Infra e Controle

Como o TCU analisa as parcerias de oportunidade de negócios das estatais?

Autores

  • Giuseppe Giamundo Neto

    é doutorando e mestre em Direito do Estado pela USP (Universidade de São Paulo) advogado e sócio do Giamundo Neto Advogados professor do IDP (Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa) em Brasília e secretário-adjunto da Comissão Nacional de Direito da Infraestrutura da OAB.

  • Fernanda Leoni

    é doutoranda e mestre em Políticas Públicas pela UFABC (Universidade Federal do ABC) especialista em Direito Público pela Escola Paulista de Magistratura bacharel em Direito pela PUC-SP e advogada do Giamundo Neto Advogados.

24 de janeiro de 2024, 10h42

Embora já não possa ser vista como uma novidade em nosso sistema, a possibilidade e os pressupostos da contratação direta realizada por empresas estatais com fundamento em oportunidades de negócio ainda são temas de recorrente debate. Previsto no artigo 28, §3º, inciso II, da Lei Federal nº 13.303/2016 [1] (Lei das Estatais), o instituto sempre esteve em meio à discussão quanto à sua legalidade, notadamente enquanto forma de afastamento do procedimento licitatório.

Ao se estabelecer exceção ao dever de licitar, a disposição legal não esclareceu se cuidava de situação de dispensa ou inexigibilidade de licitação, sendo, por isso, comumente caracterizada como uma terceira categoria de contratação direta, a de “não incidência” do procedimento de contratação pela via licitatória [2]. Independentemente disso, fato é que o mecanismo recebeu boa aceitação das estatais, integrando tanto o regulamento geral de licitações e contratações de muitas empresas, como sendo objeto de regulamentação específica [3].

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Outro ponto de discussão centrava-se nos requisitos para a sua formalização. Enquanto a inexigibilidade de licitação decorreria de uma impossibilidade genérica e objetiva de competição, a parceria de oportunidade de negócio estaria calcada na própria ausência de critérios para a escolha de possíveis parceiros pelas estatais, visto que esse substrato estaria atrelado exatamente a condições subjetivas dos pretensos colaboradores [4].

Mesmo se tratando de um modelo de contratação geralmente direcionado aos negócios privados das estatais ou da parcela de atuação não integralmente submetida ao regime jurídico-administrativo, o TCU não deixou de tratar do tema.

Em 2017, o órgão avaliou a regularidade da contratação direta, pela Caixa Econômica Federal, da CPM Braxis para oferta de serviços de tecnologia da informação. Ao examinar a hipótese de oportunidade de negócio [5], o Acórdão nº 2.645/2017-Plenário deixou consignado que os fundamentos usados pelas partes, referentes à “sinergia, retorno econômico e compatibilidade de objeto social”, não estariam aptos a caracterizar a inviabilidade de competição, análise que acaba, em nossa visão, adentrando à esfera de discricionariedade da decisão da estatal.

No ano seguinte, no acompanhamento de desinvestimentos estatais na Eletrobras, o TCU determinou que a companhia previsse em seus normativos que o uso da oportunidade de negócios fosse limitada às situações em que justificada a inviabilidade de procedimento de licitação [6], conduzindo a um viés bem mais próximo da regra geral de inexigibilidade, que não nos parece ser a hipótese regulada.

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Ainda em 2018, dois precedentes de relevo foram proferidos sobre a matéria. No Acórdão nº 2.488/2018-Plenário, envolvendo a Telebras, o TCU não somente definiu os requisitos objetivos que seriam avaliados para a caracterização da oportunidade de negócio [7], como determinou a renegociação de algumas cláusulas contratuais, incluindo condições de natureza financeira [8]. Já no Acórdão nº 2.993/2018-Plenário, envolvendo denúncias em face da ECT, foi proposto um plano de fiscalização das contratações por inexigibilidade de licitação de serviços de consultoria, a fim de que “fossem caracterizados os requisitos de natureza singular do objeto e notória especialização da empresa executante”.

A matéria voltou a ser debatida em 2020, em caso envolvendo especificamente o levantamento dos processos de parcerias estratégicas do Banco do Brasil [9]. Nessa situação, a sistemática de atuação do TCU foi bastante interessante, tendo desenhado uma matriz de risco completa para a instituição, que sinalizava, entre outros, riscos relacionados ao processo decisório de formação de parcerias, à motivação insuficiente para enquadramento da inviabilidade de procedimento competitivo; à não configuração de associação da parceria estratégica; às irregularidades na contratação direta etc. Essa mesma avaliação foi realizada para o Banco do Nordeste do Brasil, apontando-se riscos similares [10].

No ano de 2021, o Acórdão nº 1.744/2021-Plenário avaliou contratação formalizada pelo BNDES, declarando inviável a adoção da oportunidade de negócios para contratação de consultores técnicos especializados, mas declarando legítimo o normativo editado pelo órgão. Em certa medida, o Tribunal realizou controle de adequação das normas internas editadas pelo banco de desenvolvimento.

De modo geral, pode-se dizer que dada a competência técnica atribuída ao TCU para a avaliação das muitas modalidades de contratações realizadas pelas estatais, não há dúvidas de que sua contribuição é relevante para o próprio aprimoramento do modelo de parcerias de negócios. No entanto, é  fundamental que a corte identifique com mais precisão suas limitações nesse tipo de análise, sob o risco de inviabilizar a utilização de um mecanismo de contratação que, por essência, deve ser mais flexível.

 


[1] Cf.: “São as empresas públicas e as sociedades de economia mista dispensadas da observância dos dispositivos deste Capítulo nas seguintes situações: (…) II – nos casos em que a escolha do parceiro esteja associada a suas características particulares, vinculada a oportunidades de negócio definidas e específicas, justificada a inviabilidade de procedimento competitivo”.

[2] Essa é a posição defendida por Luciano Ferraz e por nós acatada (FERRAZ, Luciano. Empresas estatais e oportunidades de negócio. In ZOCKUN, Maurício, GABARDO, Emerson (Coord.). O direito administrativo pós-crise. Curitiba: Íthala, 2021).

[3] Conforme o exemplo do Regulamento de Negócios da Companhia Cearense de Transportes Metropolitanos; do Regulamento Interno de Celebração de Oportunidades de Negócio da Companhia de Tecnologia da Informação do Estado de Minas Gerais; e do Regulamento de Contratação de Parcerias em Oportunidades de Negócio do Serviço Federal de Processamento de Dados.

[4] Essa é a posição de FERRAZ, Luciano; MOTTA, Fabrício. Empresas estatais e suas subsidiárias – requisitos constitucionais para a transferência do controle acionário. Revista Interesse Público. Ano 20. Nº 112. p. 15-35, 2018.

[5] Importante pontuar que o negócio não havia sido originalmente formalizado sobre esse pretexto, de modo que o TCU fez uma análise de subsidiariedade desse modelo face as situações de dispensa e inexigibilidade.

[6] Trata-se do Acórdão nº 1765/2018-Plenário.

[7] Cf.: “Da leitura desse dispositivo legal, constato que a contratação direta da empresa parceira depende: a) da configuração de uma oportunidade de negócio, o qual pode ser estabelecido por meio dos mais variados modelos associativos, societários ou contratuais, nos moldes do estabelecido no § 4º do art. 28 da Lei das Estatais; b) da demonstração da vantagem comercial que se espera advirá para a empresa estatal; e c) da comprovação pelo administrador público de que o parceiro escolhido apresenta condições peculiares que demonstram sua superioridade em relação às demais empresas que atuam naquele mercado; e d) da demonstração da inviabilidade de procedimento competitivo”.

[8] Cf.: “9.2. determinar à Telebras que: 9.2.1. no prazo de 90 dias, renegocie com a Viasat as condições econômicas do contrato, visando reduzir o valor previsto contratualmente para ser pago mensalmente pela Telebras para a Viasat por Vsat ativa de R$ 160,00 (cento e sessenta reais) para R$ 107,60 (cento e sete reais e sessenta centavos)”.

[9] Trata-se do Acórdão nº 3.230/2020-Plenário.

[10] Conforme Acórdão nº 2.597/2021-Plenário.

Autores

  • é doutorando e mestre em Direito do Estado pela USP e sócio do escritório Giamundo Neto Advogados.

  • é doutoranda e mestre em Políticas Públicas pela UFABC (Universidade Federal do ABC), especialista em Direito Público pela Escola Paulista de Magistratura, bacharel em Direito pela PUC-SP e advogada do Giamundo Neto Advogados.

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