Sem competência

Desembargadora suspende vacinação obrigatória para servidores municipais do RJ

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15 de setembro de 2021, 17h46

Município não pode criar sanções não previstas em lei federal que regula a matéria. Com esse entendimento, a desembargadora do Tribunal de Justiça fluminense Marília de Castro Neves Vieira concedeu, nesta terça-feira (14/9), liminar para suspender o Decreto municipal 48.286/2021, que torna obrigatória a vacinação contra a Covid-19 para servidores da cidade do Rio de Janeiro.

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Marília de Castro Neves Vieira disse que RJ não poderia criar sanções para servidores que não quiserem se vacinar
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A norma estabeleceu que a vacinação contra o coronavírus é obrigatória para todos os servidores e empregados públicos municipais, assim como para os prestadores de serviços contratados pelos órgãos da administração pública direta e indireta. A recusa, sem justa causa, em receber o imunizante caracteriza falta disciplinar, sujeita às sanções do Estatuto do Funcionalismo Público do município do Rio (Lei 94/1979) e da Consolidação das Leis do Trabalho – inclusive demissão.

O deputado estadual Márcio Gualberto (PSL) moveu ação direta de inconstitucionalidade contra o decreto, argumentando que a obrigatoriedade de vacinação viola direitos e garantias individuais, coletivos e sociais. Também disse que a norma despreza a capacidade de discernimento dos servidores.

Em sua decisão, a desembargadora Marília de Castro Neves Vieira apontou que a Lei federal 13.979/2020 estabeleceu a obrigatoriedade da vacinação contra a Covid-19 – e teve sua constitucionalidade declarada pelo Supremo Tribunal Federal, mesmo que tal exigência tenha sido não recomendada pela Organização Mundial da Saúde e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

Municípios podem legislar a respeito de interesse local, suplementando legislação federal e estadual, destacou Marília. Porém, ela ressaltou que tais entes federativos não podem criar sanções não previstas na lei federal ou estadual que regula a matéria.

Ao prever as punições do Estatuto do Funcionalismo Público do município do Rio e da CLT aos servidores que não quiserem se vacinar, o Decreto municipal 48.286/2021 “cria sanções que, à primeira vista, ferem direitos fundamentais como o direito ao exercício do trabalho remunerado, ferindo de morte, igualmente, o princípio da dignidade humana, ao impor sanções financeiras incidentes sobre verba de caráter alimentar”, disse a magistrada.

“Não é demais lembrar que a Constituição Federal não contempla os municípios com a competência legislativa concorrente, conferindo-lhes, tão somente, a competência legislativa suplementar, nos moldes do disposto no seu artigo 30, sendo certo que em seu artigo 23, a Constituição Federal dispõe ser a competência municipal para ‘cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e da garantia das pessoas portadoras de deficiência’ de natureza meramente colaborativa”, declarou Marília de Castro Neves Vieira.

Histórico de polêmicas
Marília Castro Neves tem um histórico de declarações polêmicas nas redes sociais. Em março de 2018, escreveu que a vereadora do Rio Marielle Franco (Psol), assassinada ao sair de um evento, foi "engajada com bandidos" e eleita com apoio do Comando Vermelho.

Também atribuiu à vítima a culpa da morte: "seu comportamento, ditado por seu engajamento político, foi determinante para seu trágico fim. Qualquer outra coisa diversa é mimimi da esquerda tentando agregar valor a um cadáver tão comum quanto qualquer outro".

Nesta terça, a corregedora afirmou que "a vítima do crime de homicídio, aqui se tratando de Marielle Franco, é avaliada a partir de suas posições na arena política. O compromisso da Justiça com a apuração e resposta imparcial e proporcional ao fato criminoso parece colocado em segundo plano".

Logo depois, a desembargadora divulgou nota reconhecendo que divulgou boatos e que iria esperar as investigações serem concluídas. Ela afirmou à Folha de S. Paulo que desconhecia a vereadora do Rio de Janeiro até ler a notícia sobre o homicídio. O Conselho Nacional de Justiça abriu investigação sobre essas declarações.

Em entrevista ao impresso no fim de janeiro, Jean Wyllys, reeleito deputado em outubro, disse que não iria tomar posse e deixar o Brasil, diante das ameaças que vinha recebendo. Uma das pessoas que ele diz contribuir para o clima de ódio e antagonismo que encontra nas ruas é a desembargadora.

Para ela, no entanto, a esquerda não tem senso de humor. Foi "brincadeira", disse a desembargadora à ConJur sobre seus comentários a respeito de Wyllys. Segundo o parlamentar, a magistrada disse num grupo no Facebook que ele deveria ser executado, por ser a favor de uma "execução profilática". "O problema da esquerda é o mau humor", defendeu-se Marília.

Com base em retratação feita pelas redes sociais, o Superior Tribunal de Justiça extinguiu, em março de 2021, a queixa-crime movida pela família de Marielle Franco contra Marília de Castro Neves Vieira.

Processo do CNJ
Em novembro de 2020, o CNJ abriu mais um processo administrativo disciplinar contra Marília de Castro Neves Vieira por suas manifestações em rede social.

Desta vez, os conselheiros trataram de sete expedientes disciplinares. Num deles, a magistrada postou uma imagem nas redes sociais dizendo que o integrante do Psol Guilherme Boulos será recebido "na bala" depois do decreto do presidente Jair Bolsonaro que facilitou a posse de armas. 

Em outro, ela atacou o próprio CNJ: "O CNJ impede o magistrado de prestar relevante serviço dentro de sua expertise. Quem perde, evidentemente, é o jurisdicionado, o cidadão. Enfim, isso é o CNJ".

A defesa da magistrada alegou que ela apenas "manifestou sua opinião pessoal em tópicos de discussão relacionados a temas variados de política e de apelo social, sem adentrar na seara de atividade político-partidária".

A votação foi unânime. Os conselheiros concordaram com a corregedora Maria Thereza de Assis Moura, para quem as manifestações atacaram Boulos pessoalmente e, portanto, deveria haver revisão da decisão do TJ-RJ, que arquivou o processo disciplinar. 

De acordo com Maria Thereza, embora os magistrados tenham direito à liberdade expressão assegurado por lei e diversas normativas internacionais, ela não é absoluta. Para ela, as publicações tinham objetivo de "descredenciá-lo perante a opinião pública em razão das ideologias das quais discorda a magistrada e davam apoio público à corrente política do presidente da República".

Sobre as críticas ao CNJ, a corregedora entendeu que foram "ásperas e descortês", mas podem ser vistas como parte da liberdade da magistrada. Por isso, manteve o arquivamento.

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Processo 0063690-66.2021.8.19.0000

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