"Legítima defesa"

TJ-SP anula julgamentos dos 73 policiais condenados por Massacre do Carandiru

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27 de setembro de 2016, 17h11

O Tribunal de Justiça de São Paulo anulou, nesta terça-feira (27/9), os quatro julgamentos que condenaram 73 policiais militares pelo Massacre do Carandiru. A 4ª Câmara Criminal afirmou não haver elementos capazes de demonstrar quais foram os crimes cometidos por cada um dos agentes. 

O relator do caso e presidente da 4ª Câmara, desembargador Ivan Sartori, votou pela absolvição dos réus, mas foi vencido nessa questão. Ex-presidente do TJ-SP, ele entendeu que não houve massacre, pois os policiais, na maioria, agiram em legítima defesa, seguindo ordens de seus superiores na hierarquia militar. 

Já o revisor do caso, desembargador Camilo Léllis, declarou que a ação policial passou do limite. “O excesso não se pode negar: 111 presos mortos, nenhum policial.” Mesmo assim, ele concordou em parte com o relator e disse que, como três PMs foram absolvidos e não há prova clara demonstrando a responsabilidade de cada réu, as condenações foram “contrárias às evidências dos autos”. Por isso, é necessário novo tribunal do júri.

“Houve uma situação de confronto e acredito que aconteceram excessos, mas é preciso verificar quem se excedeu, quem atirou em quem.” Léllis e o desembargador Edison Brandão entenderam que não cabe a absolvição, pois deve ser respeitada a soberania do júri, conforme a Constituição Federal.

Como a decisão não foi unânime, a defesa dos acusados pode ainda apresentar embargos infringentes para definir se haverá ou não novo julgamento.

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Em outubro de 1992, a Polícia Militar de São Paulo matou 111 presos no Carandiru.
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No dia 2 de outubro de 1992, a Polícia Militar de São Paulo matou 111 presos em operação para controlar uma rebelião na Casa de Detenção de São Paulo. Conhecido como Carandiru, o presídio inaugurado em 1920 funcionava na zona norte da capital. O local chegou a abrigar 8 mil detentos no período de maior lotação. A unidade foi desativada e parcialmente demolida em 2002.

Por envolver grande número de réus e de vítimas, o julgamento foi dividido, inicialmente, em quatro etapas, de acordo com o que ocorreu em cada um dos pavimentos da casa de detenção. Os 73 réus foram condenados a penas que variam de 48 a 624 anos. Um dos acusados foi julgado em separado, sendo igualmente condenado.

Durante o seu voto, o relator classificou como “revoltante”  o processo que resultou nas condenações. Na avaliação de Sartori, houve falha ao identificar quais foram a condutas dos policiais ao entrarem no presídio. “Nesse processo não se sabe quem matou quem, quem fez o quê. Como julgador, nunca vi processo tão kafkaniano”, disse em referência ao escritor tcheco Franz Kafka, que retrata o absurdo da burocracia jurídica.

Ao mencionar diversos depoimentos, Sartori destacou que há provas de que em vários momentos foram encontradas armas dentro do Carandiru, o que vai ao encontro da versão de que os PMs reagiram a tiros disparados pelos detentos.

O desembargador Edison Brandão também reconheceu a legitimidade da ação contra os presos rebelados. “Não era um exército de extermínio, era uma força militar-policial”, ressaltou durante seu voto.

Perícia
Camilo Léllis afirmou que houve problemas na perícia, em especial a balística, para verificar a origem dos tiros que mataram os presos. Na ocasião, os projéteis retirados dos corpos das vítimas ficaram guardados, uma vez que o Instituto Médico-Legal alegou que não tinha meios para fazer aquele número de análises.

“Verifiquei que não houve interesse do governo de que se realizasse essa perícia. Porque bastava ter adquirido um equipamento mais moderno, em vez de se gastar em propaganda”, ressaltou Léllis.

A análise balística nunca chegou a ser feita. “Os projéteis apreendidos sumiram de dentro do fórum”, disse a advogada de parte dos réus, Ieda Ribeiro de Souza. Para ela, os policiais acabaram sendo condenados diante da incapacidade de responsabilizar os comandantes da operação. “Já que nós não conseguimos pegar o culpado real, que é o governador Fleury Filho [governador à época], vamos pegar o elo mais fraco.”

Em ocasiões anteriores, o ex-governador se manifestou sobre o assunto. Fleury explicou que os fatos ocorreram na véspera das eleições municipais e que, no dia, ele estava em Sorocaba, no interior do estado, em campanha com um candidato da cidade. Fleury declarou que foi informado sobre uma rebelião em São Paulo, mas que “as coisas estavam sob controle”.

Acusação
A 4ª Câmara do TJ-SP é conhecida por raramente decidir em favor dos réus, apelidada por advogados de "câmara de gás". Nesse caso, no entanto, os desembargadores julgaram contra os pedidos do Ministério Público.

A procuradora Sandra Jardim rebateu alguns dos pontos técnicos levantados pela defesa, que acabaram rejeitados pelos desembargadores, e afirmou que houve sim abusos na ação policial. Segundo ela, muitos foram mortos sem roupas no interior das celas, quando já estavam desarmados e rendidos. Com informações da Agência Brasil e da Assessoria de Imprensa do TJ-SP.

Clique aqui para ler o voto do relator.
Processos: 0338975-60.1996.8.26.0001 e 0007473-49.2014.8.26.0001

* Texto atualizado às 18h20  e às 21h45 do dia 27/9/2016 para acréscimo de informações.

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