Diário de um detento

Massacre do Carandiru completa 30 anos com penas de PMs em discussão

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2 de outubro de 2022, 7h31

Três décadas depois da desastrosa ação da Polícia Militar que resultou na morte de 111 pessoas na Casa de Detenção do Carandiru, na Zona Norte de São Paulo, há condenados, mas ninguém foi punido. A batalha judicial contra os responsáveis ainda aguarda a definição final das penas impostos pelo tribunal do júri.

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Ação da PM deixou as galerias do Pavilhão 9 sujas de sangue na Casa de Detenção
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O marco de 30 anos do episódio é registrado nesse domingo. Em 2 de outubro de 1992, presos do Pavilhão 9 iniciaram uma rebelião que foi contida de forma violenta por tropas da PM comandadas pelo coronel Ubiratan Guimarães. O episódio foi parcialmente televisionado e teve destaque internacional.

A Justiça brasileira levou 17 anos para pronunciar os 116 policiais envolvidos — apenas em 2010 ficou definido que eles iriam ser julgados pelo júri popular. O caso passou brevemente pela Justiça Militar até ser encaminhado à Justiça Estadual, graças a conflito de competência julgado pelo Supremo Tribunal Federal.

O primeiro a ser condenado foi o próprio coronel Ubiratan Magalhães, a pena de 632 anos em primeiro grau, em 2001. Por ser réu primário, pôde concorrer em liberdade. Em 2002, foi eleito deputado estadual por São Paulo. Concorreu com o número 14111 — sendo 111 uma referência à quantidade de mortos no Carandiru.

Com isso, passou a ter foro especial, o que levou seu processo para o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, onde acabou absolvido. A corte entendeu que Ubiratan agiu em estrito cumprimento da ordem e em legítima defesa, tese que passou a ser defendida pelos demais réus.

Ubiratan foi assassinado em 2006, dentro de casa. Sua então namorada, a advogada Carla Cepollina, foi denunciada e absolvida do crime pelo tribunal do júri, em 2012.

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111 presos morreram graças à ação da PM
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Para os demais acusados, a disputa judicial ainda não terminou. Até o momento, 74 deles foram condenados em quatro júris a penas que variam entre 48 anos e 624 anos de prisão.

Em 2016, o TJ-SP chegou a anulá-las todas por entender que os jurados decidiram contra a prova dos autos, já que não há elementos capazes de demonstrar quais foram os crimes cometidos por cada um dos agentes.

Na ocasião, repercutiu voto do então desembargador Ivan Sartori, que propôs a absolvição dos réus, mas foi vencido. Na ocasião, classificou a condenação como “revoltante” e disse que “não houve massacre, houve legítima defesa”. A fala gerou processo no Conselho Nacional de Justiça, que não rendeu punição, e pedido de indenização, também negado pela Justiça paulista.

Em abril de 2018, o STJ mandou o TJ-SP julgar novamente os embargos de declaração apresentados pelo Ministério Público estadual no caso. E em 2018, a corte paulista confirmou que os 74 policiais militares deveriam ser submetidos a novo júri popular.

Essa decisão foi reformada pelo Superior Tribunal de Justiça, que restabeleceu a condenação. Para a 5ª Turma, A impossibilidade de realizar perícia para saber qual policial militar atirou em qual preso é suficiente para amparar o julgamento da ação penal com base em outras provas nos autos.

O último recurso contra a condenação está no Supremo Tribunal Federal, sob relatoria do ministro Luís Roberto Barroso. Em agosto de 2022, ele negou seguimento aos recursos extraordinários, em decisão monocrática que foi atacada por agravo, ainda pendente de julgamento.

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Massacre do Carandiru teve impacto na sociedade toda e foi retratado no cinema
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Enquanto isso, também segue pendente no Tribunal de Justiça de São Paulo o julgamento de recursos em que as defesas pedem a redução das penas aplicadas.

É possível que toda essa discussão seja, ao fim e ao cabo, inócua.

Isso porque a Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados aprovou, em agosto, um projeto que anistia os envolvidos no episódio. O texto ainda será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça antes de ser levado a votação no Plenário.

É impossível, ainda hoje, afastar o impacto do massacre do Carandiru na sociedade brasileira. O episódio está ligado à fundação do Primeiro Comando da Capital, facção que surgiu nas penitenciárias paulistas para combater a opressão dentro do sistema criminal e, hoje, é uma das maiores organizações criminais do mundo.

A chacina foi retratada em livros, músicas e também no cinema. O filme Carandiru, de Hector Babenco, foi um enorme sucesso, multipremiado e que chegou a ser listado para concorrer a uma vaga pelo Oscar.

Inspirado no livro Estação Carandiru, de Dráuzio Varela, o filme foi lançado em 2003 e não agradou ao Coronel Ubiratan, que classificou-o de injusto, irresponsável e covarde. “Pergunto: se um dos jurados vir essas cenas e amanhã vier a julgar um daqueles homens que estavam comigo, ele já virá pré-concebido por ver a ação da Polícia Militar como violenta”, disse, à época.

A canção Diário de um detento, do grupo de rap Racionais MC's, retrata o massacre pela ótica de um preso. A música ficou em 52º lugar no ranking das 100 maiores canções brasileiras feito pela revista Rolling Stone. 

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