Opinião

No cumprimento de sentença contra Fazenda, exequente deve ser isento da taxa judiciária

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30 de março de 2024, 6h35

A Lei Paulista n° 17.785, de 3/10/2023, passou a vigorar no dia 3/1/2024 e trouxe importante aumento no recolhimento da taxa judiciária no estado de São Paulo, alterando e acrescentando dispositivos na Lei n° 11.608, de 29/12/2003.

As principais inovações dizem respeito não apenas ao aumento nos percentuais da taxa judiciária, como também ao momento de seu recolhimento, mais especificamente nas hipóteses dos incisos III e IV do artigo 4º da Lei n° 11.608/2003, que preveem, respectivamente, que o recolhimento da taxa judiciária será de 2%  sobre o valor da causa no momento da distribuição da execução de título extrajudicial; e de 2% sobre o valor do crédito a ser satisfeito, por ocasião da instauração da fase de cumprimento de sentença.

As regras anteriores previam que, na execução de título extrajudicial, 1% deveria ser recolhido no momento da distribuição da execução e mais 1% ao ser satisfeita a execução. Já no cumprimento de sentença, o exequente nada precisava recolher; não havia taxa inicial e, ao final, era apenas o executado, sucumbente na ação principal, que deveria arcar com o recolhimento da taxa de 1% ao ser satisfeita a execução.

Nota-se que em ambos os casos a nova lei impôs maior ônus ao exequente — de título extrajudicial ou judicial —, que agora é obrigado a despender, de saída, quantia relevante sem ter qualquer garantia de que a execução será frutífera ou mesmo se receberá do executado valor ao menos suficiente para reembolsar a taxa judiciária paga no início do feito.

Por esse motivo, a inovação recebeu justas críticas por parte de advogados e dos respectivos órgãos que os representam.

O presente artigo tem por objetivo comentar, exclusivamente, os reflexos da nova lei nos processos de cumprimento de sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa pela Fazenda Pública.

Um caso de não recolhimento

A seguir, um caso prático cujo desfecho ainda é desconhecido, servirá para ilustrar a questão.

Após fase de instauração de cumprimento de sentença, que reconheceu a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa pela Fazenda Pública (no caso, o município de São Paulo), e depois da entrada em vigor da nova lei, deixou-se de recolher a taxa judiciária com base em entendimento resumido no seguinte parágrafo, inserido em peça inicial:

“Deixa-se de incluir, nos cálculos da presente execução, a taxa judiciária prevista no art. 4º, inciso IV, da Lei Paulista no 11.608/2003, com as alterações trazidas pela Lei n° 17.785, de 03/10/2023, e do Comunicado Conjunto n. 951/2023 do TJSP, de 2% (dois por cento) sobre o valor do crédito a ser satisfeito, por ocasião da instauração da fase de cumprimento de sentença, porque o art. 6° da mesma lei estabelece que a União, o Estado, o Município e respectivas autarquias e fundações, assim como o Ministério Público estão isentos da taxa judiciária, regra esta igualmente prevista no art. 39 da Lei Federal no 6.830/1980”.

Sobreveio, então, a seguinte decisão:

Em cumprimento ao Comunicado Conjunto nº 951/2023, no prazo de dez dias, comprove(m) o(s) exequente(s) o pagamento da taxa judiciária relativa a 2% (dois por cento) sobre o valor do crédito a ser satisfeito, quando do início da fase de cumprimento de sentença ressalvados os casos em que há gratuidade da justiça.

No caso do não recolhimento, providencie-se o cancelamento do presente incidente de cumprimento de sentença.”

Contra essa decisão, foram opostos embargos de declaração alegando omissão justamente quanto ao parágrafo acima reproduzido.

Adiantamento e reembolso

Explica-se.

Em que pese o inciso IV do artigo 4º da Lei Estadual no 11.608/2003, acrescentado pela Lei n° 17.785/2023, estabelecer que o recolhimento da taxa judiciária deverá ser de 2% sobre o valor do crédito a ser satisfeito, por ocasião da instauração da fase de cumprimento de sentença, referido dispositivo deve ser interpretado em conjunto com as demais disposições de referida lei, especialmente com o que estabelecem o artigo 6º e o §13 do referido artigo 4º.

Spacca

O §13 do artigo 4º da referida lei prevê: “Ao dar início à execução, o exequente incluirá no demonstrativo de débito a taxa prevista nos incisos III e IV do presente artigo”, deixando claro que o objetivo da norma não é impor ao exequente a obrigação de arcar com a taxa judiciária, pois esta obrigação é sempre do executado, em respeito ao princípio da causalidade.

O que a nova sistemática estabelece é que o exequente deverá adiantar o recolhimento desta taxa e incluir este gasto no demonstrativo do débito do executado, juntamente com o principal e demais encargos da condenação imposta na sentença objeto da execução.

Ou seja, trata-se de taxa (espécie de tributo) que, ao final, deverá ser reembolsada pelo executado, pois este é o verdadeiro responsável pela obrigação, o real sujeito passivo do tributo. Trata-se de uma verdadeira espécie de substituição tributária, conceito assim definido por Maria Helena Diniz (in Dicionário Jurídico, Vol. 4, Saraiva, 1998):

SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. Direito Tributário. 1. Formação de relação jurídico-tributária entre o fisco e aquele que não é titular da situação tributada, o qual assume a posição de devedor, por força da lei, substituindo-o, tendo, contudo, direito ao reembolso (Micheli e W. Piva Rodrigues).  2. Ato em que terceiro, alheio à situação tributária, vem a ser legalmente obrigado, ao lado do real sujeito passivo, ao cumprimento da obrigação tributária (Giannini)”.

Isso fica claro na mensagem do desembargador Geraldo Francisco Pinheiro Franco (então presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo) datada de 25/10/2021 e enviada juntamente com o Projeto de Lei nº 752, de 2021, de iniciativa do próprio tribunal, da qual se reproduzem os seguintes trechos:

“ Em muitos casos, os processos de execução tramitam por longos anos, com a prática de inúmeros atos tendentes à constrição e expropriação de bens (ou seja, com a prestação efetiva do serviço judiciário nesta fase processual), podendo-se alcançar inclusive a satisfação de parcela expressiva do crédito exequendo, sem que, diante da redação da norma referida (que remete a cobrança das custas finais ao momento da satisfação integral da execução), qualquer valor seja recolhido aos cofres públicos.

Ressalte-se, ainda, que a atual sistemática não é eficiente sob o prisma da economia de atos processuais. Dois cenários, igualmente negativos, costumam ocorrer aqui. Se o exequente, após a satisfação do crédito de sua titularidade, efetua o recolhimento da taxa judiciária final, ele precisará apresentar nova memória de cálculo, seguida de intimação do devedor e eventualmente de novas medidas coercitivas ou sub-rogatórias, para fazer valer o princípio da causalidade e buscar o ressarcimento dessas custas finais do executado. Em um segundo cenário, o exequente, satisfeito o seu crédito, não recolhe as custas finais, sendo emitida, então, certidão para envio à Fazenda Pública Estadual e posterior inscrição na dívida ativa, com todos os percalços e insucessos daí decorrentes.

Como solução para esses problemas, propõe-se que a cobrança das custas da execução seja realizada exclusivamente no início da execução de título extrajudicial ou da fase de cumprimento de sentença, independentemente da satisfação integral ou parcial do crédito exequendo em momento posterior, porque, de qualquer modo, o serviço judicial é prestado pelo Poder Judiciário.

Assim, no momento da distribuição da execução de título extrajudicial, a parte recolheria 2% (1% de custas iniciais + 1% do que hoje se denominam custas finais). Aqui, deixar-se-ia, como exceção, de aplicar a majoração proposta no item anterior (que elevaria o total para 2,5%), para não tornar o desembolso inicial excessivo para o exequente, cujo crédito ainda não foi satisfeito. Todavia, em razão desta concentração do recolhimento no início da execução, nenhum valor seria devido, ao final, quando da satisfação da execução.

Extinta a execução, os autos poderiam ser imediatamente arquivados, sem qualquer providência adicional no que diz respeito ao recolhimento da taxa judiciária (porque tudo já teria sido recolhido no início e acrescido ao cálculo do exequente para fins de ressarcimento deste [princípio da causalidade]). O mesmo raciocínio deverá ser adotado quando instaurada a fase de cumprimento de sentença após formado o título executivo judicial. Ao dar início à fase de cumprimento de sentença, o exequente deverá recolher, igualmente, 2% sobre o valor do crédito a ser satisfeito, dispensando qualquer recolhimento adicional por ocasião da extinção do processo pelo pagamento.

O mesmo raciocínio deverá ser adotado quando instaurada a fase de cumprimento de sentença após formado o título executivo judicial.

Ao dar início à fase de cumprimento de sentença, o exequente deverá recolher, igualmente, 2% sobre o valor do crédito a ser satisfeito, dispensando qualquer recolhimento adicional por ocasião da extinção do processo pelo pagamento.

Para o reembolso dos valores dispensados tanto na execução de título extrajudicial como de judicial, o exequente poderá providenciar, conforme esta sistemática, a inclusão da taxa judiciária no cálculo que for apresentado para pagamento por parte do executado.

Tal proceder, além de tornar mais efetivo o recolhimento da taxa judiciária, por serviços judiciários que serão de qualquer modo prestados (quer haja satisfação ou não do débito, total ou parcial), tem a vantagem, ainda, de racionalizar a prática de atos processuais e cartorários, pois torna desnecessária a apuração das custas devidas ao final da execução, a determinação de seu recolhimento, bem como, em caso de não pagamento, a expedição de certidão e sua remessa à Procuradoria.” (negritos do original).

Nesse contexto, a obrigação imposta ao exequente de recolher a taxa na distribuição do cumprimento de sentença somente fará sentido e será justa, em respeito ao princípio da causalidade, se o exequente puder cobrar do executado o correspondente reembolso, visto que o real sujeito passivo da obrigação é o executado. Claro, não faria sentido a lei possibilitar expressamente ao exequente exigir do executado o reembolso do valor despendido com a taxa se este (o executado) não fosse o real sujeito passivo da obrigação.

Isenção

Feita essa introdução, aborda-se agora a isenção prevista no artigo 6º da Lei no 11.608/2003, que não sofreu alteração:

“Artigo 6° – A União, o Estado, o Município e respectivas autarquias e fundações, assim como o Ministério Público estão isentos da taxa judiciária”.

Ora, como a Fazenda Pública é isenta da taxa judiciária, resulta lógico que o exequente não poderá requerer dela o reembolso do valor que despender com a taxa no momento da instauração do cumprimento de sentença, pois, como visto, o exequente funcionaria, na hipótese, como mero substituto tributário.

Ou seja, se a substituída (Fazenda Pública executada) é isenta da taxa, não faz sentido exigir dela o reembolso.

Conclui-se, assim, que, no cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública, que é expressamente isenta da taxa judiciária por força do artigo 6º supramencionado, o exequente não a deverá recolher, nem poderá ser obrigado a fazê-lo, eis que não poderá requerer o seu reembolso.

Como a nova lei entrou em vigor há apenas pouco mais de dois meses, não há jurisprudência nem doutrina a respeito.

Necessário aguardar, portanto, para saber como o Poder Judiciário enfrentará a questão.

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