Opinião

Crise imigratória dos EUA está no holofote das eleições presidenciais

Autor

  • João Mateus Loyola

    é advogado de imigração na Gondim Law Corp licenciado pela Ordem dos Advogados do Estado da Califórnia desde 2022 membro da American Immigration Lawyers Association (AILA) e membro do USCIS Liaison Committee.

12 de março de 2024, 18h27

A “Superterça”, no último dia 5 de março, momento decisivo para as primárias presidenciais dos Estados Unidos, consagrou o que já era esperado: Joe Biden e Donald Trump são os principais concorrentes à corrida presidencial que acontecerá no dia 5 de novembro.

Nessa disputa, a questão imigratória (36%) emerge como elemento-chave, estando no topo das preocupações eleitorais do país, seguido pela inflação (33%), de acordo com o monitoramento divulgado no final de fevereiro pelo Harvard Caps-Harris, centro de estudos políticos da Universidade de Harvard.

A preocupação dos eleitores estadunidenses vai ao encontro da crise migratória global. O ano de 2023 foi considerado o mais fatal para a população migrante, de acordo com a Organização Internacional para as Migrações (OIM).

Ao todo, foram registradas mais de 8 mil mortes sob a ameaça de subnotificação. Dentro deste cenário, os holofotes se voltam aos Estados Unidos, especialmente para a perigosa travessia do estreito de Darién, porção de floresta conhecida como a “Selva da Morte”, entre a Colômbia e o Panamá. Neste ano, segundo dados da ONU, mais de 23 mil pessoas tentaram arriscar suas vidas em direção aos EUA através desse trajeto.

As novas leis estaduais promulgadas em estados como a Flórida e o Texas que visam à prisão, deportação e fiscalização contra imigrantes ilegais, também adicionam uma camada de complexidade ao debate imigratório. Essas leis têm gerado controvérsia e críticas por parte de grupos de direitos humanos e defensores dos imigrantes, que argumentam que tais medidas são discriminatórias e ilegais, uma vez que permitiriam que os estados criassem suas próprias versões de leis imigratórias, uma prerrogativa exclusiva do Congresso norte-americano.

Michael Vadon

A piora da crise imigratória em solo norte-americano soma-se à complexidade dos processos de asilo, demora no processamento dos pedidos e a situação de imigrantes indocumentados que já residem no país.

Em 2021, esta população era de 10,5 milhões, sendo a maior parte deles (4,1 milhões) provenientes do México, seguidos de El Salvador (800 mil), Índia (725 mil) e Guatemala (700 mil), conforme revelaram os dados do Pew Research Institute.

O cenário é um prato cheio para o ex-presidente Donald Trump, conhecido por usar habilmente a questão da imigração como uma ferramenta para promover suas campanhas eleitorais e mobilizar sua base de apoiadores.

Para as eleições de 2024, já ficou evidente que o candidato seguirá essa estratégia. Isso porque, segundo um estudo recente do Instituto Gallup, que ouviu mais de mil norte-americanos, a principal queixa de eleitores que rejeitam o atual presidente dos Estados Unidos é justamente a imigração ilegal.

Trump leva a melhor nessa disputa

Com posicionamento anti-imigrante, o republicano celebrou a vitória na “Superterça” com a seguinte declaração: “Nossas cidades estão enfrentando a violência dos imigrantes. Eles estão entrando em conflito com policiais nas ruas. Se fizessem isso em seus países de origem, seriam mortos. O mundo está zombando de nós”. Trump também se comprometeu a deportar “assassinos e traficantes”, referindo-se aos imigrantes que, segundo ele, estariam sendo “despejados” nos EUA.

O atual presidente também abordou a questão da imigração durante sua visita ao Texas durante a “Superterça”. Ele defende que o Congresso aprove leis que permitam ao presidente fechar a fronteira em momentos de grande influxo de pessoas, o que não parece suficiente para agradar grande parte do eleitorado, que dizem querer medidas mais duras para impedir a entrada de pessoas indocumentadas no país.

A incerteza em torno das políticas imigratórias sob uma possível segunda presidência de Trump pode desencadear ansiedade e instabilidade entre os imigrantes e suas famílias, bem como na comunidade em geral. Durante seu mandato, o republicano se demonstrou um defensor ferrenho de medidas como a construção de um muro na fronteira com o México, a proibição de entrada de cidadãos de determinados países de maioria muçulmana e o fim do programa Daca (Deferred Action for Childhood Arrivals), que protegia jovens imigrantes conhecidos como “dreamers” da deportação. Entre uma série de políticas imigratórias rigorosas e controversas, muitas foram contestadas legalmente.

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Além disso, desde 2019, quando a lei conhecida como “Title 42” foi implementada pela administração de Trump, o governo norte-americano passou a deportar imediatamente imigrantes detidos na fronteira, retirando deles o direito a pedidos de asilo ou refúgio junto à Corte Federal de Imigração. Quando Joe Biden chegou ao poder, em 2021, havia a expectativa de que esta lei fosse derrubada, algo que, devido a disputas políticas entre republicanos e democratas, ocorreu somente em 2023.

Impacto em brasileiros

É importante ressaltar que leis mais rígidas, como promete Trump, impactam os imigrantes brasileiros indocumentados nos EUA, que representam 2% dessa população, segundo o Pew Research Institute. O Departamento Americano de Alfândega e Proteção Fronteiriça estima que, somente em 2022, foram apreendidos cerca de 24 mil brasileiros que buscavam entrar ilegalmente nos EUA, em sua maioria homens entre 20 e 40 anos de idade, que relataram ter sofrido maus-tratos e falta de produtos básicos de higiene e alimentação enquanto aguardavam pela deportação nos centros de detenção do governo.

Segundo a Polícia Federal do Brasil, 2022 foi o ano com o maior número de brasileiros repatriados dos Estados Unidos: 4.516 pessoas. Desde 2019, todas as semanas pelo menos um voo vindo dos EUA aterrissa em solo brasileiros trazendo imigrantes que foram deportados, totalizando mais de 9 mil pessoas neste período. A maioria deles, cidadãos brasileiros que tentaram atravessar o deserto mexicano.

Em meio a esse cenário, é fundamental buscar uma abordagem equilibrada e compassiva para lidar com a crise imigratória nos Estados Unidos. Isso envolve não apenas a aplicação consistente da lei, mas também a proteção dos direitos humanos, a promoção da integração dos imigrantes na sociedade e a busca por soluções políticas abrangentes que abordem as causas subjacentes da migração ilegal.

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  • é advogado de imigração na Gondim Law Corp, licenciado pela Ordem dos Advogados do Estado da Califórnia desde 2022, membro da American Immigration Lawyers Association (AILA) e membro do USCIS Liaison Committee.

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