Combate ao Coronavírus

TJ-SP suspende decisão que obriga estado a fornecer banho quente a presos

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23 de julho de 2020, 21h03

O desembargador Geraldo Francisco Pinheiro Franco, presidente do TJ-SP, suspendeu temporariamente nesta terça-feira (21/7) uma decisão que condenou o estado a fornecer banhos quentes em todas as unidades prisionais de São Paulo. 

Marcello Casal Jr./Agenciabrasil
Presidente do TJ-SP suspendeu decisão que obriga estado de SP a fornecer banho quente a presos    Marcello Casal Jr./Agenciabrasil

O magistrado atendeu a pedido de suspensão de sentença ajuizado pelo governo de SP. O cumprimento da ordem, segundo o Executivo estadual, comprometeria verbas que estão sendo utilizadas no combate ao novo coronavírus. 

O principal argumento veiculado na decisão é a existência de um "fato novo de dimensão jamais vista e incontroversa": a crise desencadeada pela epidemia de Covid-19, que alterou "os padrões da alocação de recursos públicos do Estado de São Paulo, com direcionamento preferencial ao enfrentamento da pandemia".

Além disso, a decisão considerou que as obras para implantação de chuveiros quentes nos presídios impõem que os presos sejam transferidos, "circunstância capaz de aumentar o risco de contágio da doença entre os presos".

"A prioridade do estado é a conjugação de esforços e meios de toda natureza, notadamente orçamentários, para o combate à pandemia local e mundial. E excluir desse desiderato numerário para destinação outra, ainda que por força de respeitável decisão judicial, atinge de morte a ordem pública, a saúde pública e a segurança pública", afirma o presidente do TJ-SP. 

Ainda de acordo com o desembargador, "em momento de enfrentamento de crise sanitária mundial, considerando todos os esforços envidados pelo estado, decisão que gera aumento de gastos pelo ente público tem o potencial de promover a desorganização administrativa e de obstar o pronto combate à pandemia". 

O presidente do TJ-SP definiu que a sentença deve ser suspensa até a conclusão do julgamento em segundo grau. 

Marcha processual conturbada
Embora a decisão que obrigava o fornecimento dos banhos quentes seja de fevereiro deste ano, ela apenas confirmou uma liminar que havia sido deferida pela 12ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo há sete anos. 

Para além da demora — a decisão acata ação civil pública proposta pela Defensoria Pública em 2013 —, o caso guarda algumas particularidades. Isso porque, embora o mérito da ação tenha sido julgado este ano, o magistrado não pôde, de imediato, deliberar sobre quando a determinação passaria a valer. 

A retrospectiva é a seguinte: em 2013 o pedido da Defensoria foi deferido, em caráter liminar, pela 12ª Vara de Fazenda Pública. Na ocasião, o juiz Adriano Laroca ordenou que a decisão fosse cumprida em até seis meses, sob pena de multa diária de R$ 200 mil.

Após o estado apelar, o desembargador Ivan Sartori, então presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, derrubou a liminar por considerar que não havia condições técnicas para executar a determinação. A deliberação ocorreu em 2014. 

O caso chegou ao Superior Tribunal de Justiça, que em abril de 2017 determinou o fornecimento dos banhos quentes, em sede de recurso especial. Ocorre que o acórdão não foi imediatamente publicado. O tribunal superior chegou a divulgar uma notícia sobre a decisão, mas o acórdão ficou esquecido. O caso foi julgado pela 2ª Turma do STJ, sob relatoria do ministro Herman Benjamin. 

Isso acabou por impor dois problemas. O primeiro é que ninguém soube se o prazo de seis meses para a aplicação da sentença, conforme decidido em primeira instância, foi mantido pelo STJ. A liminar não foi cumprida e os detentos de presídios paulistas continuaram tomando banho frio. 

O segundo problema é que o juiz de primeira instância, ao finalmente julgar o mérito neste ano, disse que, como o acórdão do STJ não havia sido publicado, não seria possível definir o prazo para que os banhos quentes passassem a valer. 

"Anote-se, por fim, que a questão referente ao cumprimento da tutela antecipada, a despeito da não publicação do v. Acórdão do STJ que restabeleceu em abril de 2017, será analisada no incidente digital já existente, após a vinda das notas taquigráficas do aludido julgamento já solicitadas àquela Corte em meados do ano passado", afirmou o magistrado em fevereiro. 

Finalmente, em 27 de fevereiro de 2020, após pedidos do juiz, reiteradas solicitações da Defensoria Pública de São Paulo e da ConJur, o STJ publicou o acórdão. O prazo que a corte definiu para o cumprimento da sentença no longínquo abril de 2017 foi de seis meses. Ou seja, se o STJ tivesse publicado a decisão, os presos de São Paulo deveriam estar tomando banho quente desde outubro de 2017. 

Na decisão desta terça-feira — que suspendeu a eficácia da sentença —, o desembargador Pinheiro Franco registrou que "a apreciação deste novo pedido de suspensão está longe de implicar eventual inobservância do julgamento proferido pelo Superior Tribunal de Justiça em Recurso Especial".

Contudo, para Leonardo Biagioni de Lima, do Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria, a ordem da Presidência do TJ-SP de novamente postergar o cumprimento de uma sentença que já deveria estar valendo desde 2017 viola a decisão da corte especial.

Ele também diz que o momento de crise causada pela Covid-19 deveria pesar em favor da instalação de equipamentos para fornecer banhos quentes, levando em conta que a água gelada causa e agrava problemas respiratórios. 

"A presidência do Tribunal de Justiça nessa situação acaba violando frontalmente decisão já proferida pelo Superior Tribunal de Justiça — instância superior ao TJSP —, o que, na nossa avaliação, é ilegal", afirmou à ConJur.

"Ato de tortura"
A decisão que condenou o estado a fornecer banhos em temperatura adequada foi amparada por laudos médicos que fizeram a Defensoria Pública afirmar que os banhos gelados configuram "ato de tortura, sobretudo nos dias mais frios". 

Conforme um dos pareceres, assinado por Mônica Corso Pereira, presidente da Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia, o resfriamento exagerado do corpo, seja por meio de inalação do ar frio ou da imersão em água fria, causa resposta no sistema respiratório, tanto com o estreitamento dos brônquios quanto dos vasos sanguíneos.

 "Tais efeitos são potencialmente mais prejudiciais em pessoas portadoras de doenças prévias pulmonares (asma, doença pulmonar obstrutiva crônica, rinite) ou cardíacas (insuficiência cardíaca, hipertensão arterial sistêmica, hipertensão arterial pulmonar)", diz o laudo. Pessoas com problemas pulmonares fazem parte do grupo de risco, pois estão mais sujeitas a complicações caso contraiam a Covid-19. 

O magistrado acolheu os argumentos apresentados na ação e considerou que "manter o preso em condições indignas, ainda que seja uma decisão político-administrativa, apoiada por muitos na sociedade civil, é absolutamente ilegítima, inconstitucional, violadora do mínimo existencial da dignidade humana". 

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Processo 2166694-27.2020.8.26.0000

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