Aplicação extraterritorial

Decisão proíbe EUA de estender jurisdição para outros países em casos de corrupção

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1 de fevereiro de 2024, 8h22

Em maio do ano passado, a Suprema Corte dos Estados Unidos expediu duas decisões que anularam condenações por corrupção de um alto funcionário do governo do estado de Nova York e do proprietário de uma empresa de construção. São dois casos de suborno de autoridades governamentais, para levar vantagem em contratações de obras públicas.

Dirigentes do futebol mundial, muitos deles ligados à Fifa, podem pedir anulação de suas condenações

Em Percoco v. United States e em Ciminelli v. United States, a corte limitou a aplicação de dispositivos de lei federal que criminalizam atos que privam o governo de receber “serviços honestos” (honest services) — o que significa fraudar o interesse público.

O principal dispositivo em questão é o § 1.346 da consolidação das leis federais dos EUA (U.S.C.), definido como a “lei sobre fraude eletrônica a serviços honestos”. A norma proíbe pessoas de trair seus empregadores engajando-se em esquemas de suborno e propina com o objetivo de canalizar dinheiro para os próprios bolsos.

Outro dispositivo analisado pelas cortes é o § 1,343 da U.S.C., que define fraude eletrônica: resumidamente, a utilização de meios eletrônicos em um esquema ou artifício para cometer fraudes ou obter dinheiro.

Caminho das pedras
Essas decisões não tiveram grande repercussão, mas uma sentença da juíza federal Pamela Chen, em setembro de 2023, teve. Ela provocou uma reviravolta nos casos de altos dirigentes do futebol mundial e executivos de mídia que foram condenados e pagaram multas — algumas delas milionárias — por corrupção.

Em United States of America v. Full Play Group, S.A. and Hernán Lopez, a juíza se baseou nas duas decisões da Suprema Corte, tomadas meses antes, para anular as condenações de um executivo da Fox International Channels e de uma empresa de marketing argentina.

Eles foram acusados de subornar dirigentes da Conmebol (confederação de futebol da América do Sul) e da Concacaf (confederação das Américas do Norte e Central e do Caribe) para ganhar contratos de transmissão da Copa Libertadores da América, da Copa América e das Eliminatórias para a Copa do Mundo.

Essa decisão mostrou o caminho das pedras para vários dirigentes do futebol mundial, entre eles o brasileiro José Maria Marin, reclamarem a anulação de suas condenações e pedirem o reembolso das multas que pagaram.

Argumento fundamental
A juíza apresentou vários argumentos para anular a condenação dos réus. O mais importante deles foi o de que “depois das decisões da Suprema Corte (Ciminelli e Percoco), o § 1.346 não pode ser interpretado para abranger (casos de) suborno comercial estrangeiro”.

Ela explicou que a análise da jurisprudência sobre o § 1.346 apresenta “várias interpretações, às vezes confusas” sobre a lei de fraudes em serviços honestos. Elas se referem a 1) identidade do réu; 2) tipo de conduta; 3) fonte do dever de lealdade; e 4) localização do esquema de suborno.

No entendimento da juíza sobre a localidade do esquema de suborno, o Congresso não teve a intenção de determinar que o direito intangível a serviços honestos engloba subornos de autoridades estrangeiras em países estrangeiros.

A juíza aceitou o argumento dos réus de que a lei que proíbe fraudes em serviços honestos não pode ser aplicada extraterritorialmente. E também o de que a lei é inconstitucionalmente vaga, como aplicada a eles.

No entanto, há armadilhas da norma para supostas localizações extraterritoriais do esquema de suborno. A aplicação da lei é possível, por exemplo, se o réu tiver feito transferência bancária de dólares originada nos Estados Unidos ou destinada a conta bancária nos Estados Unidos.

Elementos da fraude
A juíza explica a terminologia dos elementos da fraude, sendo o primeiro deles o esquema ou artifício:

“Em comércio interestadual ou internacional, quaisquer comunicações por meio eletrônico na execução de esquema ou artifício para cometer fraude com a intenção de obter dinheiro ou propriedade, através de pretextos, promessas ou declarações falsas, pode configurar crime”.

Essas comunicações incluem as feitas por telefone, e-mail, mensagens, rádio, vídeo etc., bem como mensagens escritas, faladas, sinais ou fotos.

“Os termos esquema ou artifício incluem atos que visam a privar governos e organizações do direito intangível de serviços honestos e se limitam aos que envolvem subornos e propinas. Um esquema é um plano ou curso de ação com a intenção de concretizar esse propósito”, disse ela. “Fraude é um termo geral que abrange todos os vários meios que a engenhosidade humana pode conceber e aos quais um indivíduo recorre para obter vantagem sobre outro por meio de falsos pretextos, sugestões ou supressão da verdade.”

“Suborno e propina, no que se refere à lei, envolvem a troca de uma coisa ou coisas de valor por uma ação oficial de uma autoridade governamental. Em outras palavras, é um quid pro quo, uma frase do latim que significa isso por aquilo ou esses por aqueles”, completou a julgadora.

O segundo elemento de fraude eletrônica, segundo a juíza, é a intenção. “Ela se caracteriza quando o réu planeja ou participa do esquema sabendo o que está fazendo e com intenção específica de fraudar. Os termos conscientemente e intencionalmente são elementos distintos e essenciais nos termos da lei.”

Os procuradores precisam provar que o réu teve a intenção de causar dano econômico ou pecuniário ou que tal dano resultou, na verdade, de fraude. “Se a pessoa agiu conscientemente ou intencionalmente, com a intenção de fraudar, é uma questão de fato a ser determinado, como qualquer outra questão de fato.”

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