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Decisões do Supremo fazem STJ divergir sobre invasão de casa por fuga

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27 de março de 2024, 8h52

A jurisprudência antes consolidada do Superior Tribunal de Justiça sobre os casos em que a polícia invade a casa de alguém porque essa pessoa correu para dentro do imóvel ao ver a viatura está passando por transformações motivadas por casos julgados no Supremo Tribunal Federal.

Proteção não absoluta do lar está em discussão em casos de tráfico de drogas

A premissa básica é de que o domicílio pode ser violado sem autorização judicial, desde que existam fundadas razões. Essa definição foi dada pelo STF em 2015.

O STJ, desde então, vem endurecendo sua interpretação sobre o que seriam as tais fundadas razões. Até o fim de 2023, correr ao ver a viatura não era justificativa, pois isso não indicava necessariamente que havia flagrante delito ocorrendo na residência.

Neste ano, porém, acórdãos da 5ª Turma do STJ têm desafiado essa interpretação. A posição é do ministro Reynaldo Soares da Fonseca e foi referendada por unanimidade de votos pelos colegas de colegiado.

Em seus votos, ele anuncia uma modificação “de certo foco da jurisprudência até o presente consolidada” para enfatizar que “a dinâmica, a capilaridade e a sofisticação do crime organizado, inclusive do ligado ao tráfico de drogas, exigem postura mais efetiva do Estado”.

O magistrado cita hipóteses em que a invasão de domicílio é válida. A principal delas é aquela em que, “uma vez abordado em atitude suspeita, o sujeito pôs-se, de forma imotivada, em situação de fuga, sendo posteriormente localizado em situação de flagrância”.

Essa situação, segundo o ministro Reynaldo, é diferente daquela em que o cidadão corre para dentro de casa porque se vê acuado por uma abordagem policial truculenta, especialmente em áreas de periferia.

Outra hipótese é aquela em que a residência usada se volta para a prática do tráfico de drogas, não para uso domiciliar do cidadão, motivo suficiente para afastar a proteção constitucional.

Reynaldo Soares da Fonseca propôs à 5ª Turma mudança de foco da juripsrudência

Na linha do STF

Essas justificativas fizeram a 5ª Turma validar invasões de domicílio em ao menos dois casos em que elas ocorreram quando a polícia recebeu denúncia anônima de tráfico de drogas e, ao chegar ao local, viu o suspeito correr para dentro de casa.

No HC 871.254, ela é justificada pela fuga e porque o suspeito foi abordado ainda na garagem, quando policiais enxergaram uma pessoa manuseando drogas dentro do imóvel.

Já no HC 878.657, o ministro Reynaldo cita a precisão da denúncia anônima, que apontou o local como um sobrado de paredes na cor azul e portão branco onde residia um homem de determinadas características, que estaria foragido da polícia.

No local, o tal homem correu para dentro da casa ao ver a polícia. Nesse caso, o relator reconhece que há precedentes da 6ª Turma do STJ na mesma situação se posicionando pela ilegalidade da invasão policial.

“No entanto, tal postura vem sendo reformada pelo Supremo Tribunal Federal, tal como ocorreu no RE 1.447.032, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes”, diz o relator.

Esse recurso foi julgado pela 1ª Turma do Supremo em agosto de 2023. A conclusão é de que o STJ extrapolou a interpretação ao desconsiderar as circunstâncias do caso concreto, quais sejam: denúncia anônima e fuga empreendida após a chegada dos policiais.

O ministro Reynaldo também cita o RHC 229.514, julgado pela 2ª Turma do Supremo em outubro de 2023.

Nele, o ministro Gilmar Mendes diz que “se um agente do Estado não puder realizar abordagem em via pública a partir de comportamentos suspeitos do alvo, tais como fuga, gesticulações e demais reações típicas, já conhecidas pela ciência aplicada à atividade policial, haverá sério comprometimento do exercício da segurança pública”.

O tema da invasão de domicílio mediante mera atitude suspeita tem sido mesmo enfrentado pelo STF. Há um precedente do Plenário que, como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, não serviu para formar maioria, embora já esteja influenciando as instâncias ordinárias.

No STF, julgamentos vêm validando invasão policial após fuga dos suspeitos

Nada mudou

Enquanto isso, na 6ª Turma do STJ a jurisprudência continua a mesma. Uma pesquisa recente mostrou que a fuga para dentro do imóvel só serviu para justificar a invasão de domicílio quando se uniu a outros fatores concretos que indicaram a ocorrência de crime.

No HC 845.181, o homem que correu para dentro da casa foi reconhecido como pessoa alvo de mandado de prisão. Além disso, policiais notaram odor de maconha no local.

No AREsp 2.066.247, a denúncia anônima apontou uma casa que teria sido alugada para servir de ponto de tráfico. No local, policiais viram um homem lançar um objeto para dentro do imóvel antes de entrar nele. A invasão levou à apreensão de drogas.

Já no AREsp 2.308.203, os policiais viram o suspeito arremessar uma arma para o imóvel vizinho antes de entrar na própria casa. Em todos esses casos, a ação policial sem autorização judicial foi validada.

HC 871.254 (5ª Turma do STJ)
HC 878.657 (5ª Turma do STJ)
HC 835.741 (5ª Turma do STJ)
HC 845.181 (6ª Turma do STJ)
AREsp 2.066.247 (6ª Turma do STJ)
AREsp 2.066.247 (6ª Turma do STJ)
HC 169.788 (Plenário do STF)
RE 1.447.032 (1ª Turma do STF)
RHC 229.514 (2ª Turma do STF)

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