Imparcialidade incontestável

Ciro diz que não indicará para o Supremo quem já tiver sido filiado a partido

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2 de outubro de 2018, 9h00

*Este texto integra uma série de reportagens sobre as propostas dos candidatos à Presidência da República para o Judiciário, o Ministério Público, as polícias, a advocacia pública, a legislação penal e o sistema penitenciário.

Ministro do Supremo Tribunal Federal não pode ter sido filiado a partido político em algum momento de sua vida. O candidato do PDT a presidente, Ciro Gomes, promete seguir essa regra para indicar integrantes da corte se for eleito. E mais: quer que magistrados e integrantes do Ministério Público atuem com contenção, sem extrapolar suas funções.

José Cruz/Agência Brasil
Para Ciro Gomes, filiação a partido "deforma" imagem de ministro do STF.
José Cruz/Agência Brasil

Ciro foi questionado sobre o perfil de ministro que indicaria para o STF em sabatina promovida em setembro pelos jornais O Globo e Valor Econômico e pela revista Época. O próximo presidente da República escolherá, pelo menos, dois ministros para o tribunal, porque Celso de Mello e Marco Aurélio completarão 75 anos durante o mandato, idade da aposentadoria compulsória.

“Reputação ilibada, notório saber jurídico, isso é sabedoria da nossa Constituição. E de novo: o Fernando Henrique Cardoso nomeia os cabos eleitorais dele, os simpatizantes dele, isso é a politiquinha de São Paulo; o PT se sente autorizado a fazer a mesma coisa. O que a gente tem que fazer é preservar o Supremo Tribunal Federal pra aquilo que a Constituição prevê. É preciso ter reputação ilibada, é preciso estar isento dessas futricas. Não pode em nenhuma circunstância ter sido filiado a partido. Não é ser [filiado a partido] na data [de indicação], é não ter sido filiado a partido, pois isso já deforma, porque é a suprema majestade da Justiça”, apontou Ciro, que é advogado e já foi professor de Direito Constitucional e de Direito Tributário da Universidade de Fortaleza.

Em seguida, o ministro da Fazenda de Itamar Franco e da Integração Nacional do governo Lula criticou a escolha do ministro Alexandre de Moraes pelo presidente Michel Temer. “Eu fico chocado como alguém nomeia o Alexandre de Moraes ministro do STF. O Alexandre de Moraes era secretário de Segurança do Alckmin ontem, ministro [da Justiça] do Temer, um governo corrupto.”

“E Dias Toffoli?”, perguntou a jornalista Miriam Leitão. “Também. Está errado. É a mesma coisa. Gilmar Mendes? Está errado. E olha que o Gilmar Mendes é uma figura extraordinária em termos de saber jurídico”, destacou Ciro.

Moraes era filiado ao PSDB quando foi indicado para o STF. Antes, foi do DEM. Ele foi secretário de Justiça e de Segurança Pública de São Paulo em governos do tucano Geraldo Alckmin, além de ministro da Justiça de Temer.

Toffoli foi filiado por quatro anos ao PT e deixou o partido seis anos antes de ser escolhido para o Supremo por Lula. O ministro foi advogado-geral da União e chefe do jurídico da Casa Civil nos governos Lula e advogou para o PT no Tribunal Superior Eleitoral nas campanhas de 1998, 2002 e 2006. Antes, foi assessor da liderança do PT na Câmara dos Deputados.

Gilmar, citado por Ciro na sabatina, nunca foi filiado a partido, mas cogitou concorrer ao Senado pelo PSDB nas eleições de 2002. Desistiu diante da indicação ao Supremo por Fernando Henrique Cardoso. No governo dele, Gilmar foi advogado-geral da União e subchefe para assuntos jurídicos da Casa Civil. O ministro ainda foi chefe da Assessoria Jurídica da Presidência da República durante o processo de impeachment de Fernando Collor.

De forma geral, Ciro não tem uma visão favorável da atuação do STF nos últimos tempos. Ao criticar o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em entrevista à rádio Jovem Pan em 2017, ele foi questionado como era possível dizer que o processo foi um “golpe”, se ele foi chancelado pelo Supremo.

Em resposta, o ex-ministro lembrou que, em 2 de abril de 1964, o então presidente do Senado, Auro Moura de Andrade, declarou que João Goulart havia abandonado a Presidência da República — mesmo com ele ainda estando no Brasil. Em seguida, continuou, o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, assumiu o governo e convocou eleições indiretas, que foram vencidas pelo general Castello Branco. E isso tudo sem que o STF interviesse, destacou.

“Você acha que isso foi tudo legal? Não foi um golpe? Isso é a noite de 64. Supremo Tribunal Federal demandado, até hoje calado. E o Ruy Barbosa dizia, e contemporaneamente repito, é o poder que mais tem faltado à República”, avaliou Ciro.

O candidato não respondeu às perguntas da ConJur sobre suas propostas para o Judiciário, o Ministério Público, as polícias, a advocacia pública, a legislação penal e o sistema penitenciário.

Atuação política
O Judiciário e o Ministério Público estão “exercendo a política” sem ter legitimidade para isso, uma vez que seus integrantes não são eleitos pelo povo, disse o presidenciável em entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo, no fim de agosto.

Segundo o ex-governador do Ceará, o exibicionismo de magistrados como Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, e membros do MP que integram a força-tarefa da “lava jato” tem afetado a imagem de imparcialidade dessas instituições.

“Não tem um debate no estrangeiro que eu não encontre um desses aí. Não sei a que horas julgam. Tem a foto do sujeito [Moro] se abrindo, de cochicho com o [senador do PSDB] Aécio [Neves]… Isso pega mal. Não sei se é porque estou velho, mas, no meu tempo, juiz não ia nem para o bar, porque ele guarda uma majestade tão importante para a estabilização da República, para o respeito das instituições que o povo precisa ter, que ele não pode se dar a esse desfrute da convivência mundana”, declarou Ciro em sabatina dos jornais O Globo e Valor Econômico e da revista Época, em setembro.

André Carvalho/CNI
Ciro Gomes afirma que juiz Sergio Moro e procuradores da operação "lava jato" estão se expondo demais.
André Carvalho/CNI

Ao adotarem essa postura e agirem de forma política, continuou o candidato, juízes, procuradores e promotores acabam contrariando a mensagem que gostariam de passar com a operação “lava jato”.

“No fundo, acaba com o objetivo da ‘lava jato’, que é passar para a sociedade brasileira que a impunidade não é mais um prêmio do bandido de alto coturno. Agora, começaram a 30 dias da eleição, o que me causa um constrangimento, a representar contra gente do tucanato: prenderam o [ex-governador do Paraná e candidato ao Senado pelo PSDB Beto] Richa ontem, entraram na casa do governador de Mato Grosso do Sul [Reinaldo Azambuja, também do PSDB]. Eu acho que merece. Mas isso tudo é muito estranho. Eu estava falando de militar aqui, que vulnera a sociedade brasileira esse tipo de tutela autoritária, é essa mesma matriz de achar que um juiz singular vai ter chibata moral da República. E os outros, vão fazer o quê? Essas coisas têm que ser institucionais, têm que ser sóbrias, têm que ser serenas. E severas.”

Para mudar esse cenário e conferir segurança jurídica, o pedetista propõe uma modernização do Judiciário e do MP. O objetivo é que essas instituições fiquem limitadas a exercer suas funções, sem extrapolá-las. Dessa maneira, ressalta o presidenciável, limitaria a ocorrência de impasses como quando os magistrados federais Rogério Favreto, Sergio Moro, João Pedro Gebran Neto e Thompson Flores se engalfinharam numa batalha judicial pela soltura ou manutenção da prisão de Lula — esta ordem saiu vitoriosa do episódio.

Embora seja crítico da reforma trabalhista e tenha prometido revogá-la, o ex-ministro da Fazenda indicou, em entrevista ao jornal O Globo em agosto, que buscará “atenuar os abusos da Justiça do Trabalho”, caso seja eleito.

Considerada por Ciro a porta de entrada dos mais pobres à Justiça, a Defensoria Pública deve ser ampliada, sugeriu neste sábado (29/9) a profissionais da classe, em São Paulo. E esse aumento, conforme o presidenciável, deve priorizar a atuação nos estados, não nos tribunais superiores.

Aceleração de processos
Ciro Gomes promete, em seu programa de governo, articular com o Conselho Nacional de Justiça medidas para agilizar a tramitação de processos e inquéritos de “crimes graves” — sem, contudo, definir quais delitos se enquadrariam nessa categoria.

Algumas medidas a serem tomadas nesse sentido seriam estabelecer critérios objetivos para as audiências de custódia, simplificar o inquérito policial e destruir armas ilegais e drogas apreendidas pelas forças de segurança.

No campo dos entorpecentes, o candidato do PDT não oferece soluções prontas. Por um lado, ele afirmou, no Roda Viva, da TV Cultura, em maio, que grande parte dos homicídios do país estão relacionados ao tráfico de drogas e que o combate a essas mortes deve ser prioridade do próximo presidente.

Por outro, Ciro lembrou na ocasião que o Brasil é um país “profundamente cristão” e que intelectuais não podem impor a descriminalização das drogas ao povo. “Não adianta nós, do mundo letrado, acharmos que vamos empurrar goela abaixo de uma sociedade cristã, religiosa, moralista como a nossa, questões dessa natureza.”

Ainda que considere que não houve tempo suficiente para se concluir se experiências internacionais de descriminalização funcionam, o ex-governador do Ceará defendeu um debate sobre a mudança da política de enfrentamento ao tráfico. A seu ver, as drogas têm que ser encaradas como um assunto de saúde pública. Um bom exemplo é o de Portugal, opinou no Roda Viva. Isso porque, lá, especialistas fixaram quantidades necessárias para usuários se manterem e deixaram de penalizar quem fosse pego com porções até esse limite.

Guarda de fronteiras
O governo federal deve ter maior responsabilidade pela segurança pública, entende o ex-prefeito de Fortaleza. Assim, ele quer criar uma polícia de fronteiras e um sistema nacional de inteligência e institucionalizar a Força Nacional. Enquanto a política de drogas não for mudada, o presidenciável deseja intensificar a luta contra o tráfico, nacional e internacional, de entorpecentes e armas.

Além disso, o ex-ministro recomenda, em seu programa de governo, instituir a Escola Nacional de Segurança, com o objetivo de capacitar policiais estaduais para investigar e prevenir crimes graves.

Outra ideia de Ciro é criar um órgão federal de proteção a testemunhas para atender os casos mais graves de delatores de organizações criminosas. Nessa linha, ele também quer reduzir os entraves burocráticos à celebração dos acordos de leniência.

O combate à corrupção deve ser aprimorado, segundo Ciro, com a “construção de um sistema ágil de investigação sobre lavagem de dinheiro, que inclua a Polícia Federal, a Receita Federal e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras”. Ele sugere ainda a instituição de “mecanismos de controle social ativo e integrado com relação às organizações que são responsáveis pela defesa do patrimônio público”, como Controladoria-Geral da União, Polícia Federal, Tribunal de Contas da União e Ministério Público.

Com relação ao sistema penitenciário, o pedetista propõe a ocupação de vagas ociosas em presídios federais. Com isso, visa afastar dos estados presos de alta periculosidade, que continuam comandando facções de dentro das cadeias.

Para prevenir delitos e reduzir a reincidência criminal, Ciro busca promover a inclusão de jovens que vivem em áreas de conflito ou moradores de rua em programas profissionalizantes e criar um sistema de acompanhamento dos recém-saídos de penitenciárias.

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