Nova tipificação

TJ-BA afasta vulnerabilidade de vítima de estupro cometido por 'guru'

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13 de março de 2024, 7h31

O estupro de vulnerável (artigo 217-A do Código Penal) exige que seja incontestável a incapacidade da vítima de oferecer resistência, por qualquer meio, exceto aos menores de 14 anos, hipótese em que a lei presume a vulnerabilidade. Com essa fundamentação, a 2ª Turma da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) alterou para estupro (artigo 213 do CP) a capitulação jurídica dos fatos atribuídos a um autointitulado “guru espiritual”.

Tribunal de Justiça da Bahia considerou que não houve estupro de vulnerável no caso

“A causa impeditiva de oferecimento de resistência, para fins de caracterização da vulnerabilidade, exige prova incontrastável de que a vítima não pode oferecer resistência, situação absolutamente diversa da que se acha retratada nos autos, onde restou patente que a ofendida se opôs, o quanto podia, às investidas do seu agressor”, assinalou o desembargador Pedro Augusto Costa Guerra. Conforme o julgador, a vítima reagiu “de forma contundente”, mas foi vencida pela superioridade física do réu.

Acusado de abusar de uma seguidora, o homem foi condenado a 13 anos e quatro meses de reclusão, em regime inicial fechado, por estupro de vulnerável, pela juíza Maria Fátima Monteiro Vilas Boas, da 3ª Vara Criminal de Salvador. O Ministério Público recorreu para pedir a elevação da pena. A defesa também apelou e solicitou a absolvição pela fragilidade probatória ou, subsidiariamente, a desclassificação para o crime de violação sexual mediante fraude (artigo 215 do CP).

Relatora dos recursos, a desembargadora Soraya Moradillo Pinto negou provimento ao apelo defensivo e acolheu parcialmente o do MP, majorando a pena do réu para 17 anos e seis meses de reclusão. No entanto, o desembargador Pedro Guerra abriu a divergência e o seu voto obteve a maioria do colegiado para mudar a tipificação do crime, nos termos do artigo 383 do Código de Processo Penal. Como consequência, houve o redimensionamento da pena para 12 anos de reclusão.

Conforme o artigo 383 do CPP, “o juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave”. Segundo o acórdão, a alteração se justifica pela “demonstração da falta de consentimento da vítima para o ato sexual, com utilização da força física pelo recorrente, somada à falta de demonstração de vulnerabilidade da ofendida”.

‘Cura da homossexualidade’

O autor do voto vencedor ressalvou que a inexistência da situação de vulnerabilidade não implica, “nem de longe, na atipicidade da conduta abjeta imputada ao réu, por todos os títulos absolutamente reprovável e, pois, merecedora de condenação”. Reforçando que houve o emprego de violência, Guerra rejeitou o pedido da defesa de desclassificação para o delito do artigo 215 do CP, conhecido como “estelionato sexual”, no qual a vítima cede ao abuso por estar envolvida pela fraude do autor.

Conforme o acórdão, as provas demonstram que a ofendida, de forma livre e consciente, foi ao apartamento do acusado para um “tratamento de cura da homossexualidade”. Porém, com a vítima já dentro do imóvel, o réu a constrangeu com violência e graves ameaças para manter com ele relação sexual. Por esse motivo, na dosimetria da pena na sentença, foi reconhecida a causa de aumento do artigo 226, inciso IV, “b”, do CP, cabível se o crime é cometido “para controlar o comportamento social ou sexual da vítima”.

Essa causa de aumento é denominada de “estupro corretivo”. Com a ressalva de considerá-la pertinente devido à suposta intenção do réu de “tratar o lesbianismo” da vítima, Pedro Guerra a afastou na emenda porque ela foi introduzida ao Código Penal pela Lei 13.718, em 2018. “A adoção da referida lei configuraria lex gravior, o que afasta sua incidência ao caso dos autos — ocorrido no final do ano de 2017, em homenagem ao princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa.”

Entretanto, o desembargador considerou viável a aplicação da causa de aumento de pena prevista no artigo 226, inciso II, do CP, “vigente à época do fato, provada a condição de preceptor da vítima (mentor e pai espiritual)”. Segundo o julgador, era “notória” a autoridade que o réu exercia sobre a jovem, sem que essa submissão signifique vulnerabilidade dela, “senão todo fiel seria vulnerável”. Além disso, Guerra destacou que um laudo não comprovou a suscetibilidade da ofendida para fins do crime do artigo 217-A.

Processo 0511343-20.2020.8.05.0001

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