Falta a tese

STF forma maioria para que investigação do MP tenha tempo de inquérito policial

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25 de abril de 2024, 17h53

O Ministério Público tem competência para promover, por autoridade própria, investigações de natureza penal. A apuração, no entanto, pressupõe a comunicação ao juiz competente e a observância dos mesmos prazos previstos para a conclusão de inquéritos policiais.

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Minitros do STF encerrarão o julgamento da matéria na próxima semana

Esse é o entendimento da maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal. A corte analisa três ações questionando a competência do MP para apurações criminais.

Prevalece no julgamento o voto do ministro Edson Fachin, relator do caso. A análise foi interrompida nesta quinta-feira (25/4), mas será retomada na próxima semana para que os ministros estabeleçam a tese. 

O julgamento envolve três ações diretas de inconstitucionalidade. Na primeira (ADI 2.943), o Partido Liberal (PL) questionou dispositivos de leis que regem os MPs estaduais e o Ministério Público da União. A legenda afirmou que o artigo 25 da Lei Orgânica do MP é inconstitucional por permitir inquéritos civis e procedimentos administrativos.

Já as ADIs 3.309 e 3.318 foram ajuizadas pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil contra incisos do artigo 8 da Resolução 77/04. O diploma dispõe sobre organização, atribuições e estatuto do MP. E também permite a instauração e tramitação de procedimento investigatório criminal.

Comunicação e prazo

O caso começou a ser analisado no Plenário Virtual do Supremo, mas foi reiniciado presencialmente após pedido de destaque. Inicialmente, na análise virtual, Fachin e o ministro Gilmar Mendes, decano da corte, divergiam.

O julgamento foi retomado na quarta-feira (24/4) com um voto conjunto formulado pelos dois ministros. Segundo o posicionamento, fica estabelecido que, apesar da competência do MP para promover investigações de natureza penal, o juiz competente deve ser informado sobre a instauração e o encerramento dos procedimentos investigatórios.

O mesmo entendimento já havia sido fixado quando a corte decidiu pela validade do juiz das garantias. Na ocasião, ficou decidido que o MP deve informar o juiz sobre a existência de todo tipo de investigação criminal, inclusive as preliminares.


Na sessão de quarta, no entanto, a discussão sobre o tema foi aprofundada. O voto de Fachin e Gilmar estabelece, por exemplo, que a investigação deve respeitar o mesmo prazo previsto para a conclusão de inquéritos policiais e só pode ser prorrogada em prazo proporcional e com a devida motivação.

O inquérito policial tem prazo de dez dias em caso de indiciado preso e de 30 dias quando o investigado estiver em liberdade. Já o procedimento investigativo do MP tem prazo de 90 dias.

O voto também propõe a modulação de efeitos para que a necessidade de informar juízes comece a valer a partir da decisão. Já nos casos em que há investigação em andamento, mas não denúncia, o MP deve informar o juiz competente sobre a existência da apuração em até 60 dias a partir da publicação do acórdão do julgamento.

Além disso, ficou estabelecido no voto que o Ministério Público é obrigado a instaurar procedimento investigatório sempre que houver suspeita de envolvimento de agentes dos órgãos de segurança pública na prática de infrações penais ou sempre que mortes, ferimentos graves ou “outras consequências sérias ocorrerem em virtude da utilização de armas de fogo por esses mesmos agentes”.

Por fim, Fachin e Gilmar votaram para que a União, os estados e o Distrito Federal aprovem, em até dois anos, leis que confiram autonomia aos órgãos de perícia técnica, desvinculando a carreira do comando de polícia.

Os dois ministros propuseram a seguinte tese:

1) O Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso país, os advogados (Lei 8.906/1994, art. 7º, notadamente os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade – sempre presente no Estado democrático de Direito – do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Súmula Vinculante 14), praticados pelos membros dessa Instituição (tema 184);

2) A realização de investigações criminais pelo Ministério Público pressupõe (i) comunicação ao juiz competente sobre a instauração e o encerramento de procedimento investigatório, com o devido registro e distribuição; (ii) observância dos mesmos prazos previstos para conclusão de inquéritos policiais; (iii) necessidade de autorização judicial para eventuais prorrogações de prazo, sendo vedadas renovações desproporcionais ou imotivadas;

3) É obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional, a instauração de procedimento investigatório pelo Ministério Público sempre que houver suspeita de envolvimento de agentes dos órgãos de segurança pública na prática de infrações penais ou sempre que mortes, ferimentos graves ou outras consequências sérias ocorram em virtude da utilização de armas de fogo por esses mesmos agentes;

4) Nas investigações de natureza penal, o Ministério Público pode requisitar a realização de perícias técnicas, devendo a União, os Estados e o Distrito Federal, no prazo de dois anos, promover medidas legislativas para assegurar a independência e a autonomia dos órgãos oficiais de perícias de forma a impedir que haja ascendência funcional dos órgãos de polícia sobre a carreira dos peritos técnico-científicos.

Voto conjunto

Ao defender a competência do MP, Fachin afirmou no voto que a polícia judiciária não tem o monopólio das investigações criminais.

“O monopólio de poderes é convite ao abuso de poder. É uma premissa que aqui se leva em conta. A atribuição para investigação criminal pelo MP deflui de sua atribuição própria e imprescindível de zelar pelo respeito aos direitos fundamentais”, disse o relator da matéria.

O ministro ressaltou, no entanto, que o reconhecimento da competência do MP não autoriza o desrespeito aos direitos fundamentais do investigado durante as apurações.

“A garantia (de direitos) depende da tutela jurisdicional, seja para produção de provas submetidas à reserva de jurisdição, seja para que a fase preliminar tenha desfecho no prazo mais breve possível.”

Divergência

Fachin e Gilmar foram acompanhados em quase todos os pontos de seu voto. O ministro Flávio Dino, no entanto, propôs alterações na tese. Para ele, a prorrogação das investigações só precisa ocorrer em caso de investigado preso.

Ele também se manifestou contra a obrigação de o MP investigar crimes cometidos por agentes de segurança pública. Para Dino, a redação da tese deve ter sentido semelhante ao definido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso “Honorato e outros x Brasil”.

Na ocasião, foi determinado que o Brasil deve estruturar áreas internas do MP para que o órgão exerça de maneira adequada o controle externo da polícia. Não há, no entanto, previsão para punir procuradores e promotores por falta de investigação de crimes cometidos por agentes de segurança pública. 

Dino também sugeriu que conste na tese a necessidade de adoção de um mecanismo para que polícia, MP e Judiciário evitem, “tanto quanto possível”, a duplicidade investigativa.

Comunicação imediata

O ministro Cristiano Zanin acompanhou o relator, mas afirmou que deve ser adicionada à tese um trecho explicitando que a comunicação sobre novas investigações do MP deve ser imediata.

O ministro Alexandre de Moraes também acompanhou Fachin, mas também fez sugestões para a tese. Segundo ele, deve ser definida a atribuição concorrente do MP com a polícia judiciária para conduzir investigações de natureza penal. 

Assim como Dino, Alexandre também entendeu que o MP tem autonomia funcional para decidir sobre a instauração ou não de procedimento investigatório envolvendo autoridades de segurança pública.

Os ministros André Mendonça, Dias Toffoli, Luiz Fux e Cármen Lúcia também acompanharam o relator, seguindo as ressalvas de Dino, Zanin e Alexandre. Falta o voto do ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, e a definição da tese. 

Clique aqui para ler o voto conjunto de Fachin e Gilmar
ADI 2.943
ADI 3.309
ADI 3.318

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