Justo Processo

O aprimoramento do juízo oral para a adequação do sistema acusatório

Autores

  • Denis Sampaio

    é defensor público titular do 2º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro doutor em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Lisboa (Portugal) mestre em Ciências Criminais pela Ucam-RJ investigador do Centro de Investigação em Direito Penal e Ciências Criminais da Faculdade de Lisboa membro consultor da Comissão de Investigação Defensiva da OAB-RJ membro honorário do Instituto dos Advogados Brasileiros professor de Processo Penal e autor de livros e artigos.

  • Gina Ribeiro Gonçalves Muniz

    é mestre em Ciência Jurídico Criminais pela Universidade de Coimbra e defensora pública do estado de Pernambuco.

  • Daniel Ribeiro Surdi de Avelar

    é juiz auxiliar da presidência do CNJ mestre e doutorando em Direitos Fundamentais e Democracia (UniBrasil) e professor de Processo Penal (UTP Emap Ejud-PR).

17 de fevereiro de 2024, 8h00

No seguimento da nova roupagem da nossa coluna semanal, o Tribunal do Júri foi e será o grande laboratório de vivificação e reflexões sobre as atividades processuais no sistema (democrático) de justiça criminal.

Para além da formação da decisão final através da participação popular, podemos extrair inúmeras situações que transmitem uma reserva democrática de atuação das partes e dinâmica probatória, em especial pela segunda fase do procedimento do júri, pois eminentemente oral.

Mas a ampliação é necessária para refletirmos sobre outros pontos do nosso direito e processo penal, sempre tangenciados pela justiça popular que resultou na nossa união acadêmica.

Seguimos, portanto, no aprimoramento das ideias para a busca da proposta final da nossa coluna com o nome proposital:  o “Justo Processo”.

Discussão probatória
Nesta linha de reflexão, a discussão probatória indica um dos pontos de maior realce no trâmite processual justamente porque possui a função precípua de formação do conhecimento fático e o seu controle para a edificação de uma decisão penal justa e proteção de inocentes.

Esta frase, de certo aporte retórico, diz muito em que tudo se espelha e se espera no término da situação processual.

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Porém, é a partir dela que devemos, contemporaneamente, pensar na dinâmica envolvida às partes. Suas características, funções e objetivos, são portadoras de realce à influência material na formação da decisão penal.

Dirigimos, portanto, a relevância individual de cada parte na discussão processual e, naturalmente probatória, na medida em que já passamos da hora de pensar o dinamismo do processo com a direção exclusiva ou prevalente do julgador. Não devemos resvalar a função acusatória (apenas na pretensão punitiva) e a defesa na pretensão de resistência.

O confronto necessário para advir múltiplas informações relevantes e argumentos essenciais à formação do conhecimento demanda muito e será na produção probatória perante o juízo oral seu ponto de maior contato.

Essa reflexão identifica (ou deveria identificar) que a oralidade seria um dos princípios estruturantes do sistema acusatório e da formação do conhecimento judicial.

A partir deste contexto, há o reconhecimento de geração de efeitos e consequências teóricas e práticas na dinâmica do modelo de julgamento e da própria gestão da justiça.

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Para além da divisão das atribuições identificadas na Constituição de 1988, o sistema acusatório está estampado no nosso Código de Processo Penal através do artigo 3º- A com a inclusão pela Lei 13.964/2019

É fato que o Supremo Tribunal Federal no julgamento das ADIs 6.298, 6.99, 6.300 e 6.305 declarou o disposto constitucional, mas fez uma  ressalva “atribuir interpretação conforme ao art. 3º-A do CPP, incluído pela Lei nº 13.964/2019, para assentar que o juiz, pontualmente, nos limites legalmente autorizados, pode determinar a realização de diligências suplementares, para o fim de dirimir dúvida sobre questão relevante para o julgamento do mérito”.

Neste ponto, o STF não avançou quanto a outro principal ponto caracterizador do sistema acusatório: a gestão da prova penal. Manteve, de certa forma, os já criticados artigos 156, 209 e 212, parágrafo único do CPP.

Em outras palavras, ainda temos muito que lutar para avançar como advertiu Aury, Jacinto e Alexandre (veja o importante artigo aqui)!!

Reforma do CPP
Ainda que haja uma clara necessidade de reforma total do Código de Processo Penal e, principalmente, a mudança cultural no sistema de justiça, o que está textualizado no referido dispositivo não pode possuir apenas um efeito simbólico.

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Deve estar arraigado da estrutura prática que realce os consequentes dispositivos processuais penais e sua aplicação prática através da “estrutura” acusatória (as aspas estão ilustrando as palavras do dispositivo legal).

Seguindo nesta linha, uma das propostas do modelo acusatório se dirige ao afastamento do processo-fascículo para que se alcance um processo-audiência, estabelecendo, portanto, a oralidade como regra e critério da gestão da justiça e atribuição das partes, o que foi inclusive um dos motes da reforma de 2008 através das Lei 11.719.

A oralidade e imediatividade probatória são, assim, consideradas pré-requisitos para a formação da estrutura básica de um modelo acusatório que resulta em um processo democrático e justo. [1]

De fato, nosso contexto atual identifica uma mudança significativa na dinâmica processual e probatória.

As novas tecnologias mudaram a forma como vivemos e nos comunicamos (por exemplo, o telefone atualmente possui múltiplas funções, talvez a menor dela seja a realização da transmissão bidirecional da voz). Consequentemente, as provas digitais resultam em importantes ferramentas para a comprovação e refutação de proposições fáticas.

Logo, a preocupação com a higidez deste novo modelo de prova, através do controle da cadeia de custódia, ganha grande relevo na dinâmica processual atual (vide artigos 158-A e seguintes do CPP também introduzidos pela Lei 13.964/2009).

Porém, ainda que estejamos diante de uma visível metamorfose dos elementos de prova, o juízo oral ainda reserva — e deve reservar mesmo — seu principal e essencial espaço de controle sobre as informações advindas desses meios.

Com todas as reservas que o atual estudo sobre a psicologia do testemunho nos fornece sobre a lisura e credibilidade da narrativa das testemunhas, será na audiência o ambiente necessário para aferir sobre o grau de credibilidade da testemunha e o grau de coerência da sua narrativa.

Da mesma forma, a exposição dos métodos utilizados pelos experts, inclusive sobre prova digital, deve ocorrer em audiência, na medida em que as partes, em especial a defesa, conseguem exercer sua função constitucional de controle da qualidade da prova apresentada em juízo.

Por fim, e como complemento da ampla defesa através da autodefesa, está na ambiência da audiência a única chance do acusado na exposição da sua versão.  

Formação concentrada de provas
Destarte, a oralidade não se resume à realização de atos não escritos, mas à formação concentrada da prova naquela ambiência, com a realização de todas as argumentações das partes com objetivo na consolidação do contraditório-influência (e não apenas referência e presença formal) para a coparticipação da decisão penal que dever(ria) ser oral e no mesmo momento.

No mesmo foco de interação, o processo penal é regulado pelo princípio (método) do contraditório na formação do debate probatório, formando um juízo negativo da prova quando ausente o seu exercício.

Por isso, o princípio (método) do contraditório possui também conotação negativa, como regra de exclusão, justamente porque “a impossibilidade de provar a responsabilidade sobre a base de declarações de quem por livre escolha se fosse sempre subtraído o contra-exame seria implícita na mais geral proibição de utilizar como prova declarações obtidas fora do contraditório” [2].

Ou seja, a legitimidade ou mesmo a caracterização do ato como prova somente ocorrerá diante do contraditório [3] e efetivado, prevalentemente, em um juízo oral.

Mas será em seu viés positivo no qual o contraditório se estrutura com o [direito a prova] figurativa na paridade entre as partes, em que uma das partes não poderá ver sua proposta probatória arbitrariamente excluída do material a ser analisado pelo juiz para fundamentar sua tese acusatória ou defensiva.

Nesta linha, será justamente a partir do [direito a prova] em que a parte participará de todo o iter da formação das provas constituídas, figurativa em um `processo de partes` fundado sobre o principio dispositivo probatório [4].

Na realidade, a função cognitiva do contraditório segue sempre na linha de aproximação dialética entre as partes para a estruturação dos meios necessários à busca da qualidade da decisão penal. Daí o processo-audiência seguir como uma das principais características da estrutura acusatória.

A partir desse contexto, é possível entender o princípio da oralidade em contato com o método do contraditório. Ou seja, com a defesa da formação e desenvolvimento da prova através do contraditório, tendencialmente afirma-se que a prova somente poderá ser formada e produzida quando identificado o princípio da oralidade, salvo algumas exceções práticas.

Por isso, o caminho necessário para essa identificação dar-se-á pela valorização prática da oralidade, justamente para aproximar os elementos de prova de todos os sujeitos e não apenas do julgador, pela simples garantia da efetividade prática do contraditório e da imparcialidade do julgador que formam a base necessária para a estrutura acusatória (voltemos ao art. 3º.,- A, CPP)

Reforça-se que, além do artigo 3º.­-A do CPP, denota-se premente que a nossa cultura processual penal de matriz (ainda) inquisitória seja embevecida pelo viés acusatório.

Nesta linha, o resultado da regra da oralidade como característica identificadora da estrutura acusatória deve ser identificado na prática.

Não só pela assimilação de atos orais, mas a realização efetiva e responsável de atribuição das partes para a consolidação do controle das informações que formam o conhecimento processual e coproduzem a decisão penal.

O artigo 3º.- A do CPP — a consolidação normativa do sistema acusatório — nos brinda com avanços, mas impõe a todos, em especial às partes, uma maior responsabilidade e efetividade na atuação em audiência, tema que enfrentaremos em outras oportunidades.

Torna-se, portanto, necessário o aprimoramento e efetiva capacitação (individual e das próprias instituições) para a adequação ao juízo prevalentemente oral objetivando o fortalecimento do contraditório, imparcialidade do julgador e a adequação ao sistema acusatório.

_______________

[1] AMBOS, Kai. Treatise on International Criminal Law. Vol. III: Internacional Criminal Procedure. New York: Oxford University Press, 2016, p. 461.

[2] FERRUA, Paolo. La regola d’oro del processo accusatorio: l’irrilevanza probatoria delle contestazioni. In Il Giusto Processo. Tra contraddittorio e Diritto al silenzio. Roberto E. Kostoris (org.)Torino: G. Giappichelli Editore, 2002, p. 07 .

[3] FRIGO, Giuseppe. “Giusto Processo” e funzione della difesa. In Il Giusto Processo. Tra contraddittorio e Diritto al silenzio. Roberto E. Kostoris (org.)Torino: G. Giappichelli Editore, 2002, p. 390.

[4] GAROFOLI, Vicenzo. Istituzioni di Diritto Processuale Penale. 2a. ed. Milano> Giuffre Editore, 2006, p. 191.

Autores

  • é defensor público, titular do 2º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro, doutor em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Lisboa (Portugal), mestre em Ciências Criminais pela Ucam-RJ, investigador do Centro de Investigação em Direito Penal e Ciências Criminais da Faculdade de Lisboa, membro consultor da Comissão de Investigação Defensiva da OAB-RJ, membro honorário do Instituto dos Advogados Brasileiros e professor de Processo Penal e autor de livros e artigos.

  • é defensora pública do estado de Pernambuco e mestre em Ciência Jurídico Criminais pela Universidade de Coimbra.

  • é juiz auxiliar da presidência do CNJ, mestre e doutorando em Direitos Fundamentais e Democracia (UniBrasil) e professor de Processo Penal (UTP, Emap, Ejud-PR).

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