Invasão do Congresso

Corte dos EUA ensina administração da Justiça para anular decisão

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8 de março de 2024, 8h22

O Tribunal Federal de Recursos do Distrito de Colúmbia explicou longamente o que é “administração da Justiça” em uma decisão que anulou a majoração da pena de um réu condenado pela invasão do Congresso em 6 de janeiro de 2021.

Réu foi condenado por invasão ao Congresso americano, em 2021

A decisão vai beneficiar mais de cem réus condenados por obstrução de ato oficial — a violenta invasão do Congresso para impedir a certificação da vitória de Joe Biden nas eleições de 2020 — que também tiveram suas penas majoradas pela mesma razão.

De acordo com a decisão, o juiz de primeiro grau aplicou erradamente a majoração da pena (nas três fases de dosimetria da pena) ao concluir que “a conduta do réu resultou em substancial interferência na administração da Justiça”.

“Decidimos que a majoração da pena por obstrução da Justiça não se aplica à interferência no processo legislativo de contar e certificar os votos do colégio eleitoral”, escreveram os juízes do tribunal de recursos. “Por isso, anulamos a majoração da pena e reenviamos o processo ao juiz de primeiro grau para rever a sentença.”

“O tribunal federal de primeiro grau errou ao interpretar a obstrução do processo de certificação eleitoral como interferência na administração da Justiça. Com todo o respeito que temos aos colegas, a expressão ‘administração da Justiça’ não abrange o papel do Congresso no processo de certificação eleitoral.”

Definições de administração da Justiça

Os juízes do tribunal de recursos usaram definições de jurisprudências e da legislação, bem como dos dicionários Black’s Law Dictionary e Merriam-Webster’s Dictionary of Law, em sua longa explicação sobre o que é “administração da Justiça”: “O texto, contexto e comentário da lei mostra que ‘administração da Justiça’ se refere apenas a procedimentos judiciais, quasi-judicial e investigativos associados, mas não se estendem às funções únicas do Congresso”.

“O significado simples, natural e comum da expressão ‘administração da Justiça’ é o processo governamental de investigação, determinação e aplicação dos direitos legais das pessoas.”

Segundo os juízes, por quase um quarto de século o Black’s Law Dictionary definiu consistentemente a expressão “administração da Justiça” como a “manutenção do direito dentro de uma comunidade política por meio da força física do estado” ou “a aplicação pelo estado da sanção da força ao domínio do direito”.

O dicionário define ainda a “devida administração da Justiça” como “o bom funcionamento e a integridade de um juiz ou tribunal e dos processos perante ele de acordo com os direitos garantidos às partes”.

De forma semelhante, “obstruir a administração da Justiça” ou “interferir na administração da Justiça” é definido em “Pervertendo o Curso da Justiça” como “a distorção da disposição dos processos judiciais, como fabricar ou destruir provas, corromper testemunhas ou ameaçar ou intimidar um juiz”.

“De fato, as definições de ‘obstruir a Justiça’ e ‘obstrução da Justiça’ se referem, há muito muito tempo, à perturbação dos processos administrativos judiciais e quasi-judicial. Impedir ou bloquear aqueles que procuram justiça em um tribunal ou aqueles que têm deveres ou poderes de administrar a Justiça. É o ato pelo qual uma ou mais pessoas impedem ou tentam impedir a execução de processo legal.”

Segundo os juízes, exemplo de interferência na administração ordenada da lei e da Justiça é “prestar informações falsas ou ocultar provas de um policial ou promotor ou prejudicar ou intimidar uma testemunha ou jurado.”

Obstrução de Justiça

De acordo com o Merriam-Webster’s Dictionary of Law, “obstrução de Justiça é o crime ou ato de interferir intencionalmente no processo de Justiça e da lei, especialmente por influenciar, ameaçar, prejudicar ou impedir uma testemunha, potencial testemunha, jurado ou oficial de Justiça, promotor ou advogado ou prestar informações falsas ou impedir de outra forma uma investigação ou processo legal”.

“A expressão ‘obstrução da administração da Justiça’ se aplica a atos como o de impedir o comparecimento de testemunhas a um julgamento, agredir servidores do processo, influenciar jurados, obstruir ordens judiciais ou investigações criminais.”

“Também constitui obstrução à administração da Justiça qualquer ato ou conduta destinado a se aproveitar da fragilidade humana, para dissuadir um tribunal de cumprir seu dever e levá-lo a um comprometimento de seu próprio julgamento irrestrito, colocando-o, por meio de declaração deliberadamente falsa, em posição errada perante o público.”

“Essas definições mostram que a administração da Justiça normalmente envolve as operações de um tribunal judicial ou quasi-judicial, que aplica a força do Estado para determinar os direitos legais de indivíduos e entidades, bem como a investigações relacionadas conduzidas por funcionários do governo.”

A acusação de obstrução ou impedimento à administração da Justiça se aplica a partes que “obstruem intencionalmente ou impedem, ou tentam obstruir ou impedir a administração da Justiça, no que diz respeito à investigação, acusação e condenação por um crime, quando a conduta obstrutiva se relaciona com: (a) o crime de condenação do réu e qualquer conduta relevante; ou (b) um delito intimamente relacionado”.

Da mesma forma, a lei autoriza os tribunais federais a punir “mau comportamento de qualquer pessoa, dentro ou perto do tribunal, que obstrua a administração da Justiça”. De acordo com o precedente, “os tribunais federais que interpretam esse poder declararam amplamente que a obstrução da administração da Justiça requer algum ato que irá interromper o processo ordenado da administração da Justiça, ou frustrar o processo judicial”.

Ato oficial é outra história

Ao final, os juízes concluíram que a majoração da pena, baseada em obstrução à administração da Justiça, não se aplica à condenação por obstrução de um ato oficial — o da certificação da vitória de Biden nas eleições de 2020 pelo Congresso.

“Embora a violenta interferência do réu nos procedimentos do Congresso tenha sido uma ameaça ao processo democrático e tenha atrapalhado temporariamente o trabalho constitucional dos parlamentares, não houve interferência na administração da Justiça. Portanto, as diretrizes das sentenças não permitem a majoração da pena.”

Além de beneficiar mais de cem réus que já foram condenados e tiveram suas penas majoradas por obstrução à administração da Justiça, a decisão afetará as sentenças de outros 340 réus com processos semelhantes em tribunais federais, mas que ainda não foram condenados.

Entre esses réus, está o ex-presidente Donald Trump, que responde a um processo criminal em Washington, D.C.. Mais de 1,3 mil pessoas foram denunciadas por procuradores por crimes relacionados à invasão do Congresso. Delas, 750 fizeram acordo de admissão de culpa com a Procuradoria Federal.

Em 16 de abril deste ano, a Suprema Corte fará a audiência de sustentação oral de um processo que envolve a condenação de um réu pelo crime de obstrução de um procedimento oficial. O réu alega que a invasão do Congresso interrompeu, mas não impediu os parlamentares de certificar a vitória do presidente Joe Biden, no fim das contas.

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