Justiça Tributária

As alíquotas e o princípio da simplicidade na reforma tributária

Autor

  • Fernando Facury Scaff

    é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP) advogado e sócio do escritório Silveira Athias Soriano de Mello Bentes Lobato & Scaff Advogados.

22 de janeiro de 2024, 8h00

Foi aprovada a PEC 45, transformada na EC 132, que colocou a profissão de advogado tributarista como a profissão do futuro pelas próximas três gerações, tantos serão os problemas à frente. Agora inicia-se um novo capítulo de debates, o de regulamentar o que foi aprovado.

Há muito a ser feito, destacando-se um aspecto importantíssimo que permanece em aberto: quanto vai ser cobrado? Para tanto, é necessário estabelecer as alíquotas da CBS e do IBS, os dois tributos que compõem o sistema de IVA dual brasileiro. Tudo partirá do que se denomina de alíquota de referência (já batizada por Everardo Maciel de alíquota maldita), da qual advirão as demais, proporcionalmente estabelecidas. E também as alíquotas do Imposto Seletivo (IS).

Spacca

Observo ao atento leitor que, de forma pouco técnica, existem diversos artigos que constam da EC 132 que não foram inseridos no corpo da Constituição, sequer em seu ADCT. Logo, quem quiser compreender como funcionará este sistema de alíquotas terá que analisar o texto da EC 132, mantido à margem da Constituição. Será sempre necessário ter cautela na indicação da norma, pois ora a referência será a um artigo da EC 132, e ora a um artigo da CF.

A alíquota base do IBS e da CBS será determinada por Resolução do Senado Federal (artigo 156-A, XII, c/c artigo 195, §16, CF), sendo que parcela da arrecadação do IBS será compartilhada entre estados e municípios. Deve-se considerar que “cada ente federativo fixará sua alíquota própria por lei específica” (artigo 156-A, §1º, V, CF), embora haja uma determinação de que a CBS “poderá” ser estabelecida por lei federal (artigo 195, §15, CF), o que certamente ocasionará muitas dúvidas, pois não foi utilizado o verbo “deverá”.

Deve-se ainda considerar que a alíquota de referência, como o nome indica, é apenas um referencial para os estados e municípios, pois estes terão a possibilidade de as reduzir, em seu âmbito territorial, o que permitirá que cada qual dos mais de 5.500 municípios estabeleça uma alíquota própria em sua arrecadação, além dos 26 estados e do Distrito Federal (artigo 156-A, §1º, V, CF).

A partir dessa alíquota base existirão regimes diferenciados, regimes específicos e regimes favorecidos de tributação (artigo 156-A, §5º, I, “c”, e artigo 149-B, III, CF), a serem regulados por lei complementar, que abaixo comentarei a voo de pássaro.

Nesse sentido, o artigo 9º, §1º, EC 132, estabelece um regime diferenciado, com redução de 60% para algumas atividades, como (1) os serviços de educação; (2) os serviços de saúde; (3) o sistema de transporte público de passageiros metroviário e rodoviário, de caráter urbano, semiurbano e metropolitano; (4) medicamentos; (5) produtos de cuidados básicos à saúde menstrual; e por aí vai.

Alíquotas diferenciadas também são previstas no artigo 9º, §3º, EC 132, que prevê redução de 100% para bens como (1) produtos hortícolas, frutas e ovos; (2) serviços prestados por Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação sem fins lucrativos; (3) automóveis de passageiros; dentre outros.

O artigo 9º §12, EC 132, determina outra diferenciação, com redução de 30% para a prestação de serviços de profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, desde que sejam submetidas a fiscalização por conselho profissional.

Já os regimes específicos de tributação são regidos pelo artigo 156-A, §6º, CF, englobando diversas atividades, por exemplo: (1) combustíveis e lubrificantes; (2) serviços financeiros; (3) atividades cooperativas; (4) serviços de hotelaria e de parques de diversão; e por aí segue.

Além desses, existem os regimes favorecidos, como o da Zona Franca de Manaus (ZFM) e das Áreas de Livre Comércio (artigo 92-B, caput, CF).

Existe ainda a alíquota do Imposto Seletivo (artigo 153, VIII e §6º, CF), que terá caráter extrafiscal, o que indica percentuais punitivos para as atividades sobre as quais incidir, que será instituída por lei complementar, mas suas alíquotas poderão ser alteradas por lei ordinária, e, por conseguinte, por medida provisória.

Foram criadas duas travas para essa alíquota de referência (artigo 130, §3º, CF): (1) a alíquota de referência da União será reduzida em 2030 se a média da receita com a CBS e com o Imposto Seletivo como proporção do PIB em 2027 e 2028 superar o teto de carga tributária da União, de forma a igualar os dois valores – a alíquota de referência da União e a média da receita; e (2) as alíquotas de referência de todos os entes serão reduzidas em 2035 se a média da receita com a CBS, o IBS e o Imposto Seletivo como proporção do PIB entre 2029 e 2033 superar o teto de carga tributária, de forma a igualar os dois valores – a alíquota de referência dos entes e a média da receita.

Pergunto a você, cansado leitor ou leitora, que leu este breve texto até aqui, se está achando que tudo isso ficou simples. Caso não esteja, sugiro observar o comando principiológico inserido com essa reforma constitucional tributária: “art. 145, §3º – O Sistema Tributário Nacional deve observar os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação e da defesa do meio ambiente”.

Olha aí o comando da simplicidade que deve nortear o sistema tributário brasileiro. Você acha que foi aplicado na EC 132, com suas 37 páginas de texto normativo, ora inserido Constituição e ora mantido à sua margem?

Não me parece que a EC 132 apresente um sistema simplificado. Repito, para destacar: foram introduzidas 37 (trinta e sete páginas) de novo texto normativo constitucional sobre Direito Tributário. O curioso é que ainda se considera  que o sistema esteja sendo simplificado, o que não aparenta ocorrer.

Mas este é o jogo jogado: o Congresso deliberou, nada mais há a ser dito. Resta apenas discutir a regulamentação nas leis complementares e, posteriormente, nas demais normas que necessitarão ser editadas.

Depois será a hora de discutir as inconsistências no Judiciário.

Autores

  • é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Bentes, Lobato & Scaff – Advogados.

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