tributário pelo Ibet.

  • é doutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), mestre e bacharel pela Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), especialista em Direito Tributário pela FGV-SP, ex-assessor de ministro do Supremo Tribunal Federal, pesquisador visitante bolsista na Westfälische Wilhelms-Universität Münster (Alemanha) e advogado.

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