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STJ diverge sobre metodologia para calcular preços de transferência

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7 de maio de 2024, 13h53

Ao regulamentar a forma de cálculo dos preços de transferência prevista no artigo 18, inciso II, da Lei 9.430/1996, a Instrução Normativa 243/2002 da Fazenda Nacional extrapolou limites e aumentou a onerosidade tributária das empresas de forma indevida?

Metodologia da Fazenda vigorou de 2002 a 2012 e é discutida por multinacionais

Essa dúvida gerou divergência entre os colegiados de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça. Para a 1ª Turma, a regulamentação feita pela Fazenda é ilícita e não deve prevalecer. Para a 2ª Turma, porém, é legítima e evita a evasão fiscal das multinacionais.

O precedente da 1ª Turma foi firmado em 2022. Já a 2ª Turma analisou a controvérsia pela primeira vez em outubro de 2023, e o acórdão só foi publicado no último dia 15.

Preços de transferência

A controvérsia é antiga, já que a instrução contestada ficou vigente de 2002 a 2012. Ela trata do cálculo dos preços de transferência, instrumento aplicado às operações de venda de mercadorias ou produtos entre multinacionais pertencentes ao mesmo grupo econômico.

Nessas transações, há liberdade total para estabelecer o valor cobrado, que pode ou não coincidir com o usualmente praticado no mercado.

Na prática, é uma forma de transferir lucros de uma jurisdição para outra, sempre buscando como destino o local que tenha a menor base tributária.

Para evitar essa elisão fiscal, os países editaram leis para fixar preços de transferência, cujo efeito altera a identificação de base de cálculo de IRPJ e CSLL. No Brasil, essa previsão está no artigo 18 da Lei 9.430/1996.

Há três formas de definir o preço de transferência. Os casos apreciados tratam da previsão do inciso II da norma, que apresenta o método do Preço de Revenda Menos Lucro (PLR-60).

Na redação do artigo 18 dada pela Lei 9.959/2000, esse cálculo seria feito pela média aritmética dos preços de revenda dos bens ou direitos, diminuídos de uma série de fatores, listados nos incisos e alíneas seguintes.

Ao regulamentar a lei, a IN 243/2002 alterou a fórmula criada para chegar ao preço de transferência. A consequência foi um aumento da base de cálculo para cobrança de IRPJ e CSLL sobre esses valores.

AREsp 511.736 — 1ª Turma

Para a 1ª Turma do STJ, essa regulamentação é ilegal, pois o ato infralegal não pode criar critério totalmente estranho à lei regulada, ainda mais para aumentar a carga tributária.

Relator da matéria, o ministro Gurgel de Faria incorporou posição oferecida em voto-vista do ministro Benedito Gonçalves para entender que a fórmula criada pela Fazenda é mesmo a mais adequada, mas não poderia ser feita em descompasso com a lei ordinária.

“Tenho que a solução para a questão da eventual falha do comando normativo primário deveria passar pelo caminho da lei e não pela vontade de inovar do administrador, por melhor que esta fosse.”

Esse caminho foi, de fato, trilhado com a aprovação da Lei 12.715/2012. Atualmente, ela é que define a fórmula de cálculo dos preços de transferência. E, a partir dessa atualização, a Fazenda editou a Instrução Normativa 1.312/2012, em substituição à norma anterior.

REsp 1.787.614 — 2ª Turma

Já para a 2ª Turma do STJ, não há ilegalidade a ser corrigida. A posição do colegiado é de que a mera comparação da redação do artigo 18 da Lei 9.430/1996 com a do artigo 12 da IN 243/2002 não serve para solucionar a questão.

Isso porque a função de uma instrução normativa não é a mera repetição do texto da lei, mas a sua regulamentação, esclarecendo a sua função prática.

Relator, o ministro Francisco Falcão apontou que a instrução apenas deu o correto caminho para cumprir o objetivo da lei: identificar o preço do bem, serviço ou direito negociado entre as partes relacionadas.

Em sua análise, se fosse adotado o critério defendido pelo contribuinte — que o cálculo tome por base o valor líquido de revenda do bem revendido, afastando-se a proporcionalidade do insumo importado na composição do produto final —, o preço final destoaria da realidade.

Em vez disso, é preciso constatar o valor líquido da revenda (descontadas despesas elencadas pela norma), considerar a parcela correspondente à participação do produto final e descontar a margem de lucro para alcançar o preço do insumo.

Para o ministro Falcão, a posição do contribuinte subverte a sistemática de controle de preços de transferência ao permitir o aumento dos valores dedutíveis do IRPJ e da CSLL e, por consequência, a exportação de lucros ao exterior.

“A eleição do método do contribuinte resultaria em conceder ‘carta branca’ para um planejamento sistemático de evasão fiscal, na medida em que a empresa saberia, de antemão, qual o limite máximo do valor do insumo que poderia ser lançado, o qual a eleição do método do contribuinte resultaria em conceder ‘carta branca’ para um planejamento sistemático de evasão fiscal, na medida em que a empresa saberia, de antemão, qual o limite máximo do valor do insumo que poderia ser lançado”, explicou ele.

Em voto-vista, o ministro Mauro Campbell acompanhou o relator e destacou que a lei exige que o custo (entrada) e o preço (saída) tenham uma correspondência lógica.

“Se o preço de saída de um bem para uma empresa relacionada é superior de forma desproporcional ao preço de entrada desse mesmo bem, há lucro sendo enviado para a empresa relacionada no exterior de forma camuflada dentro do preço de saída.”

Clique aqui para ler o acórdão da 1ª Turma
AREsp 511.736

Clique aqui para ler o acórdão da 2ª Turma
REsp 1.787.614

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