Liberdade de expressão

Suprema Corte dos EUA tende a preservar o direito de moderar conteúdo nas redes sociais

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28 de fevereiro de 2024, 11h44

A decisão final da Suprema Corte dos Estados Unidos só será anunciada no final de junho, mas, na audiência de sustentações orais do processo, pelo menos seis dos nove ministros da corte indicaram, em suas manifestações, que seus votos serão a favor do direito das empresas de mídia social de moderar (ou descartar) conteúdo postado por usuários — e até mesmo bloquear contas.

Leis da Flórida e do Texas querem atribuir aos governos estaduais poder de decisão

A questão confronta o direito à liberdade de expressão das empresas com o mesmo direito dos usuários, bem como com a liberdade de imprensa — todos garantidos pela Primeira Emenda da Constituição.

Leis da Flórida e do Texas pretendem atribuir aos governos o poder de proibir as empresas de “censurar” o discurso conservador — uma medida que também as impediria de bloquear discurso de ódio, desinformação e spam (lixo eletrônico). Em outras palavras, os governos têm a pretensão de interferir nas decisões editoriais da rede social.

O presidente da Suprema Corte, ministro John Roberts, conservador, expressou o entendimento mais contundente nas quase quatro horas de debates entre os ministros e os advogados das partes:

“Quando a questão é se os governos ou as empresas de mídia social têm o poder de decidir quais vozes serão ouvidas em uma plataforma em particular, a Primeira Emenda coloca um dedo na balança a favor das empresas. A Primeira Emenda proíbe os governos — não entidades privadas — de censurar a expressão.”

“A Primeira Emenda restringe o que os governos podem fazer. O que os governos estaduais estão fazendo aqui é dizer: ‘Você deve fazer isso, você não pode bloquear esses usuários, você deve explicar por que faz isso’. Isso não é a Primeira Emenda. E porque as empresas não estão sujeitas à Primeira Emenda, elas podem discriminar grupos específicos dos quais não gostam.”

O ministro Brett Kavanaugh, também conservador, manifestou um entendimento semelhante sobre a liberdade de expressão: “A proibição da Primeira Emenda de bloquear a expressão se aplica à ação do governo, não à ação de empresas privadas. A Primeira Emenda restringe governos, não empresas”.

Kavanaugh concordou com o argumento da defesa das empresas de que os estados pretendem instalar governos orwellianos (por atribuírem a eles mesmos o papel do big brother que vigia e controla a sociedade) ao tentar impor às companhias quais pontos de vista devem ser publicados, em nome da liberdade de expressão:

“Quando penso em ‘orwelliano’, penso no estado, não no setor privado, não em indivíduos. Pode ser que algumas pessoas tenham um conceito diferente de orwelliano”.

Em defesa dos governos

Apenas os três ministros mais conservadores da corte não se manifestaram a favor das empresas de mídia social. O ministro Neil Gorsuch expressou dúvidas: “Separar o joio do trigo aqui é bastante difícil”, ele disse. Os ministros Clarence Thomas e Samuel Alito mostraram simpatia aos argumentos dos estados.

Alito pressionou o advogado Paul Clement, da NetChoice, uma das duas entidades que defenderam as empresas de tecnologia, pedindo a ele, por exemplo, para definir a expressão “moderação de conteúdo”, perguntando se isso “não é nada mais do que um eufemismo para censura”.

O advogado respondeu: “Se o governo fizer isso, então moderação de conteúdo é um eufemismo para censura. Se uma empresa privada fizer isso, moderação de conteúdo é um eufemismo para critério editorial”. E ele fez os ministros (religiosos) rirem ao acrescentar: “Um site católico não deve ser forçado a dar voz a um protestante famoso”.

Thomas insistiu nesse tema ao pedir secamente à advogada-geral do governo dos EUA, Elizabeth Prelogar, para explicar por que a moderação de conteúdo pelas empresas é diferente da censura inconstitucional pelos governos.

A advogada repetiu a tese de Roberts: “A diferença fundamental aqui, obviamente, é a de que as plataformas de mídia social são partes privadas, que não estão sujeitas à proibição da Primeira Emenda. As empresas podem decidir o que vão publicar em suas plataformas”.

Comparação com telecomunicações

Os advogados do Texas e da Flórida, apoiados por mais de uma dúzia de procuradores-gerais de outros estados, pediram à Suprema Corte para equipar o serviço prestado pelas empresas de mídia social aos prestados por companhias de telecomunicações.

Companhias telefônicas e os correios, por exemplo, são altamente regulamentados pelo governo, que os obriga a transmitir mensagens sem qualquer interferência, seja moderação ou censura. Essa é uma categoria de empresas em que a liberdade de expressão não é uma questão em debate. E é proibido discriminar.

E há outra categoria que inclui jornais, revistas, emissoras de rádio de TV, sites — ou qualquer meio de comunicação que produz conteúdo editorial. Em uma decisão de 1974 (Miami Herald v. Tornillo), a Suprema Corte declarou que “a escolha do material a ser publicado está sujeita apenas ao controle e julgamento do jornal”. Ou seja, decisões editoriais são protegidas pela Primeira Emenda.

Para esses estados republicanos, as cortes ainda não decidiram em que categoria as empresas de mídia social se encaixam — embora algumas companhias telefônicas já permitam o bloqueio de chamadas indesejadas ou de spam.

Implicações para outros sites

As ministras liberais Sonia Sotomayor e Ketanji Brown Jackson, bem como a ministra conservadora Amy Coney Barrett, opinaram que as leis da Flórida e do Texas são amplas demais. Elas podem afetar outros sites, que prestam serviços de mensagens ou de e-mails, bem como sites que têm funções completamente diferentes, mas permitem comentários ou mensagens dos usuários.

Os conservadores reclamam que serviços de e-mail, como o Gmail, do Google, podem categorizar uma mensagem de campanha política ou de um comentarista conservador como spam. Eles alegam que o Gmail, particularmente, tem se engajado em censura partidária.

As ministras argumentam que as leis em julgamento podem afetar sites de e-commerce como Etsy, que tem de escolher entre produtos que publica ou rejeita, Facebook, Amazon e Uber, que permitem troca de mensagens e comentários, ou até mesmo livrarias, em que os proprietários expõem os livros de uma forma que promovem uns sobre os outros ou se recusam a vender alguns.

Se a lei passar

A ministra liberal Elena Kagan perguntou o que pode acontecer se as leis da Flórida e do Texas passarem. Para ela, as plataformas podem decidir publicar apenas postagens sobre animais de estimação, para evitar acusações de discriminação contra certos usuários.

O advogado da NetChoice disse que as empresas de tecnologia teriam de eliminar totalmente algumas áreas críticas, que envolvem liberdade de expressão: “Não se poderia mais falar sobre prevenção do suicídio, porque não se quer falar sobre promoção do suicídio. Não se poderia fazer um discurso pró-semita, porque não se pode fazer um discurso antissemita”, afirmou Paul Clement.

Isso, porém, é difícil de acontecer. Uma possibilidade é que a Suprema Corte decida devolver a bola para os tribunais inferiores, que colocaram as leis em pausa, a fim de esperar a decisão instância máxima do Direito americano. As cortes inferiores deveriam decidir, por exemplo, as implicações das leis além do que tange à mídia social.

Nesse caso, as cortes inferiores têm de decidir também se as leis devem ser bloqueadas no todo ou em parte, para que alguns dispositivos sejam salvos. Com informações de National Public Radio (NPR), CNN, Washington Post, NBC News e Vox.

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