Assassinato x legítima defesa

CNJ investigará Ivan Sartori por voto sobre o massacre do Carandiru

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19 de dezembro de 2016, 17h51

O desembargador Ivan Sartori, do Tribunal de Justiça de São Paulo, será investigado pelo Conselho Nacional de Justiça pelo voto proferido a favor da inocência dos 74 policiais militares que atuaram no massacre do Carandiru. Ele afirmou que “não houve massacre, houve legítima defesa”. Em setembro, a corte anulou os julgamentos.

Na ação, Sartori é apontado como parcial por ter pedido a absolvição dos policiais — que não foi seguida pela 4ª Criminal do TJ-SP — e conivente com crimes relacionados aos direitos humanos. Ele também é acusado de quebra de decoro por ter manifestado sua posição à imprensa.

Daniela Smania / TJSP
Ivan Sartori foi duramente criticado ao pedir a absolvição dos policiais militares.

Ao CNJ é pedido que o desembargador seja afastado de suas funções até o julgamento de mérito, o que foi negado pelo corregedor nacional de Justiça, ministro João Otávio de Noronha. “Além de o pedido de afastamento não se mostrar devidamente fundamentado com todas as justificativas para tal medida, cumpre ressaltar que o fato alegado se apresenta em tese específico e a permanência do requerido no exercício da jurisdição não acarreta nenhum risco ao processo ou ao direito das partes.”

No voto questionado no CNJ, o desembargador afirmou que não houve massacre. Depois, usou as redes sociais para insinuar que a repercussão negativa de sua decisão estaria relacionada ao financiamento da imprensa e de entidades de direitos humanos pelo crime organizado.

Sartori chegou até a discutir ao vivo com o jornalista Marco Antonio Villa, da Jovem Pan, ao ser questionado sobre o voto. Na briga, o desembargador chamou de “deplorável” o jornalismo feita pela emissora onde o também historiador trabalha. Como resposta, ouviu que é um desequilibrado.

A peça pedindo o afastamento de Sartori é assinada pelas associações Brasileira de Imprensa, Franciscana de Defesa de Direitos e Formação Popular, Nacional de Direitos Humanos, Pesquisa e Pós-Graduação e Rede Rua; pelos centros pela Justiça e o Direito Internacional, de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes; de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente Mônica Paião Trevisan, de Direitos Humanos e de Defesa da Criança, Adolescente e Juventude Paulo Freire; de Direitos Humanos de Sapopemba Pablo Gonzales Olalla, Gaspar Garcia de Direitos Humanos e Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo.

Também assinam o pedido os institutos Latino Americano de Defesa e Proteção dos Direitos Humanos, Paulo Freire, Sou da Paz e Vladimir Herzog, além da Ação dos Cristãos para a Abolição da Tortura, da Central dos Movimentos Populares do Estado de São Paulo, da Conectas Direitos Humanos, do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, da Educafro, da Pastoral Carcerária Nacional, do Grupo Tortura Nunca Mais, da Justiça Global, da Articulação Justiça e Direitos Humanos, do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade do Estado de Rio de Janeiro, do Movimento Independente Mães de Maio, do Núcleo de Preservação da Memória Política, do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo e da União dos Movimentos de Moradia da Grande São Paulo e Interior.

Entre as pessoas físicas signatárias estão Antonio Funari Filho (ex-ouvidor da Polícia de SP), José Carlos Dias (advogado e político), Maria Stella Gregori (advogada), Luiz Carlos Bresser-Pereira (ex-ministro da Fazenda, o economista), Fernando Afonso Salla (ex-ministro), José Gregori (ex-secretário Nacional dos Direitos Humanos), Rosa Freire d’Aguiar Furtado (editora e tradutora), Isabel Lustosa (cientista política e historiadora), Roberto Amaral (cientista político, ex-ministro da Ciência e Tecnologia e ex-presidente do PSB), Walnice Nogueira Galvão (professora da USP), Maria Victoria de Mesquita Benevides (sociológa), Bruno Paes Manso (jornalista), Gilberto Saboia (embaixador aposentado), Emir Simão Sader (sociólogo e cientista político ) e o deputado estadual Carlos Bezerra Jr, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de São Paulo.

Anulação do júri
Para a 4ª Câmara Criminal do TJ-SP, não existem elementos capazes de demonstrar quais foram os crimes cometidos por cada um dos policiais que entraram no presídio no dia 2 de outubro de 1992. No julgamento, Sartori alegou legítima defesa sob o argumento de que os agentes apenas cumpriam ordens.

Já o revisor do caso, desembargador Camilo Léllis, afirmou que a ação policial passou do limite. “O excesso não se pode negar: 111 presos mortos, nenhum policial”, disse. “Houve uma situação de confronto e acredito que aconteceram excessos, mas é preciso verificar quem se excedeu, quem atirou em quem.”

Léllis, juntamente com o desembargador Edison Brandão, entendeu não ser possível absolver os policiais porque a soberania do júri deve ser respeitada, conforme delimita a Constituição Federal. Mesmo assim, o revisor do caso disse que faltou certeza na condenação.

“A perícia não foi capaz de dirimir tal dúvida. Foi inconclusiva e duvidosa. Além de pouco confiável a tabela elaborada aleatoriamente pelo perito, que teria servido de base para as imputações”, disse o desembargador.

Afirmou ainda que o instituto de criminalística não tinha na época o equipamento necessário para fazer exames de balística, para avaliar de quais armas saíram os tiros fatais que atingiram cada uma das vítimas. “Não houve interesse dos órgãos governamentais em sua aquisição. Hoje em dia, superado tal empecilho, o confronto balístico não pode ser realizado, em razão do surpreendente extravio dos projéteis apreendidos.”

Recurso do MP-SP
Na última sexta-feira (16/12), o Ministério Público de São Paulo apresentou dois recursos ao TJ-SP pedindo a revisão da decisão da corte que anulou as condenações dos policiais militares. Nas peças, o MP-SP pede a admissão dos questionamentos e envio ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça.

No pedido endereçado ao Supremo, o MP-SP argumentou que a soberania do júri popular foi desrespeitada pelo TJ-SP. Disse também que os jurados do julgamento anulado apenas seguiram uma das versões apresentadas no julgamento, a da acusação, e não assumiram posição totalmente contrária às provas.

“Não pode o Tribunal ad quem substituir-se ao órgão constitucionalmente competente para condenar ou absolver. Em observância à soberania dos veredictos poderá, tão somente, nas hipóteses legais destinadas à garantia dos também constitucionais princípios da segurança jurídica e duplo grau de jurisdição, anular o julgamento, possibilitando nova decisão pelo Tribunal do Júri”, complementou o MP-SP.

No recurso ao STJ, o MP-SP pediu que a decisão do TJ-SP seja revertida por ferir o artigo 29 do Código Penal. O dispositivo trata da condenação de réus que tenham concorrido para um homicídio. Ressaltou na peça que, ao anular a decisão do júri, a corte paulista não debateu o artigo 29 “à luz da conceituação dos crimes multitudinários e da denúncia por participação englobada”, muito menos discutiu os artigos 155, 167, 182 do Código de Processo Penal, “que admitem a formação da convicção do julgador pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial”.

Clique aqui para ler a decisão do CNJ.
Clique aqui para ler a ação movida contra o desembargador Ivan Sartori.

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