Opinião

Tema Repetitivo 1.124: resposta constitucionalmente adequada já foi dada

Autor

  • Diego Henrique Schuster

    é advogado professor doutorando e mestre em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e membro da atuação jurídica do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).

22 de fevereiro de 2024, 7h03

Quanto mais nos avizinhamos da possibilidade de a própria justiça preferir uma decisão injusta (leia-se: capaz de causar sérios prejuízos aos segurados e beneficiários da Previdência Social), com maior clareza começam a brilhar os caminhos e tanto mais questões devem ser feitas.

É o que está acontecendo com o Tema Repetitivo 1.124, que coloca nas mãos do STJ a responsabilidade política-constitucional de “definir o termo inicial dos efeitos financeiros dos benefícios previdenciários concedidos ou revisados judicialmente, por meio de prova não submetida ao crivo administrativo do INSS: se a contar da data do requerimento administrativo ou da citação da autarquia previdenciária”.

No entanto, ao contrário do que dizem por aí, o tema não é polêmico ou controvertido, ou melhor, não deveria ser. É por isso que pretendo — e antecipo desde já — listar bons motivos para o Superior Tribunal de Justiça manter a sua própria orientação.

Acredita-se que a melhor justificativa é aquela capaz de articular, de forma coerente, regras, princípios, jurisprudência e doutrina. Acrescente-se, aqui, argumentos capazes de serem universalizados e que não apostam no livre convencimento motivado, enfim, na discricionariedade-arbitrariedade. Voltarei a esse ponto no final.

A começar pelos comandos voltados a informar a atuação do Poder Judiciário, o que, aliás, foi objeto da ADI 6.096. O artigo 55, § 3, da Lei 8.213/1991, é um exemplo disso.

Ele não apenas informa a atuação do INSS, como também do Poder Judiciário, como se verifica nos Temas Repetitivos 629 e 1188 do Superior Tribunal de Justiça — os precedentes de observação obrigatória tomam o referido dispositivo como ponto de partida (ou retorno) na ratio decidendi.

O mesmo vale para o prazo decadencial: no julgamento do Tema Repetitivo 975, o STJ problematizou o artigo 103 da Lei de Benefícios (com redação dada pela Lei 10.839/2004). Sabemos que o que vincula num precedente são os artigos aos quais ele se refere. Confere?

Conduzindo assim o pensamento, é preciso dizer que, conforme os artigos 49, II, 54 e 57, § 2º, da Lei 8.213/1991, “não existe vácuo legislativo” a permitir que se fixe os efeitos financeiros em outro momento que não a data de entrada do requerimento e/ou a data do preenchimento dos requisitos ensejadores do benefício. Essa é a expressão utilizada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 709/STF:

A Lei nº 8.213/91, em seu art. 57, § 2º, cuidou de disciplinar o tema da data de início da aposentadoria especial, fazendo uma remissão ao art. 49 daquele mesmo diploma legislativo. Eis que, desse modo, a legislação de regência já cuidou de regular o assunto, estabelecendo que o benefício será devido (i) da data do desligamento do emprego, quando requerido até essa data, ou até noventa dias depois dela (inciso I, alínea a); (ii) da data do requerimento, quando não houver desligamento do emprego ou quando o benefício for requerido após o prazo previsto na alínea a (inciso I, alínea b). Conforme se nota, inexiste, no referente ao assunto, vácuo legislativo, de modo que afastar a previsão do art. 57, § 2º, da Lei de Planos de Benefícios da Previdência Social para fazer valer, em detrimento dessa norma, o art. 57, § 8º – quando esse nem sequer foi editado com vistas a regular a questão da data de início dos benefícios – significaria evidente violência às prerrogativas do Poder Legislativo. [1]

Isso significa dizer que fixar os efeitos financeiros em outra data significa deixar de lado a opção do legislador, convertendo-se numa opção que, portanto, não foi dada ao julgador. Poderíamos parar por aqui, afinal, quando a lei é clara não há espaço para a interpretação. “Só que não”!

Exemplo
Até mesmo quando a lei é omissa, aplica-se o mesmo raciocínio. Tomamos como exemplo o Loas.

A partir da leitura do artigo 37 da Lei nº 8.742/1993, artigo 14 da Portaria Conjunta MDS 03/2018 e da súmula 22 da TNU, é possível concluir que a DIB do benefício deve ser a DER, quando, nela, já estiverem presentes os requisitos legais.

Sobre isso o Enunciado 36, aprovado durante a I Jornada de Direito da Seguridade Social: “a data de início do benefício assistencial é a data do requerimento administrativo (DER), quando nela já estiverem presentes os requisitos legais, independentemente de a propositura da ação ter ocorrido após ultrapassado o prazo bienal de revisão do artigo 21 da Lei n. 8.742/1993“.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região chegou a editar a Súmula 107:

o reconhecimento de verbas remuneratórias em reclamatória trabalhista autoriza o segurado a postular a revisão da renda mensal inicial, ainda que o INSS não tenha integrado a lide, devendo retroagir o termo inicial dos efeitos financeiros da revisão à data da concessão do benefício“.

A TNU editou a Súmula 33: “quando o segurado houver preenchido os requisitos legais para concessão da aposentadoria por tempo de serviço na data do requerimento administrativo, esta data será o termo inicial da concessão do benefício“.

O que mais perto interessa à problemática, contudo, é verificar o que o próprio STJ vem decidindo sobre o tema. O stare decisis significa que o tribunal deve respeitar seus próprios precedentes. Trata-se de um instituto destinado a conferir estabilidade às decisões judiciais.

Assim sendo, é preciso reconhecer que o STJ possui jurisprudência consolidada no sentido de que os efeitos financeiros devem ser fixados na DER: AgRg no REsp 1103312/CE, relator ministro Nefi Cordeiro, j. 27/05/2014, DJe 16/06/2014; Pet nº 9.582/RS, relator ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Seção, julgado em 26/8/2015, DJe de 16/9/2015; REsp nº 1.859.330/CE, relator ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, julgado em 10/3/2020, DJe de 31/8/2020; para citar apenas estes.

Mas como saber se existe jurisprudência consolidada sobre o tema? Fácil. O próprio STJ acredita estar seguindo uma orientação consolidada.

Na espécie, temos inúmeras decisões dizendo que o tribunal está seguindo uma decisão anterior, qual seja, a proferida na Pet nº 9.582/RS. Existem decisões de tribunais subsequentes dizendo estar seguindo a orientação do STJ.

Isso tudo nos remete ao artigo 926 do CPC/2015: “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente“. Julgados da Corte Especial começaram a assumir a nova orientação, buscando efetivar a coerência, como na questão envolvendo a necessidade de renovação do pedido de justiça gratuita quando do manejo do recurso especial. [2]

A situação, igualmente, atrai a incidência do princípio da primazia do acerto judicial da relação jurídica de proteção. Nesse sentido: “a resposta do princípio da primazia do acertamento à questão proposta não será outra, portanto, que não a outorga da proteção judicial na medida em que o segurado faz jus. Isto é, a concessão da aposentadoria pretendida com efeitos financeiros desde a formalização do requerimento administrativo”. [3]

No julgamento do Tema 995, o Superior Tribunal de Justiça fundamentou sua decisão no princípio em questão:

Nessa medida, o pedido previdenciário ajuizado pode ser fungido, pois há um núcleo comum no ordenamento jurídico-previdenciário voltado à concessão do benefício previdenciário, reparadora do risco social vivido pelo autor da ação. Daí a importância para o caso concreto da teoria do acertamento, orientada pelo princípio da primazia do acertamento da relação jurídica de proteção social, tão bem traduzida pelo eminente e culto Professor Doutor José Antônio Savaris, in verbis:

A conclusão a que se chega a partir da primazia do acertamento é a de que o direito à proteção social, particularmente nas ações concernentes aos direitos prestacionais de conteúdo patrimonial, deve ser concedido na exata expressão a que a pessoa faz jus e com efeitos financeiros retroativos ao preciso momento em que se deu o nascimento do direito – observado o direito ao benefício mais vantajoso, que pode estar vinculado a momento posterior.

[…]

No diagrama da primazia do acertamento, o reconhecimento do fato superveniente prescinde da norma extraída do art. 493 do CPC/2015 (CPC/1973, art. 462), pois o acertamento determina que a prestação jurisdicional componha a lide de proteção social como ela se apresenta no momento da sua entrega. (José Antônio Savaris in direito processual previdenciário, editora Alteridade, 7ª edição revista e atualizada, páginas 121/131)

A teoria do acertamento conduz a jurisdição de proteção social, permite a investigação do direito social pretendido em sua real extensão, para a efetiva tutela do direito fundamental previdenciário a que faz jus o jurisdicionado.

Tudo, até aqui, parece ser bem tranquilo, isto é, a demora na comprovação do direito tem como (única) consequência a demora na implantação do benefício. A única possibilidade — inscrita em norma jurídica válida — para a subtração de valores reconhecidamente devidos ao segurado da Previdência Social é a que decorre de prescrição incidente sobre as parcelas vencidas há mais de cinco anos do ajuizamento da ação (Lei 8.213/91, artigo 103, parágrafo único). [4]

A essa altura, já poderíamos afirmar que o direito não está condicionado ao momento de sua comprovação, tampouco seus efeitos financeiros, que devem retroagir à data do requerimento administrativo e/ou do preenchimento dos requisitos ensejadores do benefício.

Agora vamos aos argumentos que não interessam para uma resposta constitucionalmente adequada. Não me interessa entrar no mérito da prova, o que não significa sua desconsideração. Poderíamos dar “pano pra manga”? Sim, poderíamos questionar o que são “elementos de prova essenciais” (qual documento separou o segurado do seu direito)?

A prova pode ser nova ou os fatos …e a prova pericial produzida em juízo?
Agora, já deve ter ficado claro: uma coisa é que chamamos de interesse de agir; outra, muito distinta, são os pressupostos de constituição e desenvolvimento válido do processo. Uma terceira coisa, que fica em outro andar, são os efeitos financeiros, sendo que estes devem coincidir com a DER ou data em que preenchidos os requisitos ensejadores do benefício.

Uma vez preenchidos os requisitos do Tema 350 do STF, a atuação, em alguns casos, descomprometida do INSS não merece sequer censura. Com efeito, não me interessa discutir, aqui, os artigos 10 e 11 da Portaria 997/2022 ou a IN do CRPS.

Não me entendam mal, mas esse caminho é muito perigoso (e sem volta), pois teríamos que admitir a possibilidade de criar exceções à regra, com a classificação de tipos de documentos (isso tudo numa tese a ser fixada em sede de repetitivo).

Por outro lado, tal arcabouço normativo só reforça a responsabilidade da Autarquia — e aqui ganha importância o artigo 88 da Lei 8.213/1991:

compete ao Serviço Social esclarecer junto aos beneficiários seus direitos sociais e os meios de exercê-los e estabelecer conjuntamente com eles o processo de solução dos problemas que emergirem da sua relação com a Previdência Social, tanto no âmbito interno da instituição como na dinâmica da sociedade”.

Quem deve orientar e exigir a prova essencial ao reconhecimento do direito (e não apenas ao reconhecimento na via judicial)?
Nesse ponto, concordamos que não podemos inverter as coisas. Pensemos nos desafortunados que buscam seu direito sozinhos na via administrativa, nas inúmeras dificuldades de acessar o sistema do INSS.

Nesse nível, é possível se afirmar que fixar os efeitos financeiros na data do ajuizamento da ação ou citação válida será um grande negócio para o INSS, que será premiado com a subtração de valores devidos desde o implemento dos requisitos ensejadores do benefício, como bem capturou a 3ª Seção do TRF-4:

PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO FIXADO NA DATA DO LAUDO PERICIAL COMPROBATÓRIO DA ESPECIALIDADE DO LABOR. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS NA DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. VIOLAÇÃO MANIFESTA DE NORMA JURÍDICA. CONFIGURAÇÃO. PROCEDÊNCIA. 1. Incide em violação literal aos arts. 49, inc. II, e 54 da Lei nº 8.213/1991 a decisão que estabelece o termo inicial do benefício previdenciário na data do laudo pericial que comprovou o labor especial em sua totalidade, em havendo o segurado preenchido os requisitos necessários à obtenção da inativação no momento do requerimento administrativo. 2. Caso se entenda devido o benefício apenas a partir do laudo pericial confeccionado em juízo, mesmo com o indeferimento prévio do pedido do segurado na via administrativa, perderá o sentido qualquer tentativa deste de obter o benefício diretamente do INSS. Entre conceder administrativamente ou esperar que o obreiro consiga o benefício em juízo, será muito mais vantajoso para a autarquia previdenciária a segunda hipótese, pois aí, de qualquer modo, o termo inicial de concessão ficará postergado. 3. É firme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que a comprovação extemporânea da situação jurídica consolidada em momento anterior não tem o condão de afastar o direito adquirido do segurado, impondo-se o reconhecimento do direito ao benefício previdenciário no momento do requerimento administrativo, quando preenchidos os requisitos para a concessão da aposentadoria. 4. Ação rescisória julgada procedente. (TRF4, ARS 5031347-50.2019.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 14/06/2023)

Fixar os efeitos financeiros na data do ajuizamento da ação ou citação válida também representa um desestímulo ao esgotamento da via administrativa, já que, quanto mais tempo entre a DER e a data de ajuizamento da ação, maior a chance e/ou probabilidade da reafirmação de DER ocorrer neste ínterim.

Uma última palavra, como já disse em outra oportunidade, sou um crítico da ideia de que basta estar na lei (vide artigo 4º da Lindb, o que confirma uma resistência do positivismo clássico no Brasil).

Acontece que a lei confere concreção aos princípios da primazia do acertamento judicial da relação jurídica de proteção social (amplamente aplicado pelo STJ), da proporcionalidade (no sentido de insuficiência de proteção de um direito fundamental, afinal, estamos falando de parcelas de caráter alimentar, o que também foi observado no Tema 709), para citar apenas estes.

É possível se vislumbrar os problemas decorrentes de uma resposta que aposte na discricionariedade. A sombra deve permanecer na sombra, ao STJ cabe reafirmar sua jurisprudência ou, caso contrário, fazer jurisdição constitucional para afastar a aplicação dos artigos 49, II, 54 e 57, § 2º, da Lei 8.213/1991.

A nosso ver, não há como o STJ entender que tais comandos não são voltados a informar a atuação do Poder Judiciário, já que a Lei de Benefícios prevê expressamente o termo inicial dos efeitos financeiros dos benefícios previdenciários concedidos ou revisados.

 


Bah1: RE 791961, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 08/06/2020, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-206 DIVULG 18-08-2020 PUBLIC 19-08-2020.

Bah2: MARQUES, Mauro Campbell. Hermenêutica: coerência e integridade como vetores interpretativos no discurso jurídico.  In: STRECK, Lenio Luiz; ALVIM, Eduardo Arruda; LEITE, George Salomão. Hermenêutica e jurisprudência no Código de Processo Civil: coerência e integridade. 2. ed., São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 182-208.

Bah3: SAVARIS, Jose Antonio. Princípio da primazia do acertamento judicial da relação jurídica de proteção social. Disponível em: www.univali.br/periodicos. Acesso em 02 out. 2020.

Bah4: SAVARIS, José Antonio. Direito processual previdenciário. 6. ed. Ver. Atual. Ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016. p. 335.

Bah5: SCHUSTER, Diego Henrique. Qual o marco temporal de fixação da data de início do benefício? Tá na lei! In: Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 20 fev. 2023. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2023-fev-20/diego-schuster-qual-marco-temporal-fixacao-dib/>. Acesso em 15 fev. 2024.

Autores

  • é advogado, professor, doutorando e mestre em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e membro da atuação jurídica do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).

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