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Participação de Bolsonaro em ato é condenável, mas não configura crime

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17 de março de 2020, 8h23

Contrariando recomendações médicas — e feitas por ele mesmo —, o presidente Jair Bolsonaro decidiu romper o isolamento e cumprimentar manifestantes pró-governo durante o ato que ocorreu neste domingo (15/3) em Brasília. 

José Cruz/Agência Brasil
Presidente cumprimentou manifestantes em ato pró-governo
José Cruz/Agência Brasil

As precauções envolvendo o mandatário ocorrem após ele e membros de uma comitiva viajarem para os Estados Unidos. Ao todo, 14 integrantes da equipe foram infectados pelo novo coronavírus, entre eles, o chefe da Secom, Fabio Wajngarten.

O próprio Bolsonaro chegou a ser submetido a exame para saber se foi contaminado. O resultado deu negativo. A expectativa, no entanto, é a de que ele faça dois novos exames, respeitando o período de incubação do vírus. 

Crime?
Segundo especialistas, embora a conduta do presidente seja condenável, ele não cometeu crime ao cumprimentar os manifestantes. O fato de ter impulsionado atos, entretanto, pode ser considerado delituoso.

Em artigo publicado na ConJur nesta terça-feira (17/3), o advogado Fabrício Campos explica que ao menos três dispositivos do Código Penal — os artigos 131, 132 e 268 — abordam a questão.

Os dois primeiros, qualificam como crime "praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio" (artigo 131); e "expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente" (artigo 132).

No caso das duas ações delituosas, explica o advogado, só há crime quando uma pessoa age especificamente com o intuito de contaminar terceiros. 

"Um cidadão que resolve ir à feira contrariando determinação médica de isolamento muito provavelmente terá a intenção dolosa de comprar frutas, mas parece improvável etiquetá-lo com a intenção deliberada de contagiar outros”, diz.

Já o artigo 268 pode ser aplicado em caso de violações às regras de isolamento ou quarentena. O dispositivo estabelece pena de detenção de um mês a um ano para quem “infringir determinação do poder público, destinada a impedir a introdução ou propagação de doença contagiosa”. 

Mas para que haja delito, é necessário que algumas condições previstas na Lei 13.979/20 estejam presentes. São elas: burlar o isolamento ou quarentena mesmo estando diagnosticado com coronavírus; burlar termo de “consentimento livre e esclarecidos”, assinado por ele e por médico; ou termo de isolamento caso tenha contato com doente (cônjuges, filhos, pais etc). 

Por isso, diz Santos, “sem uma notificação específica determinando isolamento, comportamentos contrários às recomendações sanitárias podem até dificultar as medidas de controle da pandemia, mas não necessariamente podem ser enquadradas nos delitos dos artigos 131, 132 ou 268 do Código Penal”.

Reprovável, mas não criminoso
A criminalista Luiza Oliver também considera que não houve delito por parte do presidente. “Apesar de a conduta ser extremamente reprovável do ponto de vista cívico e de saúde pública, não vejo como qualificá-la de criminosa”, diz. 

Ela explica que o artigo 268 do CP depende da existência de uma determinação expressa por parte do Poder Público proibindo manifestações ou aglomerações de pessoas. 

“Existem diversas recomendações do Ministério da Saúde nesse sentido, mas não há determinação impositiva, o que afasta a configuração típica. Já com relação ao artigo 132 do CP, tendo dado negativo o primeiro exame para a doença, é difícil sustentar a existência do dolo exigido pelo tipo penal, ou seja, de que o presidente estava intencionalmente expondo a vida ou a saúde de outrem ao perigo”, afirma.

Incentivo
Para a advogada criminalista Maira Machado Frota Pinheiro, não é possível atribuir a Bolsonaro o dolo específico de buscar conscientemente contaminar pessoas, tal como previsto no artigo 131.

No entanto, “em relação ao artigo 132 a coisa se complica um pouco mais, pois, embora não haja uma notificação específica determinando o isolamento do presidente, há por parte dele o incentivo à participação em manifestações”.

Ainda segundo ela, “a forma como ele se expressou, incentivando a participação nos atos, coloca, sim, a saúde das pessoas em risco e poderia ter elementos suficientes para caracterizar a prática do crime”.

A criminalista Paula Sion diz que diante do primeiro teste negativo, não há que se falar em crimes previstos nos artigos 131 e 132 do CP. No entanto, a conduta é delituosa ao infringir instruções do poder público (artigo 268). 

"O Ministério da Saúde estabeleceu protocolos para tentar conter a pandemia e não só determinou expressamente o isolamento para pessoas que viajaram ao exterior — como é o caso do Bolsonaro —, como também que se evite aglomeração", afirma. 

Para ela, "na qualidade de chefe máximo da nação, além de irresponsável e repugnante, sua atitude pode ser enquadrada como crime, lembrando que 14 pessoas de sua comitiva testaram positivo e que ainda está pendente a repetição do exame".

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