dois brancos, um negro

Para ser válido, reconhecimento deve ser feito com pessoas parecidas, diz STJ

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9 de maio de 2024, 20h34

Para ser válido, o procedimento de reconhecimento pessoal do suspeito de um crime deve ser feito com pessoas parecidas entre si, de modo a evitar sugestões que possam influenciar a decisão da vítima ou da testemunha.

Condenação foi anulada por causa de problemas com o reconhecimento

Com esse entendimento, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça absolveu um homem condenado a 49 anos, dois meses e 23 dias de prisão pelo roubo e estupro de três pessoas, crimes cometidos em 2009.

A condenação foi confirmada em 2020. Posteriormente, as vítimas procuraram a imprensa local para afirmar que não reconheciam o acusado como autor dos crimes, o que levou a uma tentativa frustrada de revisão criminal.

O Tribunal de Justiça do Pará entendeu que havia nos autos provas suficientes para manter a condenação. No STJ, além da retratação da vítima, a defesa apontou que houve desrespeito ao rito que o Código de Processo Penal fixa para o reconhecimento pessoal.

A pessoa que cometeu o crime tinha pele escura, segundo as vítimas, e o reconhecimento foi feito com a apresentação de dois homens brancos e um negro.

Assim não dá

O artigo 226, inciso II, do CPP indica que a pessoa que precisa ser reconhecida deve ser colocada “se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la”.

Relator da matéria na 5ª Turma, o ministro Ribeiro Dantas apontou que o objetivo da norma é evitar sugestões que possam influenciar a decisão da testemunha, principalmente relacionadas às falsas memórias.

“Colocar pessoas brancas e uma negra para o reconhecimento, sendo que o suspeito é negro, viola esse dispositivo legal, pois tal arranjo não atende ao requisito de semelhança entre os indivíduos colocados para o reconhecimento”, destacou o magistrado.

“Nesse cenário, a composição descrita leva a uma sugestão implícita, em que a presença de uma minoria de indivíduos que compartilham características físicas com o suspeito (neste caso, a cor da pele) induz a testemunha a selecionar o suspeito baseado na distinção mais óbvia entre os participantes, em vez de uma identificação cuidadosa e detalhada”, acrescentou ele.

Em sua análise, ficam comprometidas a justiça e a precisão do processo de reconhecimento. Logo, é cabível o provimento ao recurso especial para reconhecer a ilicitude do reconhecimento e decretar a absolvição do réu.

Essa posição é condizente com a forma como o STJ vem tratando os casos em que o reconhecimento do réu é feito em desrespeito às regras do CPP.

Teses

No caso julgado, a 5ª Turma também se debruçou sobre a possibilidade de a retratação posterior da vítima autorizar a revisão criminal do condenado.

A conclusão foi de que a retratação dos ofendidos deve permitir o reexame da causa, especialmente quando as provas que embasaram a condenação são somente declarações e testemunhos, sem outras provas materiais.

No caso, a vítima que foi estuprada e participou do reconhecimento tinha nove anos à época dos fatos e depois, aos 22, disse que, na verdade, não tinha certeza sobre a autoria do delito porque o criminoso estava com o rosto coberto.

A 5ª Turma fixou duas teses no julgamento:

  1. Em delitos sexuais, a retratação da vítima autoriza a revisão criminal para absolvição do réu, quando o conjunto probatório se limita à sua declaração e a testemunhos, sem outras provas materiais;
  2. O procedimento de reconhecimento de pessoas, para sua validade, deve assegurar a semelhança física entre o suspeito e os demais indivíduos apresentados, conforme estabelece o art. 226, II, do CPP, evitando-se sugestões que possam influenciar a decisão da testemunha e comprometer o reconhecimento

AREsp 2.408.401

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