Opinião

A medida liminar que suspende a exigibilidade de débitos do Fethab

Autores

  • Enrique de Castro Loureiro Pinto

    é bacharel em Direito pela PUC-MG pós-graduado em Direito Tributário pelo Ibet LLM em Direito da Energia e Negócios no Setor Elétrico pelo Cedin e advogado tributarista.

  • Tassya Wallace Nunes

    é especialista em Tributário e Agronegócio pela PUC Minas professora de Direito Tributário na pós-graduação em Direito do Agronegócio na PUC Minas virtual coordenadora e professora do MBA em Contabilidade e Tributação no Agronegócio no Uneedx e supervisora do Contencioso Tributário do Lacerda Diniz Sena Advogados.

26 de abril de 2024, 6h37

O Fundo Estadual de Transporte e Habitação (Fethab), instituído pela Lei Estadual nº 7.263/2000 e regulamentado pelo Decreto Estadual nº 1.261/2000, foi criado como um adicional de recolhimento facultativo em Mato Grosso.   

Mas o “fundo” ganhou força nos 24 anos que sucederam a sua criação. Após 48 alterações promovidas no normativo originário, o Fethab, que havia sido criado sob o fundamento de subsidiar a infraestrutura rodoviária mato-grossense, revelou-se verdadeiro instrumento de arrecadação e escarnecimento à repartição de receitas, tornando-se uma exação direta, ilegal e inconstitucional.

Essa roupagem de cobrança, sob a rubrica de “fundo”, até chegou a ser apreciada de forma inaugural pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nos autos da ADI nº 2.056/MS, em 2007. No julgamento, afastou-se o caráter tributário da contribuição instituída por Mato Grosso do Sul, denominada de Fundersul. Como a cobrança foi considerada de ordem não tributária, os argumentos deduzidos, restritos aos dispositivos e princípios à limitação ao poder de tributar, foram afastados pelo STF.

Mais de 15 anos após esse julgamento inicial, a mera interposição de ação que tenha como pedido afastar o recolhimento do Fethab e outros fundos passou a ser compreendida, equivocadamente, como se o contribuinte estivesse postulando os mesmos fundamentos que foram objetos de apreciação em 2007, para o Fundersul.

Essa análise simplicista e superficial sobre diversas ações posteriormente postuladas acabou por resultar em decisões omissas e um desfecho: o STF ainda não apreciou o mérito dos argumentos deduzidos em torno do Fethab, considerando as edições e atual roupagem que o normativo ganhou, estendendo sua aplicação para diversos setores, formas de benefícios fiscais e, inclusive, operações de exportação.  

Fato é que ações de inconstitucionalidade com fundamentos relevantes e até então não apreciados foram ajuizadas em torno do Fethab perante o nosso STF: 

(i) ADI 6.420/MT, da Ação da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), que defende a inconstitucionalidade do Fethab sobre as exportações de carne ainda pendente de julgamento;

(ii) ADI 6.314/MT, da Sociedade Rural Brasileira (SRB), que deduziu diversas inconstitucionalidades para a invalidação do Fethab no entanto, o STF entendeu que a entidade não tinha legitimidade para a propositura, extinguindo a ação sem a análise do mérito.

A conjuntura dos fundos parecia ter ganhado um norte correto e atento ao cenário de instabilidade na forma em que essa cobrança se instalou em diversos Estados. No início de 2023, o ministro Dias Toffoli concedeu liminar à ação da CNI para suspender a cobrança do Fundo de Infraestrutura de Goiás (Fundeinfra). Mas, com pesar, o colegiado do STF não referendou a medida liminar, e o resultado foi pior que o esperado: como a reforma tributária promoveria “substancial modificação no contexto” dos fundos, o ministro Dias Toffoli, do STF, extinguiu a ADI, considerando-a prejudicada.

FET inconstitucional

Recentemente, a discussão ressurgiu. Em fevereiro de 2024, no julgamento da ADI nº 6365, o Fundo Estadual do Transporte (FET), instituído pelo estado do Tocantins, foi declarado inconstitucional. Para o STF, a cobrança do fundo agora em 2024, 15 anos após o julgamento inicial do tema Fundersul se caracteriza como um adicional do ICMS e receita vinculada, ultrapassando a competência outorgada ao Estado.

Construção de ponte sobre o rio Cuiabá

O que se vê é que falta um Juízo de coerência para a análise dos “fundos”, dentro da complexidade que esse regime demanda, sobretudo porque tal obscuridade decorre dos diversos entendimentos que foram sendo proferidos de forma equivocada, com base no entendimento inicial e reducionista feito em torno do Fundersul, em 2007.

Tal como decidido pelo STF ao FET, o Fethab, após as inúmeras alterações legislativas realizadas, ganhou nítida feição tributária, embora não seja tributo de fato a sua constituição ilegal e inconstitucional não permite que ele tenha natureza de tributo.  

Ou o Fethab é receita originária, decorrente da exploração do patrimônio estatal, ou é receita derivada, oriunda da arrecadação com tributos ou penalidades. No caso, é evidente que o Fethab não decorre da exploração de bens do Estado e não se classifica como receita originária. Logo, só resta classificá-lo como “receita derivada”.

Atualmente, o recolhimento do Fethab é condição necessária para a fruição do diferimento do ICMS em operações internas, interestaduais e nas exportações, sendo ainda exigido como condição à obtenção e/ou manutenção do regime de apuração mensal do ICMS e para a fruição da imunidade nas exportações. Ou seja, a sua exigência se tornou, em 24 anos, inegavelmente compulsória. 

Com base nos argumentos acima, no dia 16 de abril de 2024, em decisão atenta ao contexto problemático instaurado em torno do Fethab, um Juízo em Sinop (MT) concedeu medida liminar para suspender a sua exigibilidade de um contribuinte mato-grossense.  

Em sua irretocável decisão, o juiz reconheceu que o Fethab, tal como estruturado atualmente, é compulsório, na medida em que “falar em facultatividade e livre opção na adesão do Fethab são evidente engodo utilizado para, com um jogo de palavras, não submeter à criação do ‘fundo estadual’ ao regime próprio, rigoroso e, sobretudo legal e constitucional do poder de tributar” 

O Juízo ainda reconhece que o condicionamento da fruição da imunidade do ICMS nas exportações ao pagamento do Fethab é medida flagrantemente inconstitucional. 

Mesmo com o cenário jurisprudencial anterior inadequado ao tratar do tema, vê-se que, em 2024, surge a possibilidade de o Poder Judiciário reconhecer a ilegalidade e a inconstitucionalidade do Fethab. E, somente com a judicialização do tema e a demonstração de que a exigência fiscal atual não se amolda à ratio decidendi adotada ao Fundersul, o STF será instado a se manifestar corretamente sobre o tema, enquanto ainda estiver pendente o julgamento da ADI 6.420/MT.

Autores

  • é bacharel em Direito pela PUC-MG, especialista em Direito Tributário pelo Ibet e em Direito de Energia pelo Cedin, mestrando em Direito Tributário pela UFMG, membro da Comissão de Direito de Energia da OAB-MG, autor do livro A Tributação da Energia Elétrica (Editora Lumen Júris) e advogado do contencioso tributário do Lacerda, Diniz, Sena Advogados.

  • é especialista em Tributário e Agronegócio pela PUC Minas, professora de Direito Tributário na pós-graduação em Direito do Agronegócio na PUC Minas virtual, coordenadora e professora do MBA em Contabilidade e Tributação no Agronegócio no Uneedx e supervisora do Contencioso Tributário do Lacerda Diniz Sena Advogados.

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