risco de descrédito

Consequencialismo foi debatido, mas não pesou na decisão do STJ sobre Robinho

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21 de março de 2024, 20h32

Ao homologar a sentença italiana que condenou o ex-jogador Robinho a nove anos de prisão pelo crime de estupro, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça vislumbrou as consequências do caso, mas não foi esse o fator primordial para a decisão.

Ministro Francisco Falcão disse que não homologar sentença contra Robinho criaria crise diplomática

A análise é de advogados consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico, diante do embate registrado durante o julgamento do STJ, na quarta-feira (20/3).

Foi a primeira vez que a corte homologou uma sentença para obrigar um brasileiro nato a cumprir pena no país por uma sentença italiana. O ex-jogador foi preso na noite desta quinta-feira (21/3), após o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, negar pedido de Habeas Corpus da defesa.

A conclusão da maioria é de que acordos bilaterais e multilaterais assinados por Brasil e Itália e a entrada em vigor da Lei de Migração, em 2017, criaram um regime de cooperação suficiente para permitir a transferência da execução da pena no caso de estupro.

O voto do relator, ministro Francisco Falcão, passeou pelas consequências de não homologar a sentença contra Robinho. Disse que isso o deixaria impune, já que ele não poderia ser processado pelos mesmos fatos no Brasil, por vedação constitucional.

Apontou que a negativa do pedido italiano poderia gerar uma grave crise de relação diplomática entre os dois países, já que haveria a não execução do programa de cooperação internacional firmado.

“Haverá, inclusive, descrédito do Poder Judiciário perante a comunidade nacional e internacional, pela negativa em efetivar a cooperação”, pontuou o relator.

“Haverá de prevalecer a ineficiência da jurisdição criminal somente pela proteção diplomática conferida pelo Brasil aos seus cidadãos”, acrescentou.

Ele ainda lembrou que o Brasil vem sendo sistematicamente condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por conta da falta de efetividade de sua Justiça criminal, especialmente em fornecer às vítimas a punição dos criminosos.

“Pode-se depreender que apenas a vítima do crime de estupro teve sua dignidade ofendida. A não homologação da sentença poderá agravar essa violação dos direitos da mulher, ao se deixar impune um criminoso que teve imposta uma pena de nove anos de reclusão.”

Voto do ministro Raul Araújo começou afastando interpretação consequencialista

O caso das mulheres

A questão da impunidade e as consequências sociais de impedir a homologação da sentença contra Robinho, especialmente por isso significar que ele seguiria livre no Brasil, foram levantadas em outros momentos do julgamento.

A União Brasileira de Mulheres (UBM), por exemplo, atuou como amicus curiae (amiga da corte). Na sustentação oral, o advogado Carlos Nicodemus relembrou o número excessivo de estupros e de violência cometida contra mulheres no Brasil.

O subprocurador da República Hindemburgo Chateaubriand, que falou no caso na condição de custos legis (fiscal da lei), leu trechos das interceptações telefônicas de Robinho que subsidiaram sua condenação na Itália.

A defesa de Robinho, feita pelo advogado José Eduardo Rangel de Alckmin, abriu sua manifestação abordando esse tópico. Disse que o caso tem uma distinção notável por abordar a necessidade de se amparar os direitos das mulheres.

“Mas não é aqui, hoje e nesse processo que isso vai ser versado. Aqui, o tema é de natureza eminentemente constitucional, com a dimensão que se deve dar ao princípio do devido processo legal”, pontuou.

Desfecho ideal?

A interpretação consequencialista foi rejeitada no começo do voto divergente do ministro Raul Araújo. Ele disse que ela convida a acolher o pedido da homologação para evitar situações que seriam mal compreendidas por terceiros.

Subprocurador da Hindemburgo Chateaubriand leu trechos da interceptação telefônica usada para condenar Robinho na Itália

“A mim parece que essas interpretações não podem se dar nesse campo do Direito Penal, sobretudo”, disse. O voto rejeitou a homologação da sentença por ausência de previsão legal e porque a Lei de Migração, posterior aos fatos, não poderia retroagir para prejudicar o réu.

O ministro Raul apontou que a interpretação consequencialista, embora legitimada pelos artigos 20 e 21 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb), deve encontrar limites quando servir para reduzir a aplicação de uma garantia constitucional.

No caso, a garantia é a da não extradição do brasileiro nato, motivo pelo qual, na análise do ministro Raul Araújo, seria também impossível transferir a execução da pena.

“Quando a discussão cria uma situação capaz de preterir a incidência de uma garantia constitucional, não é dado ao julgador interpretar as normas à luz de determinado desfecho identificado como ideal”, defendeu.

Para ele, não cabe apontar que a não homologação geraria crise diplomática entre Brasil e Itália, já que a participação do Judiciário nos procedimentos de cooperação internacional tem por finalidade justamente garantir que ocorram dentro dos limites da legalidade.

“Senão, bastaria que o Executivo, ao receber pedido italiano, determinasse a adoção das medidas cabíveis. Não é isso que prevê a lei. Ela estabelece que pedido passe pela homologação do Judiciário justamente para que tenha um crivo técnico e legal”, disse.

Carlos Nicodemus citou dados sobre estupro no Brasil ao sustentar oralmente em nome da União Brasileira de Mulheres

Voto técnico

Para criminalista Adib Abdouni, o voto do relator não apresenta contornos consequencialistas para além da mera argumentação, a fim de convencer os demais pares acerca dos efeitos paralelos da decisão.

“No fundo, o voto-condutor centrou-se em aspectos técnicos, de sorte que, ainda que tenha constado da capa dos autos o nome de um cidadão brasileiro com fama internacional, não se verificou na interpretação das normas aplicáveis ao pedido de homologação de sentença estrangeira contornos de diferenciação”, disse.

Para ele, o STJ focou nos aspectos formais necessários para a homologação da sentença estrangeira, incluída aí a interpretação da Lei de Migração e do alcance dos tratados internacionais dos quais o país é signatário.

Daniel Bialski, mestre em Direito Processual Penal e sócio do Bialski Advogados Associados, concordou ao destacar que o fato de ser pessoa conhecida, a gravidade do crime ou a repercussão do caso não teriam efeito nenhum.

“Eles interpretam a lei e dentro dela entenderam, dentro do principio da legalidade, que a requisição do governo italiano é absolutamente legal, legitima e por isso determinaram, no meu ver de forma correta, que ele cumprisse a pena no brasil”, disse.

Sergio Bessa, advogado da área penal do Peixoto& Cury Advogados, também não divergiu, ao explicar que a argumentação consequencialista, prevista pela Lindb em hipóteses bem delineadas, não deve servir para fundamentar homologação de sentença estrangeira.

Em sua opinião, todo e qualquer processo ou procedimento criminal, inclusive quando decorrente de homologação de sentença, deve ser analisado a partir dos direitos e garantias fundamentais do acusado.

“Num mundo ideal, circunstâncias estranhas ao processo, como clamor social ou pressão midiática, não deveriam influenciar em seu julgamento. Mas não se pode negar que qualquer magistrado, tal como todo ser humano, tem vieses e não está alheio aquilo que lhe rodeia, o que, por outro lado, não o impede de, mesmo se suscetível à influência de fatores externos aos autos, julgar com base nas provas legalmente produzidas e naquilo que a legislação prescreve.”

HDE 7.986

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