Opinião

Segurança jurídica nas disputas de ICMS sobre inserção de publicidade na internet

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24 de abril de 2024, 15h20

No contexto atual das discussões sobre o sistema tributário nacional, marcado pela recente promulgação da reforma tributária, que enfatiza princípios constitucionais como simplicidade, justiça tributária e cooperação, é crucial observar as implicações quando órgãos julgadores, sejam administrativos, sejam judiciais, deixam de aplicar decisões das cortes superiores.

Esse é um ponto especialmente sensível quando se trata do controle de constitucionalidade, pois afeta diretamente a segurança jurídica dos contribuintes bem como a coerência e a estabilidade do ordenamento jurídico.

Nesse sentido, o presente artigo tem por objetivo trazer, de forma breve, o contexto histórico acerca das disputas travadas quanto à (não) incidência do ICMS [1] sobre a atividade de inserção de publicidade na internet, para enfatizar a necessidade de encerramento das disputas administrativas sobre o tema à luz do quanto definido pelo Supremo Tribunal Federal a fim de garantir segurança jurídica aos contribuintes.

Pois bem. As disputas tiveram início anos após a edição da Lei Complementar nº 116, de 31/7/2003 (LC nº 116/03), que excluiu a atividade de inserção de publicidade da Lista de Serviços do ISS [2] e, portanto, do âmbito de incidência do imposto municipal. Com isso, os estados passaram a lavrar inúmeras autuações fiscais exigindo o ICMS sobre essa atividade sob o fundamento de que caracterizaria uma prestação onerosa de serviço de comunicação.

Inserção e veiculação

No andar das disputas sobre o tema, foi editada a Lei Complementar nº 157, de 30/12/2016 (LC nº 157/16), que atribuiu aos municípios a competência para tributação dessa atividade ao reintegrá-la à Lista de Serviços do ISS por meio do item 17.25 [3], solucionando o conflito de competência entre fiscos estaduais e municipais, nos termos do artigo 146, inciso I, da Constituição.

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Apesar disso, esse dispositivo teve a sua constitucionalidade questionada pelo estado do Rio de Janeiro por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 6.034, ajuizada perante o Supremo Tribunal Federal. Na inicial, a alegação do ente estadual estava pautada, principalmente, no argumento de que a “inserção” de publicidade equivale à própria “veiculação” desse conteúdo publicitário, a qual caracterizaria um serviço de comunicação tributável pelo ICMS.

Em março de 2022, foi realizado o julgamento de mérito da ação e, por unanimidade de votos (11 a 0), foi declarada a constitucionalidade do dispositivo questionado com base na análise de três pontos principais:

(1) interpretação ampla do conceito de serviços de qualquer natureza, com base em precedentes da corte, que não mais comporta mera dicotomia entre obrigação de dar e de fazer;

(2) a resolução de ambiguidades entre ICMS e ISS deve estar pautada em lei complementar, por força dos artigos 146, inciso I, e 156, inciso III, da CF;

(3) o histórico legislativo demonstra que a “inserção” de publicidade, termo definido pelo Poder Legislativo por sua maior precisão em definir a atividade, não se confunde com o núcleo da prestação de serviços de comunicação e consiste em uma atividade preparatória a esse serviço.

O estado do Rio de Janeiro persistiu na reforma do julgado por meio da oposição de três embargos de declaração. O primeiro recurso se pautou, essencialmente, em argumentos no sentido de que teria sido aplicada uma interpretação restritiva do conceito de prestação de serviço de comunicação e, subsidiariamente, defendeu que deveria ser reconhecida a validade da incidência do ICMS para o período anterior à LC nº 157/16.

Esses argumentos foram afastados por unanimidade pelo STF, que reiterou sua decisão de mérito quanto (1) à solução do conflito de competência entre estados e municípios, em favor destes últimos, por meio da LC nº 157/16; (2) à diferenciação da atividade de inserção de publicidade frente ao núcleo de serviços de comunicação e (3) a não incidência do ICMS-Comunicação sobre serviços que são preparatórios aos serviços de comunicação.

No segundo recurso de Embargos de Declaração, o estado do Rio argumentou que não teria sido esclarecido se a veiculação/divulgação de material publicitário estaria no campo de incidência do ICMS, como também deixou de aplicar uma interpretação ampla do conceito de atividade-fim de comunicação para fins de incidência do ICMS.

Entretanto, mais uma vez, a corte rejeitou o recurso, com placar de 11 a 0 em favor dos contribuintes, reiterando que (1) o processo legislativo que resultou na LC nº 157/16 mostra que essa atividade não se confunde com serviço de comunicação e (2) a conclusão pela constitucionalidade da incidência do ISS encontra amparo na jurisprudência da corte.

No terceiro e último recurso de embargos de declaração, pleiteou-se a aplicação do conceito amplo de prestação de serviço de comunicação à inserção de publicidade na internet, assim como que fosse reconhecido que a inclusão do item 17.25 na Lista de Serviços teria invadido a competência dos estados e, subsidiariamente, que se reconhecesse que a inserção e a veiculação de publicidade seriam atividade distintas, sendo a primeira, tributada pelo ISS e a segunda, tributada pelo ICMS. Entretanto, mais uma vez, por unanimidade, a corte afastou esses argumentos.

Diante de todos esses debates e tentativas de rediscussão da matéria por parte do Fisco fluminense, é certo que a decisão transitada em julgado em 12/4/2023 não dá margens a novas interpretações: antes ou após a LC nº 157/16, o ICMS não incide sobre a atividade de inserção de publicidade na internet, seja sob a nomenclatura “inserção”, utilizada na Lista de Serviços do ISS, seja sob a nomenclatura “veiculação”, utilizada quando do veto presidencial na edição da LC nº 116/03.

Âmbito administrativo

Apesar disso, passados mais de dois anos desde o julgamento de mérito da ação pela corte, nenhuma disputa foi decidida em âmbito administrativo. A partir da análise de estudo realizado pelo Núcleo de Estudos Fiscais da FGV Direito de São Paulo, em 2018, bem como por meio de pesquisas de precedentes, é possível identificar que o Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo (TIT-SP) possui mais de 30 processos pendentes de julgamento sobre o tema [4].

Na Câmara Superior do Tribunal, na qual estão a maior parte dos processos, vários tiveram o seu julgamento convertido em diligência para que a Procuradoria e a representação fiscal se manifestassem acerca da aplicação da decisão da citada ADI nº 6.034. As primeiras conversões em diligência ocorreram em setembro de 2022, mas até o momento não houve continuidade dos julgamentos para encerramento definitivo dos casos.

De qualquer maneira, em que pesem possíveis posicionamentos da administração tributária estadual, entendemos que, a partir da definição do tema pelo STF, é imprescindível o julgamento célere e definitivo dos casos pelos tribunais administrativos para garantir segurança jurídica aos contribuintes, já que continuam sujeitos às disputas administrativas com penalidades elevadas sobre uma questão já solucionada em controle de constitucionalidade pelo STF, como mencionado acima.

Vale mencionar que a demora no julgamento contribui para a complexidade e insegurança do sistema tributário, prejudicando não só os contribuintes, mas também a eficiência da administração pública e o crescimento econômico do país. Por isso, é crucial que os órgãos julgadores administrativos coordenem o julgamento das disputas, garantindo, assim, a harmonia e eficácia do sistema jurídico-tributário brasileiro.

 

 


[1] Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços de Comunicação e de Transporte Interestadual e Intermunicipal.

[2] Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza.

[3] “17.25 – Inserção de textos, desenhos e outros materiais de propaganda e publicidade, em qualquer meio (exceto em livros, jornais, periódicos e nas modalidades de serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens de recepção livre e gratuita).”

[4] “Grupo de Pesquisa sobre Jurisprudência do TIT do NEF/FGV Direito SP”, publicado no site do Jota, acessível pelo link: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/observatorio-do-tit-incidencia-icms-publicidade-internet-25052018

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