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IA vai abalar sistema de horas faturáveis na advocacia dos EUA

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25 de maio de 2024, 7h42

A inteligência artificial (IA) generativa nunca irá substituir, totalmente, os advogados. Mas, os advogados que souberem usar a inteligência artificial irão substituir aqueles que não souberem, especialmente nas bancas de maior porte.

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De qualquer forma, a IA vai abocanhar uma fatia considerável do trabalho cotidiano dos advogados. Muitas das tarefas delegadas hoje a novos advogados e paralegais, como pesquisa de legislação, precedentes judiciais e bancos de dados, irão ser exercidas por ferramentas de IA, preveem advogados dos EUA. Por isso, é melhor que dominem o uso da IA, para não se tornarem inteiramente dispensáveis.

Nos EUA, uma das implicações mais notáveis da adoção dessas ferramentas, que já vem acontecendo progressivamente, é a de que a inteligência artificial generativa vai abalar o sistema de horas faturáveis (billable hours) na advocacia.

O sistema passou a ser usado, pela maioria das bancas, em meados da década de 1970 para, entre outras coisas, aumentar as receitas das bancas.

Agora, com os recursos da IA generativa, trabalhos que levariam muitas horas para serem executados, podem ser feitos em minutos.

Isso irá, sem dúvida, repercutir no modelo de negócios das bancas, que terão muito menos horas para faturar e, consequentemente, menos receitas para contabilizar.

Algumas medidas terão de ser tomadas, como enxugar o quadro de pessoal e cortar despesas, por exemplo.

Em um primeiro momento, as bancas poderão aumentar os ganhos com a economia de tempo e de recursos humanos. Mas, os clientes não demorarão a exigir das bancas o repasse das economias de custo.

Assim, em algum ponto no tempo as bancas terão de negociar com os clientes seu sistema de faturamento.

O sistema de horas faturáveis poderá sobreviver em alguns casos, porque alguns clientes gostam de saber que seus advogados estão dedicando muito tempo a suas causas.

Mas é possível que muitas bancas tenham de voltar ao sistema de honorários contratuais (ou convencionais), pelo valor estimado da causa (67% dos clientes preferem esse sistema).

Ou, ainda, será possível fazer arranjos híbridos, que combinam honorários convencionais com faturamento por hora de trabalho.

“Funções” da IA generativa

Os advogados sempre manterão suas funções de defender os interesses do cliente em cortes, de fazer reuniões e se comunicar com o cliente (em parte), e de exercer suas funções intelectuais, como a de definir estratégias de atuação nas diversas fases de um processo.

No entanto, a “máquina” poderá se encarregar de algumas tarefas essenciais, como a de fazer pesquisas, redigir rascunhos de petições, analisar documentos da parte adversária para ajudar a identificar os argumentos mais fortes e mais fracos, sugerir contestações e até mesmo estratégias, ajudar a preparar perguntas para depoimentos e testemunhos, bem como na preparação do caso e, enfim, agilizar fluxos de trabalho.

Uma das concorrentes do mercado, a Thomson Reuters, que lançou o CoCouncel Core (“um assistente jurídico movido a IA generativa”), dá exemplos das “funções” que sua máquina pode exercer — tais como:

  1. Preparar o advogado para inquirir testemunhas. “Receba rapidamente um esboço de tópicos e perguntas para um depoimento ou entrevista de uma testemunha”.
  2. Pesquisar banco de dados. “Encontre um documento em seu banco de dados que aborde um tópico específico ou responda a uma pergunta específica”.
  3. Revisar documentos. “Realize uma revisão completa, palavra por palavra, de um pequeno conjunto de documentos para responder a um conjunto de perguntas”.
  4. Fazer sumários de documentos. “Revise um único documento ou um conjunto de documentos longos e complicados para extrair informações relevantes”.
  5. Extrair dados de contratos. “Prepare uma revisão palavra por palavra de um conjunto de contratos para responder a perguntas específicas”.
  6. Compliance com política contratual. “Determine se um conjunto de contratos está em conformidade com políticas ou diretrizes específicas”.
  7. Personalizar o idioma para redação. “Aponte o CoCounsel para um banco de dados de documentos para sintetizar uma cláusula baseada na linguagem do seu repositório. Também funciona para correspondência”.
  8. Cronologia de eventos. “Um dos recursos mais solicitados até agora, a linha do tempo transforma rapidamente uma série de documentos em uma série cronológica de eventos. O CoCounsel também pode ler escrita à mão”.

Reação dos advogados

Os sócios das bancas poderão não gostar das mudanças. Mas os advogados empregados certamente irão gostar porque, segundo a voz corrente, eles odeiam o sistema de horas faturáveis.

Para começar, é um “trabalhão” registrar, durante todo o dia, as horas faturáveis, descontadas as não faturáveis, tais como as do lanche (ou almoço), cafezinho, telefonemas particulares ou de outros clientes, idas ao banheiro, interrupção dos colegas, tempos de espera ou de descanso, etc.

Também são horas não faturáveis, mas são responsabilidades dos advogados, tarefas administrativas, desenvolvimento de negócios, esforços de marketing e de conquista de clientes, educação jurídica continuada, etc.

Apesar disso, muitas bancas exigem que o advogado cumpra uma cota muito alta de horas faturáveis, para que ele seja considerado “lucrativo” para a banca e espera se tornar um sócio, um dia. Em média, as bancas requerem que o advogado cumpra uma meta de 1.900 a mais de 2 mil horas por ano — em média, 40 horas por semana.

Descontado o tempo de interrupções, os feriados, férias, ausência por motivo de saúde, o advogado tem, no final das contas, de trabalhar até altas horas ou aos sábados para compensar o tempo “perdido”.

Muitos advogados têm também um problema de consciência. Acham que lançam um  excesso de horas faturáveis na conta do cliente, sem lhe oferecer, no entanto, o devido valor pelo serviço prestado. Acham que o escritório está oferecendo quantidade, em vez de qualidade de trabalho.

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