Opinião

Eficácia preclusiva da coisa julgada em matéria previdenciária

Autor

  • Diego Henrique Schuster

    é advogado professor doutorando e mestre em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e membro da atuação jurídica do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).

19 de setembro de 2023, 9h18

O artigo 503 do Novo Código de Processo Civil deixa claro que "a decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força nos limites da questão principal expressamente decidida". Por outro lado, o artigo 508, NCPC, estabelece que, "transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido".

É da interação — e não conflito — entre esses dois dispositivos que se estabelecem os limites da coisa julgada.

O artigo 508 fala em "todas as alegações que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido", ou seja, está se falando de algo que foi expressamente pedido e decidido. O mais importante, possivelmente, é superar a ideia de que, sendo o pedido de aposentadoria como pedido principal, todo o resto poderia ter sido discutido no primeiro e único processo. Se concordarmos com a aplicação da eficácia preclusiva da coisa julgada nesses casos, isto é, considerando apenas o pedido de aposentadoria como principal, chegaríamos à seguinte conclusão lógica: não é possível a revisão de fato (complementação ou transformação) de nenhum benefício concedido na Justiça, o que romperia com uma jurisprudência consolidada durante décadas sobre o tema. Não. Cada período, de tempo especial ou rural, constitui um pedido autônomo.

Tudo isso, até aqui, parece bastante tranquilo. A questão mais difícil é, certamente, clarificar o que poderia ter sido deduzido ao tempo da demanda (anterior), isto é, dentro do mesmo pedido e, por isso, é atingido pela ficção da eficácia preclusiva da coisa julgada.

Aqui é necessário dar um considerável passo para além da ideia de pedido. Tomamos como exemplo a rediscussão do mesmo período, porém, com fundamento em causa de pedir diversa. Na demanda anterior, o autor deduziu o agente físico ruído, oferecendo um formulário PPP com apenas este fator de risco. Suponhamos que o pedido de reconhecimento, como tempo de serviço especial, do período foi julgado improcedente, aplicando o julgador o Tema 694/STJ, que exige um ruído acima do qual se assume o risco de surdez ocupacional. Este, portanto, constitui o antecedente lógico utilizado para resolver a lide — o agente físico ruído inferior ao limite de tolerância. Nesse processo, portanto, não se discutiu em contraditório outro agente nocivo que não o ruído, ou seja, não houve manifestação judicial sobre outros agentes nocivos como, por exemplo, químicos ou periculosidade.

O STJ afirma que: "A imutabilidade própria da coisa julgada alcança o pedido com a respectiva causa de pedir. Não esta última, isoladamente, sob pena de violação do disposto no art. 469, I, do CPC" (REsp. 11.315-0-RJ). Em poucas palavras, são como duas faces da mesma moeda, na medida em que o pedido é uma consequência lógica da causa de pedir. Assim sendo, na demanda anterior, a causa de pedir era o agente físico ruído. Ali, portanto, foram deduzidas "alegações" e "defesas" que guardam pertinência com a causa de pedir (o agente físico ruído).

Como efeito, o que está acobertado pela eficácia preclusiva da coisa julgada são todas as alegações e defesas relativas àquela causa de pedir. Assim, por exemplo, se o autor deixou de alegar que a empresa estava considerando a curva de atenuação supostamente promovida pela utilização de EPI no formulário PPP (o que contraria o Tema 555/STF), este constitui um ponto que não poderá mais ser discutido em nova ação judicial, ou seja, ele deveria ter alegado isso na ação judicial que tinha como causa de pedir o agente físico ruído.

Deve ter ficado claro, mas quando o artigo 508 diz "todas as alegações que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido", o termo "pedido" não pode ser lido isoladamente, quer dizer, este pedido é deduzido sobre uma causa de pedir e, dentro dessa causa de pedir, "considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido". Embora cada relação adulterina autorize a propositura do divórcio, o seu conjunto integra a mesma causa de pedir próxima, "havendo cumulação de fundamentos de uma só causa petendi, não várias causas de pedir. Essa consequência decorre do art. 508 do CPC, dispositivo a determinar a irrelevância das alegações fáticas integrantes da mesma causa de pedir para a modificação do que foi decidido" [1].

Uma das fontes de erro (com todo respeito) consiste, precisamente, em isolar o termo "pedido" e descolá-lo de sua causa de pedir. O resultado disso é que tudo dentro do mesmo pedido poderia ter sido deduzido, logo, aplica-se a eficácia preclusiva independentemente da causa de pedir, o que significa presumir que o novo agente nocivo (não examinado na demanda anterior) foi deduzido, discutido em contraditório e, consequentemente, rechaçado.

Ocorre que é possível ao autor deduzir diferente causa de pedir para o mesmo pedido, dentro da qual, novas alegações e defesas serão problematizadas. Sobre o ponto, cabe destacar que o artigo 1.072 do novo Código de Processo Civil revogou o §4º, do artigo 98 da Lei nº 12.529/80 – Lei do Cade, que dizia que não poderia ser deduzido o mesmo pedido sobre diferentes causas de pedir, o que, certamente, reforça o entendimento de que a coisa julgada não abrange outras causas de pedir que, porventura, sirvam de fundamento para o mesmo pedido. Ou seja, um pedido pode ter mais do que uma causa de pedir [2].

Desenha-se aqui uma distinção entre um pedido novo e uma nova causa de pedir (para o mesmo pedido). No primeiro exemplo temos um pedido novo (acompanhado, por óbvio, de uma causa de pedir); no segundo, uma nova causa de pedir justificando o mesmo pedido. No primeiro, discute-se, no mesmo nível, a diversidade de apenas um dos elementos (tríplice identidade); no segundo, fatos de idêntica natureza ou essenciais capazes (ou não) de justificar o mesmo pedido. A diversidade de um só elemento acarreta diferença de ação.

Decerto, as alegações e defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido estão intimamente ligadas à causa de pedir. Assim sendo, é possível deduzir diferentes causas de pedir para o mesmo pedido, o que permite a formulação de um desdobramento, que tem como fundamento a diferença entre fatos essenciais e fatos da mesma natureza. Em matéria previdenciária, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já confirmou constituir o novo agente nocivo um "fato essencial", e não da "mesma natureza": EREsp11264894/PR, relatora ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, DJe 18/11/2015; AgInt no REsp 1.663.739-RS, rel. min. Benedito Gonçalves, DJe 7/12/2017; STJ, REsp nº 1.603.399/RS, 1ª Turma, rel. min. Napoleão Maia Filho, DJ de 5/2/2020, para citar apenas estes. Na mais recente delas, o Ministro destacou: "10. Na presente ação, embora o período seja o mesmo já analisado em ação diversa, a causa de pedir não está fundada no reconhecimento da submissão ao agente nocivo ruído, mas, sim, na submissão de agentes químicos nocivos" (grifo do articulista).

No centro de tudo está o conceito de causa de pedir. Após defender que a causa de pedir é formada pelo conjunto de fatos essenciais (acontecimentos concretos da vida) contemplados na situação de vantagem objetiva que servem de base à obtenção de consequências jurídicas pretendidas pela parte no processo em um determinado momento no tempo e no espaço, Darci Guimarães Ribeiro explica: "[…] uma vez mudado o fato constitutivo do qual a parte extrai as consequências jurídicas necessárias para configurar a situação de vantagem jurídica, estaremos diante de uma diversa causa de pedir e, consequentemente, de uma diversa pretensão processual" [3].

Alexandre Freitas Câmara reconhece que faz coisa julgada apenas "aquilo que foi deduzido no processo, por conseguinte, objeto de cognição judicial" [4]. Para Egas Moniz de Aragão, o efeito preclusivo da coisa julgada ocorre apenas na lide julgada, mas não em outra lide, objeto de novo processo, nada impedindo ao interessado deduzir a alegação ou defesa omitida em um novo processo, em que outra seja a lide [5]. A leitura desses autores é ainda mais ampla.

Daniela Boito Maurmann Hidalgo, acertadamente, denuncia, na perspectiva da coisa julgada, o paradigma da equivocada separação do mundo dos fatos e do mundo do direito, que concebe o "direito sem fatos", devendo, por isso, o fato se amoldar à estrutura do suporte fático, enfim, os fatos precisam se ajustar à causa de pedir, e não o contrário. Para a autora, "[…] a leitura que se faz dos limites objetivos da coisa julgada, declaradamente ou não, acaba optando pela teoria da individualização" [6]. Concordamos que o novo CPC encampou a teoria da substanciação mitigada, de modo que a indicação de fato constitutivo diverso caracteriza nova demanda [7]. A substanciação faz com que cada fato constitutivo represente uma causa de pedir. Assim, cada agente nocivo configura um fato autônomo, vale dizer: capaz de gerar consequências jurídica/enquadramento num decreto — incidente num suporte fático. Nesse sentido, pode-se categorizá-los como fatos essenciais, cuja ocorrência isolada permite a caracterização do tempo de serviço especial.

Compreende-se a preocupação de quem entende que isso poderá trazer instabilidade às relações jurídicas, uma vez que, com a constante descoberta de novos agentes nocivos, o segurado poderia renovar o pedido ilimitadamente. No entanto, isso é, quase certamente, um exagero. O que se tem são riscos concretos (conhecidos) e inerentes à função desempenhada pelo autor, e não riscos desconhecidos e futuros (abstratos), como aqueles que pairam sobre o trabalhador que manipula nano partículas, ou seja, cujos efeitos (ainda) não são cientificamente conhecidos. Em muitos casos o autor apostou em apenas um agente nocivo por conta da justificada confiança na jurisprudência do tribunal (e.g.: a questão envolvendo o ruído acima de 85 decibéis — vide redação revogada da Súmula 32/TNU).

Assim, uma valoração realista e contextualizada do caso concreto pode ser suficiente para superar o pré-juízo (in)autêntico de que o advogado pretende ajuizar tantas ações quanto forem os agentes nocivos, numa tentativa de ampliar suas chances, mesmo sabendo das implicações que isso tem (demora, decadência, prescrição e, sobretudo, coisa julgada!).

Este é um ponto de vista objetivo e neutro da solução tomada pela jurisprudência previdenciária do Tribunal Federal Regional da 4ª Região — sobre o tema destaco o artigo escrito pelo desembargador Federal Celso Kipper "atividade especial em matéria previdenciária: coisa julgada e ajuizamento de nova ação com fundamento em agente nocivo diverso" [8].

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Bah1: SILVA, Ricardo Alexandre da. A nova dimensão da coisa julgada. São Paulo: Thomson Reuters, 2019. p. 185.

Bah2: Nesse sentido: "Em respeito ao direito fundamental de ação, ao devido processo legal e ao contraditório, insertos no art. 5º, XXXV, LIII e LV, CF, ora se perfilha a corrente majoritária, segundo a qual com a formação da coisa julgada preclui a possibilidade de rediscussão dos argumentos e razões que digam respeito, tão somente, à causa de pedir deduzida pelo autor. A eficácia preclusiva da coisa julgada, não poderia, jamais atingir todas as outras causas de pedir que pudessem servir para embasar aquela mesma pretensão, sob pena de grave ofensa ao direito fundamental de ação, o devido processo legal e o contraditório". DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paulo Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. Salvador: Juspodivm, 2012. v. 2. p. 439.

Bah3: RIBEIRO, Darci Guimarães. Análise epistemológica dos limites objetivos da coisa julgada. In: STRECK, Lenio Luiz; ROCHA, Leonel Severo; ENGELMANN, Wilson (Org.). Constituição, sistemas sociais e hermenêutica: anuário do Programa de Pós-graduação em Direito da UNISINOS: mestrado e doutorado: n. 9. Porto Alegre: Liv. do Advogado; São Leopoldo: UNISINOS, 2012, p. 81-86.

Bah4: CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 24. ed., São Paulo: Atlas, 2013. p. 532.

Bah5: ARAGÃO, Egas Moniz de. Sentença e coisa julgada. Rio de Janeiro: AIDE, 1992.

Bah6: HIDALGO, Daniela Boito Maurmann. Op. cit., 2011, p. 234.

Bah7: SILVA, Ricardo Alexandre da. A nova dimensão da coisa julgada. São Paulo: Thomson Reuters, 2019. p. 185.

Bah8: Disponível em: https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=pagina_visualizar&id_pagina=4431. Acesso em 8 set. 2023.

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  • é advogado, professor, doutorando e mestre em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e membro da atuação jurídica do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).

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