Hospedagem e alimentação

Uso de verba de campanha para gastos pessoais gera preocupação no TSE

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24 de março de 2023, 12h45

A possibilidade de a Justiça Eleitoral considerar ilegais os gastos de candidatos com combustível, alimentação e hospedagem durante o período de campanha custeados por verbas eleitorais tem gerado discussão e preocupação no Tribunal Superior Eleitoral.

Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Marina Silva incluiu na prestação de contas da campanha de 2018 gastos que a lei eleitoral considera pessoais
Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

O artigo 26, parágrafo 3º da Lei das Eleições (Lei 9.504/1997) diz que essas despesas, quando de natureza pessoal, não são consideradas gastos eleitorais, nem se sujeitam à prestação de contas. A norma foi reproduzida nas resoluções que o TSE editou para regulamentar a arrecadação e gastos desde a eleição de 2018.

Como consequência, a Assessoria de Exame de Contas Eleitorais e Partidárias (Asepa) do TSE tem destacado esses gastos como irregulares na análise das prestações de contas enviadas pelos candidatos, com recomendação de devolução ao Fundo Partidário.

Os ministros, no entanto, têm entendido que o objetivo do legislador não foi exatamente vedar o uso de verbas de campanha, seja do Fundo Eleitoral ou de recursos próprios, para custear combustível, alimentação e hospedagem.

Em vez disso, buscou desburocratizar esses gastos se custeados com recursos privados. Quando isso ocorre, não há necessidade de inclui-los na documentação enviada ao tribunal. Por outro lado, se o custeio é feito com verba de campanha, é primordial que seja incluída na prestação de contas.

O caso Marina Silva
Essa interpretação foi assentada em caso recente em que o TSE aprovou as contas de Marina Silva (PV) na campanha presidencial de 2018. Ela informou o custeio de hospedagens para si e seu vice, Eduardo Jorge, pagos com recursos da campanha: R$ 1,4 mil do Fundo Partidário e outros R$ 14,3 mil de recursos pessoais.

A defesa da candidata, feita pelo advogado Rafael Moreira Mota, apontou que esses gastos foram feitos sob a perspectiva de legalidade, não induzindo a rejeição das contas. Para a Asepa, eles são irregulares. O Ministério Público Eleitoral concordou, assentando que "a lei veda o pagamento de despesas pessoais dos candidatos com recursos da campanha, o que inclui as verbas de todas as fontes".

Antonio Augusto/TSE
Para o ministro Ricardo Lewandowski, TSE deve rever a regulamentação existente

Relator, o ministro Ricardo Lewandowski explicou que não existe vedação expressa quanto ao registro na prestação de contas daqueles gastos ditos "de natureza pessoal". Assim, a regra do artigo 26, parágrafo 3º da Lei das Eleições só incide nos casos que envolvam utilização de recursos privados.

Por isso, afastou a irregularidade no emprego de R$ 1,4 mil do Fundo Partidário, mas manteve a restrição no uso do restante da verba. Diante dos demais questionamentos feitos no processo, que analisou o emprego de R$ 8 milhões na campanha, as contas foram aprovadas com ressalva.

"É importante pontuar que os pequenos apontamentos feitos pelo TSE, referentes a falhas materiais, não macularam a higidez da prestação de contas, tendo sido preservada a publicidade dos gastos eleitorais, necessária à fiscalização social", destacou o advogado da candidata. "Mais uma vez, a Justiça Eleitoral cumpre a sua função de delinear o que é correto."

Hora de rever
No mesmo voto, o ministro Ricardo Lewandowski ainda levantou que o TSE deve rever a normatização que fez quanto aos gastos "pessoais do candidato". A proposta é de fazer estudos para estudos para disciplinar e regulamentar a regra do artigo 26, parágrafo 3º da Lei das Eleições, afim de possibilitar o registro de tais gastos nas prestações de contas.

Em sua análise, não é razoável determinar que todos esses gastos, em uma campanha presidencial com todos os compromissos e deslocamentos necessários, sejam tidos como irregulares quando custeados pela campanha.

"Ponderando acerca do formato adotado para o financiamento das campanhas eleitorais no Brasil e o custo de uma eleição presidencial, a restrição para uso das verbas arrecadadas pode prejudicar aquele candidato que se valha exclusivamente de dinheiro público para sua campanha", opinou.

A consequência seria retirar da disputa os candidatos que não tenham poder financeiro pessoal para pagar combustível, estadia e alimentação. As eleições presidenciais seriam dominadas por "castas sociais mais abastadas", segundo o ministro Lewandowski.

Por fim, essa postura levaria os diretórios partidários a registrar tais gastos em suas prestações de contas anuais. Ou seja, eles só seriam tornados públicos e analisados no ano seguinte ao das eleições, o que prejudicaria a transparência e o controle social das contas de campanha.

"Reforço meu entendimento de não serem indevidos e irregulares os registros e pagamentos, nas prestações de contas de campanha eleitoral, daqueles gastos com hospedagens, alimentação, combustível e de manutenção de veículos realizados por candidato à Presidente da República, inclusive seu vice", disse o relator.

Para Ricardo Martins, sócio do Medeiros & Barros Correia Advogados, a proposta de revisão é bem-vinda. "Impedir que os gastos com hospedagem, alimentação, combustível do próprio candidato sejam pagos com recursos do fundo vai de encontro à lógica democrática de permitir que todos, independentemente de sua condição financeira pessoal, possam participar das eleições, em iguais condições, além de incentivar a omissão de despesas de campanha, comprometendo, dessa forma, a lisura da prestação de contas", avaliou.

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PC 0601228-25.2018.6.00.0000

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