'Preocupação é aprender com excessos do TRF-4 durante a 'lava jato'', diz presidente

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3 de dezembro de 2023, 9h50

Há cinco meses no comando do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), o desembargador Fernando Quadros da Silva optou pelo caminho do mea culpa para tentar, como ele próprio reconhece, apagar a pecha de ‘tribunal da lava-jato’. Em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico, a primeira desde que assumiu o comando da Corte, o desembargador paranaense reconhece “excessos” da operação, fala em uso do Direito Penal para a “criminalização da classe política” e busca virar a página dos efeitos das decisões da 13ª Vara Federal de Curitiba, chanceladas pelo Tribunal e posteriormente anuladas pelo Supremo Tribunal Federal.

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Caricatura desembargador Fernando Quadros da Silva

“Nossa preocupação é a de aprender com os excessos que se cometeram no Tribunal”, resumiu o presidente, na mesma semana em que o Conselho de Administração do TRF-4 aprovou a transferência do juiz federal Danilo Pereira Júnior, considerado figura próxima de Sérgio Moro, para o comando da 13ª Vara Federal de Curitiba.

Embora atribua erros da operação, entre outros motivos, à “geração de pessoas que tinham a ideia de combater e depurar a classe política”, Fernando Quadros rejeita colocá-los apenas na conta do TRF-4. O desembargador cita mudanças de entendimentos do próprio Supremo, como parametrização de prisões temporárias e proibição da prisão após condenação em segunda instância, para justificar a mudança de rota no TRF-4. “Foram experiências que nós vivenciamos. Todos aprendem com essas questões. A jurisprudência do Supremo variou e nós nos adaptamos a ela. Então, eu tento sair dessa ideia de tribunal da ‘lava jato’, porque isso passou.”

As críticas à lava jato não são os únicos acenos do novo presidente do TRF-4 à classe política. Questionado sobre a aprovação no Senado, na última semana, da PEC 8/2021, que restringe decisões monocráticas em tribunais superiores, Fernando Quadros classificou as investidas como recado ao STF. “Eu sou daqueles que acham que a eleição é um momento importante, que a eleição é um processo de escolha dos representantes do povo. Então, vejo [as investidas da classe política contra o Judiciário] com cautela. Eu sou favorável à autocontenção judicial. Se você puder não se meter no assunto, deixa o pessoal”, disse o presidente, que também falou sobre o atual panorama da 4ª Região para o Anuário da Justiça Federal 2024.  

Fernando Quadros da Silva, 59 anos, é desembargador do Tribunal Regional Federal da 4ª Região desde 2009, oriundo da magistratura. Natural de União da Vitória (Paraná), foi procurador do Ministério Público do Trabalho (1991-1993) e do Estado do Paraná. Atuou como juiz federal, na primeira instância, em Maringá e Curitiba, e juiz convocado no TRF-4. Foi vice-presidente do Tribunal entre 2021 e 2023 e, em abril deste ano, foi eleito presidente para o biênio 2023 e 2025.

ConJur — Qual o impacto da Operação Lava Jato no TRF-4 e como o Tribunal encara esse tema atualmente?
Fernando Quadros da Silva — O TRF-4 é conhecido como o Tribunal da “lava jato”, tanto positivamente quanto negativamente. A “lava jato” foi um fenômeno brasileiro, de busca de responsabilização com utilização do Direito Penal e ações de improbidade. Ela teve impacto porque os tribunais superiores chancelaram as decisões; depois, houve o caminho de volta. Digo que foi um fenômeno porque houve, de certa forma, criminalização da classe pol´tiica. Houve um momento de pressão popular, o que é indesejával quando se trata de Justiça, e algum apoio da opinião pública. Mas hoje a nossa preocupação é aprender com os excessos que foram cometidos no Tribunal. Foram experiências que nós vivenciamos, todos aprendem com essas questões. A jurisprudência do Supremo variou e nós nos adaptamos a ela. Eu tento ultrapassar essa ideia de “tribunal da ‘lava jato'”, porque isso passou. O Supremo mudou seu entendimento sobre o grande instrumento usado naquela época, que era a colaboração premiada, e as prisões preventivas e temporárias. Do ponto de vista global, houve vários subprodutos (da “lava jato”) e uma mudança da jurisprudência do Supremo. Isso trouxe o Direito Penal para uma normalidade histórica.

ConJur — Mas o Tribunal ainda colhe os arranhões das anulações das decisões?
Fernando Quadros da Silva — Nós somos muito criticados até hoje. Esse ano passamos por inspeção do CNJ, tanto no TRF-4 quanto na primeira instância. As pessoas atingidas pela “lava jato” tiveram um momento de reação, por sentir que tinham sido injustamente processadas. A instituição sentiu essa crítica e ainda colhe os frutos desse período. É normal.

As pessoas atingidas têm essa visão de que foram injustamente processadas. E o que eu sempre lembro é que era um sistema. Começava na primeira instância, passava pelo TRF, subia para o STJ e o Supremo. Foi um conjunto. Mas é mais fácil brigar com o TRF-4, não vão brigar com os ministros do Supremo e do STJ, que mantiveram as decisões. É mais fácil bater no pequeno.

Mas é um aprendizado para o país. Essa experiência só aconteceu aqui [na região Sul] provavelmente por causa da distância dos grandes centros. Estamos, de certa forma, longe do poder central. Aqui podem ser tomadas medidas que não seriam tomadas por pessoas próximas do poder. Houve uma geração de pessoas que tinham essa ideia de combater e depurar a classe política, e isso produziu todas as consequências que vimos.

ConJur — O sr. acredita que a PEC aprovada no Senado, que restringe decisões monocráticas em tribunais superiores, é uma represália da classe política ao STF?
Fernando Quadros da Silva — Esse é um tema polêmico. Eu, particularmente, que estudei de 1983 a 1988, no governo militar, de João Figueiredo, acho que há um protagonismo do Judiciário, hoje marcante, nas decisões da vida nacional. Quando você vai no jogo de futebol, você quer ver o juiz? Uma juíza da Suprema Corte americana, a Sônia Sotomayor, disse isso uma vez para comentar sobre a intervenção do juiz: quando você vai no jogo, não vai para ver o juiz. O Judiciário tem isso. E o Supremo ocupou mesmo um protagonismo muito grande.

ConJur — E esse protagonismo incomodou a classe polític
Fernando Quadros da Silva — Uma geração pós-1988 — nós os chamamos de iluministas — acreditava que ia mudar o país por decisões judiciais. Isso aconteceu com os procuradores da república, os juízes. Então, o pessoal saiu por aí construindo um mundo melhor. Mas quando começa a afetar a classe política, daí é mais complicado.

ConJur — O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, reagiu de forma contundente à PEC, falando em retrocesso.
Fernando Quadros da Silva — Aí é aquele velho princípio: em briga de elefantes, o prejudicado é o capim. Eles vão ter que achar um equilíbrio entre a atuação do Supremo, muito fortalecido, com o Congresso. O Congresso tem instrumentos. Mas no Brasil de hoje, o Judiciário é o verdadeiro poder moderador. [O parlamento] aprova uma emenda constitucional, dali a dois minutos ela está suspensa. Uma emenda constitucional votada, às vezes, em discussões que atravessam à noite. No dia seguinte, os parlamentares que perderam a votação vão ao STF. É o nosso formato.

ConJur — Como o sr. avalia a atual estrutura da Justiça Federal? A ampliação, de 27 para 39 desembargadores no TRF-4, no ano passado, foi suficiente para dar conta das demandas?
Fernando Quadros da Silva — Isso foi muito bom porque nós conseguimos, depois de 15 anos esperando que viesse uma solução para a segunda instância da Justiça Federal, finalmente ter aprovada uma ampliação. Isso vai aumentar a resposta dos processos que estão na segunda instância. Também tivemos, ao lado disso, uma descentralização das turmas julgadoras. Temos hoje em Curitiba seis desembargadores e, em Florianópolis, mais seis.

ConJur — Essa descentralização, com turmas instaladas no Paraná e Santa Catarina, tem dado certo?
Fernando Quadros da Silva — Essa é uma reclamação antiga. São três estados [Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina] muito homogêneos, os três estados do Sul, não há aquela disparidade. Politicamente, para os estados foi importante, um reconhecimento da importância de Santa Catarina e Paraná. E nós, então, temos essa facilidade, quem está na sessão do Judiciário do Paraná tem os seus processos julgados lá, no segundo grau, e em Santa Catarina, com exceção das matérias tributária e penal, que continuam centralizadas no TRF-4. Nós descentralizamos os processos administrativos, ação de improbidade, ação civil em geral, ambiental e previdenciário. Está sendo uma boa experiência. Claro, como tudo que é inicial, há necessidades de adaptação. Mas está funcionando bem, estou satisfeito.

ConJur — A EC 73/13, que previa a instalação das 6ª 7ª, 8ª e 9ª Regiões chegou a ser aprovada no passado, mas foi suspensa liminarmente no STF. Na sua opinião, as 6 regiões atuais são suficientes? 
Fernando Quadros da Silva — Acho que são suficientes. Há exceções, claro. É difícil falar da região dos outros, com exceção da 1ª região, que me parece superdimensionada. Mas é uma questão que envolve prestígio político. Por que alguém do Amazonas tem de vir a Brasília para despachar um recurso ou um mandado de segurança? Esse formato de tribunais regionais foi criado em 1988. O STJ também é um tribunal novo, criado em 1989. Então é uma experiência relativamente nova ainda. As pessoas querem o processo julgado rápido, e isso me parece que, em muitos casos, não está acontecendo. Mas a descentralização é muito boa, para nós tem sido muito positiva.

ConJur — Como está o processo de implementação dos juízes das garantias na 4ª Região e como vai ser esse processo na Justiça Federal?
Fernando Quadros da Silva — Está em andamento. A Corregedoria já está mapeando quais são as varas que nós vamos transformar em Varas das Garantias. Vamos ter que criar um sistema com varas que só vão fazer instrução de processos. O juiz das garantias, na verdade, é um juizado de instrução. É uma coisa salutar, o juiz das garantias não vai ter contato [com as partes], nem com o advogado, nem com o procurador.

ConJur — E qual vai ser o impacto desses novos juízes na 4ª Região? O Tribunal vai conseguir cumprir a instalação no prazo estabelecido pelo STF, de até dois anos?
Fernando Quadros da Silva — Num primeiro momento, achávamos que o impacto seria grande. Na justiça estadual será muito grande, porque eles têm uma capilaridade muito maior. Na Justiça Federal, o impacto será menor porque as varas serão especializadas. A implantação vai ser bem traumática, porque o juiz das garantias não vai poder julgar os processos, então pode haver um acúmulo, mas vamos nos adaptar. Em conversas com a Corregedoria, o plano é terminar a implantação até julho do ano que vem.

Esperamos que vá haver muita nulidade, casos em que o juiz vai esquecer que não pode mais julgar o processo por ter atuado na instrução. Até criarmos uma jurisprudência, vai ser muito traumático. Se o juiz despachar um processo no plantão, e dali a um ano o processo chegar até ele de novo em grau de recurso. Vai ser preciso criar toda uma doutrina.

ConJur — O CPC de 2015 reforçou o sistema de precedentes judiciais no país, em busca de maior segurança jurídica. O sr. acredita que houve avanço nesse sentido? Por outro lado, o TRF-4 não tem investido tanto em julgamentos em IRDR para uniformizar entendimentos. Por quê?
Fernando Quadros da Silva — O Código de Processo Civil realmente tentou instituir o respeito aos precedentes. Era normal, no mesmo tribunal, no mesmo andar, duas turmas decidirem diferente. O CPC tentou valorizar a solução de precedentes para aplicar em casos gerais. No começo, houve um entusiasmo, mas com o passar do tempo o ímpeto dos tribunais se perdeu na espera de que STJ e STF também o adotassem. O raciocínio é: ‘para que eu vou fazer um precedente no meu tribunal se o assunto já está no Supremo. Então, eu espero’. É um efeito de racionalização inconsciente, esperar que o Supremo decida para então aplicar o precedente do Supremo. O STF tem sido rápido nos julgamentos com repercussão geral. E o STJ também, nos repetitivos.

ConJur — As execuções fiscais são, assim como em todo o Poder Judiciário, um dos principais gargalos da Justiça Federal. Quais são as principais dificuldades para obtenção dos créditos e, consequentemente, descongestionar o Judiciário? O que prevê a portaria assinada recentemente em parceria com o CNJ, a AGU e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional sobre esse tema?
Fernando Quadros da Silva — A principal dificuldade é encontrar o devedor e, depois, achar bens do devedor. É um problema do Poder Judiciário como um todo, de achar bens. A grande prioridade do ministro Barroso é a de agilizar a tramitação. Nós assinamos um convênio no Conselho da Justiça Federal para tentar eliminar as execuções fiscais que não têm mais razão de ser. Vai funcionar assim: verifiquei aqui que existem 40 mil execuções na Justiça Federal, e que 10 mil estão paradas há oito anos, não há interesse em pedir a extinção? Vamos trocar as informações da JF com a Fazenda e buscar eliminar, em massa, os processo que não precisam mais existir, ou porque não vão ser encontrados bens, ou porque o valor é muito pequeno, ou porque não há interesse estratégico para a Fazenda.

ConJur — Quando isso começa a ser feito?
Fernando Quadros da Silva — Nós já começamos a fazer. Assinamos o convênio e já começamos a trocar informações com a AGUs. Nesse ponto, o atual advogado-geral da União, Jorge Messias, foi muito enfático. Ele quer fazer essa depuração para ficar com as execuções que são viáveis. O rito é o mesmo, tanto para um banco que deve R$ 40 milhões de multa quanto para uma pessoa que deve R$ 1 mil de multa para a Polícia Rodoviária Federal. É o mesmo processo, o mesmo juiz. Isso é muito trabalho.

ConJur — As estatísticas de litigiosidade da Justiça Federal, segundo o Datajud (CNJ), indicam que os principais temas que tramitam na JF são referentes a questões previdenciárias (aposentadorias, pensões e demais auxílios), revelando que essas demandas pautam o funcionamento da Justiça Federal. Por que o cidadão ainda necessita acionar o Judiciário para pleitear esses direitos?
Fernando Quadros da Silva — É uma questão de modelo previdenciário. Existe uma diferença muito grande entre o que diz a lei e o que a pessoa precisa, por vários motivos. Os órgãos que precisam fazer essa política pública (tanto o INSS quanto os órgãos de saúde) não conseguem dar respostas no prazo que as pessoas precisam. Então acaba judicializando. O volume de advogados no mercado facilita. Se o seu pedido é negado pelo INSS, a maior parte das pessoas consegue entrar na Justiça gratuitamente. Mas a Previdência melhorou muito, isso é visível.

ConJur — Os JEFs (Juizados Especiais Federais) foram criados tendo como uma das justificativas a democratização do acesso à Justiça Federal por meio, entre outras facilidades, a de não precisar de advogado para entrar com uma ação. Isso tem funcionado?
Fernando Quadros da Silva — Os juizados especiais têm um sistema próprio. Eles têm um juizado especial e cabe apenas um recurso para uma turma do juizado, que são os juízes de primeira instância. Mas dentro desse sistema, há uma turma regional e outra nacional para uniformizar os entendimentos, se criou uma estrutura paralela. O ministro Mauro Campbell tentou extinguir a turma regional de uniformização, porque a importância dela é muito pequena.

Era para ser um sistema rápido, mas hoje os juizados têm muitos processos, estão sobrecarregados. Eles caminharam para uma formalização, pegaram os defeitos que o Judiciário já tinha e levaram para o juizado. São sentenças muito longas, das quais cabe recurso para a turma, e de lá cabe recurso para a turma regional ou para a TNU. As pessoas começaram a inventar recursos. Então hoje o juizado especial é importante, julga muito, mas não é uma Justiça célere.

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