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Julgamento virtual contribuiu para morte de ex-deputado, diz Gilmar Mendes

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16 de julho de 2020, 17h25

Devido à epidemia do novo coronavírus, todas as sessões do Supremo Tribunal Federal passaram a ser feitas de forma virtual. E o fato de o julgamento do pedido de prisão domiciliar do ex-deputado federal Nelson Meurer ter ocorrido dessa forma contribuiu para a sua negativa — e posterior morte —, avaliou o ministro Gilmar Mendes, no seminário virtual "Habeas Corpus e controle do poder punitivo", promovido pelo IDP, com apoio da ConJur, nesta quinta-feira (16/7). O evento foi mediado pelos advogados Rodrigo Mudrovitsch e Alberto Toron.

Dorivan Marinho/SCO/STF
Gilmar Mendes disse que morte de ex-deputado é "um embaraço para todos nós"
Dorivan Marinho/STF

Nelson Meurer morreu, aos 78 anos, na prisão neste domingo (12/7), após contrair Covid-19. Seus advogados Michel Saliba e Alexandre Jobim levaram ao Supremo em março pedido de domiciliar, que foi inicialmente negado pelo ministro Luiz Edson Fachin, decisão depois confirmada por maioria na 2ª Turma. Fachin e Celso de Mello rejeitaram o pedido. Gilmar e Ricardo Lewandowski votaram pela concessão de prisão domiciliar.

A ministra Cármen Lúcia não votou, e sua omissão contou como um voto acompanhando o relator, Fachin, como era a regra na época. Por equívoco, ao se criar regras para o Plenário Virtual, estabeleceu-se que, em caso de empate nas turmas, o empate seria resolvido dando peso duplo ao voto do relator. O problema é que quando a matéria é criminal, a jurisprudência é a de que o empate favorece o réu. O assunto foi abordado pelo jurista Lenio Streck, em coluna na ConJur.

Na visão de Gilmar, se o julgamento tivesse sido presencial, os advogados de Meurer não aceitariam que o voto de Cármen fosse automaticamente contado como se seguisse o do relator. E isso forçaria os ministros a chegarem a outra solução.

A regra foi posteriormente modificada para que os votos não manifestados em Plenário Virtual passassem a contar como abstenção, mas a morte do ex-deputado é "um embaraço para todos nós", disse Gilmar. "Não estamos falando só de liberdade. Em tempos de pandemia, estamos falando da própria vida das pessoas. É fundamental que não incidamos nos erros que já foram cometidos", declarou, defendendo que advogados também participem das propostas de mudança do Regimento Interno do STF.

Mudança de cultura
Há um excesso de prisões provisórias e decisões que indevidamente as mantêm. Para mudar esse cenário, é preciso melhorar a legislação. Mas também investir na formação de profissionais do Direito, afirmou Gilmar Mendes.

O ministro lembrou que, em evento organizado pela ConJur para debater os 30 anos da Constituição, em 2018, o presidente do Superior Tribunal de Justiça, João Otávio de Noronha, repreendeu publicamente o Tribunal de Justiça de São Paulo pelo fato de a corte paulista desrespeitar sistematicamente súmulas do STJ e não conceder Habeas Corpus.

Para mudar esse cenário, é preciso construir uma nova cultura jurídica, avaliou Gilmar. E isso pode ser feito conferindo maior atenção à formação de magistrados, integrantes do Ministério Público e delegados. Quanto aos primeiros profissionais, esse papel poderia ser exercido pela Escola Nacional da Magistratura e pelo Conselho Nacional de Justiça, opinou o ministro.

Um dos focos desse plano, conforme Gilmar, deve ser a redução de prisões sem fundamento. "Quando eu decreto uma prisão abusiva, incido em crime de abuso de autoridade. É preciso ensinar medidas alternativas."

O ministro do STJ Rogério Schietti Cruz concorda com a crítica do presidente da corte. "O TJ-SP desconsidera a jurisprudência do STJ. O TJ-SP é responsável por mais de 50% do volume de HCs no STJ. E 61% das impetrações da Defensoria Pública de São Paulo são concedidas. Isso não pode ser normal. E cria um caos no sistema de justiça criminal", apontou.

No entanto, a defensora pública de São Paulo Daniela Solberger disse não acreditar que a mudança na formação dos profissionais do Direito irá alterar o cenário. "A sociedade é punitivista e acha que a prisão resolve o problema. Se fosse o caso, o Brasil seria absolutamente seguro".

Polêmica sobre recursos
Rogério Schietti Cruz destacou que, no Brasil, há mais de 20 instrumentos de contestação de decisões, sendo que alguns deles, como o HC e os embargos de declaração, podem ser apresentados mais de uma vez. E isso, a seu ver, faz com que os processos durem mais do que seria razoável.

Assim, o ministro sugeriu reformar algumas dessas medidas ou transformar o HC em substituto de recurso e deixar os recursos especial e extraordinário mais para a acusação.

Por outro lado, Ney Bello, desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, disse que é urgente criar um recurso contra decisões interlocutórias no processo penal — semelhante ao agravo de instrumento no processo civil.

Sem uma medida do tipo, ressaltou, é necessário usar o Habeas Corpus, pois não dá para deixar uma nulidade ou outra questão relevante só ser discutida na sentença.

Clique aqui para ver o seminário ou assista abaixo:

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