Opinião

A correta leitura sobre o termo inicial para ajuizamento da ação rescisória

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26 de abril de 2024, 20h35

Às vezes somos instados a fazer constrangimento epistemológico em embargos de declaração. Isso não seria necessário se o tribunal apenas observasse e cumprisse o texto legal.

Não é demais pedir que “antes de dizer algo sobre o texto da norma, deixe que o mesmo lhe diga algo”. O jurista, professor e advogado Lenio Streck fala muito sobre essas coisas em seus textos na coluna Senso Incomum, nesta ConJur.

E quando são necessários dois embargos de declaração para requerer o óbvio e que se faça a coisa certa na aplicação da regra?

Recentemente acompanhei um caso julgado pela Subseção II Especializada em Dissídio Individuais do Tribunal Superior do Trabalho (ROT – 298-02.2018.5.05.0000).

Trata-se de acórdão proferido em recurso ordinário contra decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região que acolheu a decadência e extinguiu a ação rescisória.

Para o TRT-5 o termo inicial do prazo decadencial para ajuizamento da ação rescisória conta-se da data do trânsito em julgado da decisão rescindenda. No processo de origem do caso em comento, o prazo para interposição de recurso em face da decisão rescindenda encerrou-se em 21/3/2016. O trânsito em julgado da decisão rescindenda ocorreu no dia seguinte 22/3/2016.

Para o TRT-5 o prazo decadencial começou no dia 22/3/2016, portanto, o autor teria até 22/3/2018 para ajuizar a ação rescisória. Como a ação foi ajuizada no dia 23/03/2018, ocorreu a decadência.

O entendimento da SDI-II do TST

Contudo, ao julgar o recurso ordinário do autor, a Subseção II Especializada em Dissídio Individuais do TST, entendeu que o prazo decadencial para a propositura da ação desconstitutiva iniciou-se no dia seguinte ao trânsito em julgado, ou seja, em 23/3/2016. Por isso, a SDI-II, entendeu, que, tendo ação rescisória sido ajuizada em 23/3/2018, último dia do prazo decadencial de dois anos, não está configurada a decadência.

Spacca

Para tanto, a SDI-2 citou precedente do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do AgRg na AR 3.792/PR, 1ª Seção, rel. min. Mauro Campbell Marques, DJe 4/9/2014, bem como fundamentou suas razões com amparo na Súmula 100, I, do Tribunal.

Precedente em sentido contrário

Ocorre que a SDI-II deixou de observar que o precedente do STJ (AgRg na AR 3.792/PR), expressa entendimento contrário sobre quando começa a contagem do prazo decadencial para ajuizamento da ação rescisória.

No julgamento do AgRg na AR 3.792/PR, a 1ª Seção STJ, sob relatoria do ministro Mauro Campbell Marques (DJe 4/09/2014), fundamentou que “O termo ‘a quo’ para o ajuizamento da ação rescisória coincide com a data do trânsito em julgado da decisão rescindenda.

Ao passo que o STJ entende que o termo inicial para ajuizamento da ação rescisória coincide com a data do trânsito em julgado, o acórdão proferido pela SDI-2 do TST, entendeu que termo inicial se dá no dia seguinte ao trânsito em julgado.

Verifica-se que a SDI-2 adota como razão de decidir julgado do STJ que possui entendimento oposto e em conformidade com o CPC.

O entendimento do STJ expressa a vontade do legislador conforme hipótese normativa do Art. 975 do CPC, que ‘O direito à rescisão se extingue em 2 (dois) anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo’.

A norma processual diz exatamente o que reproduziu o STJ no julgamento AgRg na AR 3.792/PR, 1ª Seção, rel. min. Mauro Campbell Marques, DJe 4/09/2014, de que o direito à rescisão se extingue em dois anos contados do trânsito em julgado. A norma não diz que o termo inicial se dará no dia subsequente à data do trânsito em julgado.

Salienta-se que no julgamento do REsp 1.112.864/MG, submetido ao rito do artigo 543-C do CPC/1973, o STJ firmou a compreensão de que o termo a quo para o ajuizamento da ação rescisória coincide com a data do trânsito em julgado da decisão rescindenda, que, por sua vez, dá-se no dia imediatamente subsequente ao último dia do prazo para o recurso em tese cabível (Súmula 401 do STJ).

Compreensão seguida no julgamento do AR 5.931/SP, relator ministro Paulo de Tarso Sanseverino (Ratificação de voto; 2ª Seção, DJe 21/06/2018), na Ação Rescisória Nº 7667 – SE (2024/0038681-8), relator ministro Herman Benjamin (DJ 27/02/2024) e Agravo em Recurso Especial nº 2.473.909 – PR (2023/0317312-1), relator ministro Herman Benjamin (DJ 11/3/2024).

SDI-2 do TST e a aplicação equivocada do precedente do STJ

Apesar do inequívoco e cristalino entendimento do STJ sobre a questão, em consonância com o artigo 975 do CPC, a SDI-2 do TST resolveu negar provimento aos embargos de declaração.

Apesar do apelo horizontal apontar o óbvio e a coisa certa a ser feita, a  SDI-2 não se pronunciou de forma clara se o termo a quo para ajuizamento da ação rescisória coincide com a data do t rânsito em julgado ou se dá no dia seguinte à data do trânsito em julgado. Para tanto, foram opostos novos embargos de declaração para que a SDI-2 se manifeste sobre a correta ratio decidendi do STJ e a hipótese normativa do artigo 975 do CPC.

De acordo com o artigo 489, §1º, V do CPC, “Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: (…) se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;”.

A SDI-2 do TST invocou precedente do STJ, porém, não demonstrou que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos.

Assim, a SDI-2 do TST incorreu em má aplicação do precedente do STJ, bem como disse o que o artigo 975 do CPC não diz.

Portanto, incorreta a decisão da SDI-2 do TST no sentido que o termo a quo para ajuizamento da ação rescisória se dá no dia seguinte ao trânsito em julgado.

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