Supremo organiza guichê único para rever acordos duvidosos com MPF
28 de fevereiro de 2024, 15h26
O ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal, reuniu esta semana advogados de empresas que reivindicam revisão de acordos de leniência para organizar o processo. Nessa audiência pública, porém, o ministro tratou apenas dos acordos de leniência firmados com ele, quando era advogado-geral da União.
Diferentemente do que se noticiou nesta quarta (28/2), as empresas não negaram ter sido coagidas pelo Ministério Público Federal. A proposição do ministro foi especificamente sobre os acordos feitos com ele. A Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental que gerou a audiência vai contra os acordos com o MPF. Ou seja, os tratos contagiados não tiveram origem na AGU nem na CGU.
Embora se destine a corrigir erros do passado, o ministro afirmou que o objetivo do processo não será o de um “revisionismo histórico”. Um dos advogados presentes disse ao relator da ADPF que “todos esses acordos foram, sim, feitos em um ambiente jurídico de anormalidade que vivíamos à época, com excessos acusatórios e uso indiscriminado de medidas inconstitucionais pelo MPF e juízes, como o próprio STF reconheceu, por exemplo, no caso das conduções coercitivas” (leia abaixo a íntegra do diálogo).
Um só advogado disse que não foi coagido para o acordo de leniência, o representante da Samsung, Caio Farah. Ainda assim, o advogado pediu que o Tribunal de Contas da União fosse envolvido no “guichê único”, por conta de multa adicional aplicada pelo órgão de contas. Os demais, desconfortáveis, como se descreveram, preferiram não responder à questão do ministro — já que não foi questionada ali a relação com o Ministério Público.
Os advogados reclamaram pela reclassificação de situações como as doações eleitorais, que foram descritas como propina e corrupção. Mesmo acordos com a CGU e AGU, explicou-se, chegaram a esses órgãos “contaminados”. Ou seja, os anexos já chegaram considerando crimes o que, constatou-se depois, não eram sequer ilícitos. O pedido de revisão das qualificações dos anexos foi insistente.
O ministro André Mendonça disse não ver problemas em levar em conta as perdas causadas pelo chamado “prejuízo fiscal”. Mas, quanto à repactuação dos acordos, considerou-se que o relator foi ambíguo. Assim como o procurador-geral da República, Paulo Gonet, Mendonça apelou a todos pelo bom senso, pela boa-fé, mostrando-se, ambos, dispostos a superar os questionamentos a respeito da coação praticada no decorrer da autoapelidada “lava jato”.
André: Tem um problema aqui que precisa ser resolvido. Vamos partir dessa premissa para achar um bom resultado. Só que eu quero saber, antes, se estão dispostos a negociar, porque não vou rever passado. Tem advogados aqui que interagiram comigo na AGU.
Advogado: Não fui coagido pela CGU, mas alguns fatos vieram estabelecidos, contaminados pelo MPF. É preciso reclassificar situações como as doações eleitorais, descritas como propina. Isso precisa ser entendido e corrigido.
Revisão de valores
Parte da argumentação dos representantes das empresas foi que fatos tidos como criminosos, e que pesaram no momento de determinar os valores das multas, não são ou deixaram de ser considerados crimes. Um exemplo envolve as doações para campanhas que foram classificadas como pagamento de propina.
Também há casos em que parte das condenações específicas foi anulada e as investigações acabaram arquivadas, embora tenham sido anteriormente usadas para estabelecer os valores devidos pelas empresas.
Os advogados apontaram ainda que, em muitos casos, foram simultaneamente aplicadas sanções que constam na Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013) e na Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992), ainda que se tratassem de um mesmo fato.
A percepção geral, segundo os advogados, é que parte das sanções deve ser aplicada somente uma vez, reduzindo-se, assim, os valores das multas.
Prejuízo fiscal
Outra discussão travada na audiência que deixou os advogados otimistas teve como tema o uso de créditos de prejuízo fiscal para o pagamento dos valores pactuados.
No decorrer do ano, as empresas pagam o Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). O prejuízo fiscal ocorre quando as despesas dedutíveis de uma empresa sujeita ao lucro real têm um valor superior ao das receitas tributáveis.
Desde a Lei 14.375/2022, o prejuízo fiscal pode ser usado como moeda para quitação de tributos federais inscritos em dívida ativa. Em dezembro de 2022, a BRF firmou acordo com a União que permitiu que parte de uma dívida de R$ 584 milhões fosse paga dessa maneira.
De lá para cá, algumas empresas passaram a defender que o mesmo valesse para os acordos de leniência firmados na autoapelidada “lava jato”. Caso a operação seja admitida, afirmaram os advogados, parte considerável dos valores acordados poderá ser quitada com o uso do prejuízo fiscal.
ADPF 1.051
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