Legítima defesa

Fala de desembargador negando massacre no Carandiru não obriga estado a indenizar

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22 de maio de 2018, 19h17

O poder público não pode ser responsabilizado pelas afirmações de seus desembargadores, quando extrapolarem o exercício do cargo. Isso porque, apesar da garantia de exercício independente, certas atitudes devem ser questionadas na Justiça diretamente contra a pessoa envolvida.

Com esse entendimento, a 10ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo rejeitou pedido da filha de um dos presos mortos no Massacre do Carandiru, em 1992, que queria ser indenizada por falas do desembargador Ivan Sartori, ex-presidente do TJ-SP e relator do caso na 4ª Câmara Criminal. 

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Desembargador Ivan Sartori negou a existência de massacre de 111 presos.
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O pedido de indenização foi movido contra o estado de São Paulo depois que Sartori negou a existência de mortes em série dos detentos quando policiais entraram no presídio  para conter uma rebelião.

“Não houve massacre, houve legítima defesa”, afirmou Sartori em 2016, ao votar pela absolvição de 74 réus.

Na esfera cível, a filha de um dos mortos cobrou um pedido de desculpas público e uma campanha institucional do governo de São Paulo, em horário nobre da rede nacional de televisão, reconhecendo a responsabilidade pela morte de 111 pessoas. Ela foi representada pelo advogado Carlos Alexandre Klomfahs.

O pedido já havia sido rejeitado em primeiro grau. Segundo o relator no TJ-SP, desembargador Torres de Carvalho, magistrados têm garantia de exercício independente da função judicante. Se extrapolarem o exercício do cargo, cabe a responsabilização pessoal dos juízes e não do estado, como pede a ação.

Ainda assim, Carvalho concluiu que a conduta do ex-presidente da corte não se aproximou em momento algum da ilicitude alegada. “A sentença foi feliz na análise da questão; sem adentrar o mérito do processo criminal, nada há no voto do Des. Ivan Sartori que possa configurar ato ilícito ou qualquer ofensa à pessoa ou à memória dos que morreram naquele episódio”, afirmou.

“O relator ter-se posicionado pela inexistência de crime na ocasião, no exercício próprio da função judicante, de maneira alguma conduz à constatação de dano moral ou violação à memória da vítima, sequer mencionada na decisão”, disse.

Carvalho manteve ainda a aplicação da multa por litigância de má-fé, pois o processo ficou paralisado durante três meses aguardando esclarecimentos da autora da ação sobre um recurso que estaria suspenso no Supremo Tribunal Federal.

Novo júri
Nesta terça-feira (22/5), a 4ª Câmara Criminal manteve a decisão que anulou o júri dos policiais. O colegiado determinou novo julgamento, que deve ser marcado pelo juízo de primeira instância.

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111 presos foram mortos no dia 2 de outubro de 1992 por PMs durante operação para controlar rebelião no Carandiru.
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Os desembargadores rejeitaram os embargos de declaração propostos pelo Ministério Público, sob o argumento que o tribunal paulista não havia esclarecido omissões e contradições na decisão que anulou a condenação de policiais.

Em 2016, os embargos já haviam sido julgados e rejeitados pelo tribunal, mas o MP apresentou recurso especial no Superior Tribunal de Justiça. Em abril, o STJ acolheu o pedido do órgão e determinou nova análise do recurso pelos desembargadores Ivan Sartori, Camilo Léllis e Edison Brandão, que ocorreu hoje.

Seguindo o entendimento do voto do relator, desembargador Ivan Sartori, a turma entendeu que não é o caso de aplicação do artigo 29 do Código Penal, porque as mortes ocorreram “por conta da ação isolada de cada agente, sucedendo que autônomas e independentes as condutas, o que a impor devida individualização, do que não cuidou a acusação no curso da instrução”.

Clique aqui para ler o acórdão da 10ª Câmara.
Clique aqui para ler o voto do relator na 4ª Câmara.

* Texto atualizado às 19h33 do dia 22/5/2018 para acréscimo de informação.

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