Peço indeferimento da pergunta formulada por V. Exa na inquirição da testemunha
13 de maio de 2024, 6h03
O advogado da parte interessada tem legitimidade para pedir indeferimento da pergunta formulada pelo magistrado na inquirição das testemunhas “que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com as questões de fato objeto da atividade probatória ou importarem repetição de outra já respondida”.
O texto legal, artigo 459 do Código de Processo Civil, tem a finalidade de permitir ao juízo indeferir perguntas formuladas pelo advogado, e essas perguntas, se indeferidas, “serão transcritas no termo, se a parte o requerer” (CPC, artigo 459, § 3º).
Questionamos, então: se o juízo incorrer nos mesmos equívocos previstos no disposto do artigo 459, poderia o advogado requerer o indeferimento das perguntas formuladas pelo magistrado? Entendemos que sim. O título do presente artigo é provocativo, mas atinge um ponto essencial, que é o possível protagonismo equivocado do julgador na colheita de provas; tema esse, penso, pouco explorado pelos processualistas civis.
Já no processo penal, o assunto é, no meu entendimento, mais bem positivado. Veja o disposto no artigo 212: “As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida. Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição ”.
No processo penal, portanto, o papel do juiz é complementar, e não de protagonismo. No processo civil, por sua vez, eventual protagonismo não é previsto nem positivado no código.
Vieses cognitivos de crença e prejulgamentos
O tema é da mais alta importância, mesmo alguns podendo pensar que não. Já vi vários amigos advogados falando: “gosto daquele magistrado, já faz todas as perguntas e praticamente não sobra nada para fazer”. A afirmação, como mencionei, merece muita atenção.
O julgador é humano e, assim sendo, demonstra que vieses cognitivos na tomada de decisões são amplamente aplicados (o presente artigo não irá abordar e explicar o que são vieses cognitivos, mas recomendamos a leitura sobre o tema). Assim, por exemplo, um juiz que deferiu uma liminar no início do processo poderá subjetivamente direcionar suas perguntas para confirmar sua assertividade de deferimento da liminar no início [1]. Essa é só uma das diversas hipótese de vieses cognitivos.

Essa afirmação que faço não é no sentido de dolo (resguarde-se que pode até ser), mas, no geral, vieses cognitivos podem ocorrer sem ao menos o magistrado perceber, levando-o involuntariamente a fazer perguntas ou conduzir a instrução para confirmar seus vieses cognitivos de crença, prejulgamentos e temas afins.
Sujeição do magistrado
O assunto é altamente complexo —poderes instrutórios do magistrado que tornam o processo mais inquisitório, acusatório, adversarial ou cooperativo—, mas a intenção do presente recorte do artigo é confirmar a possibilidade de o advogado registrar protesto ou mesmo pedir indeferimento da pergunta formulada pelo magistrado na inquirição de testemunhas. Sendo o protesto do advogado acolhido, a pergunta não será formulada, e sendo indeferido, o protesto do advogado constará em ata (CPC, artigo 459, § 3º). A pergunta será então formulada e a testemunha a responderá—posteriormente, entendendo assim pertinente, poderá o advogado apresentar suas razões para recurso (provavelmente em recurso de apelação).
Penso, assim, que o papel do magistrado na inquirição das testemunhas é “complementar” (expressão essa, por exemplo, do Código de Processo Penal). Importante também destacar aqui que não cabe a máxima (já muito desatualizada) de que o magistrado é o destinatário da prova, porque definitivamente não é [2].
Em resumo, entendemos pertinente ao magistrado estar também sujeito ao conteúdo do disposto no artigo 459 do Código de Processo Civil, e, assim sendo, (1) não dever fazer perguntas que possam induzir a resposta; (2) não fazer perguntas que não tenham relação com as questões de fato e sejam objeto da atividade probatória; e (3) também não dever fazer perguntas que importarem em repetição de outras já respondidas.
Como afirmado, esse é recorte do presente artigo, mas o assunto também contempla temáticas gerais da mais alta importância, como poderes do magistrado, vieses cognitivos, o potencial de o processo ser mais inquisitório, acusatório, adversarial ou cooperativo, ou seja, todos temas que poderão e deverão ser tratados pelo autor em uma próxima oportunidade [3].
[1] Ver estudo sobre o tema em COSTA, Eduardo José da Fonseca. Levando a Imparcialidade a Sério: Proposta de um Modelo Interseccional Entre Direito Processual, Economia e Psicologia. Salvador: Juspodivm 2018.
[2] Muitos estudos já afirmam este fato: o magistrado não é o único destinatário das provas. Sobre o tema, também já escrevemos em FUGA, Bruno Augusto Sampaio. Produção Antecipada da Prova: Procedimento Adequado Para a Máxima Eficácia e Estabilidade. Londrina: Thoth, 2023.
[3] Indicamos desde já estudos do autor em FUGA, Bruno Augusto Sampaio. Produção Antecipada da Prova: Procedimento Adequado Para a Máxima Eficácia e Estabilidade. Londrina: Thoth, 2023
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